Alemanha abandona o nuclear
A Alemanha anunciou que vai renunciar ao nuclear. Mas a renúncia não será imediata, como pretendiam Os Verdes, que integram a coligação governamental. O chanceler Gerhard Schroeder escusou-se a avançar datas concretas mas, pelos termos do acordo, só lá por 2020 é que se poderá dizer que Alemanha abandonou de facto o nuclear, quando deverá encerrar a última central nuclear. No entanto, apenas à primeira vista é que esta medida poderá ser considerada uma vitória do partido ecologista. Os observadores do mercado dizem que os industriais fizeram vingar a sua visão. O mesmo pensam os membros da ala mais radical dos Verdes, que ameaça renegar o acordo entre a indústria e o Governo. Em França, no entanto, a decisão está a ser vista com alguma preocupação.
O chanceler alemão, Gerhard Schroeder, anunciou ontem que o seu governo chegou a acordo com as empresas produtoras de energia para encerrar, ao longo dos próximos 20 anos, todas as 19 centrais nucleares alemãs. Mas, se à primeira vista isto parece uma vitória para o partido Os Verdes, que integra a coligação governamental, a verdade é que este acordo se tornou mais um motivo de polémica no seio do partido ecologista. Enquanto Juergen Trittin, o ministro do Ambiente, considera o acordo "razoável e realizável", Antje Radcke, uma das co-presidentes d'Os Verdes , considera-o "inaceitável" e encara mesmo a possibilidade de romper a coligação governamental por causa deste assunto.O fim da utilização civil da energia nuclear sempre foi uma bandeira do partido alemão Os Verdes, desde que foi criado, em 1980. Quando e pôs a hipótese de chegar ao Governo, em 1998, através de uma aliança com os social-democratas de Schroeder, o partido colocou como condição indispensável para a aliança política o cumprimento de uma sua promessa eleitoral - a renúncia imediata à energia nuclear.A condição foi aceite e as negociações com as quatro maiores empresas produtoras de energia - RWE, VIAG, VEBa e Energie Baden Wuerttemberg - tiveram início há 18 meses. A proposta do Governo era encerrar as centrais à medida que atingissem os 30 anos de funcionamento, enquanto os industriais defendiam que as centrais deviam continuar até completarem 35 anos. Depois de uma maratona final de cerca de quatro horas, conseguiu-se uma solução de compromisso: as centrais irão encerrando à medida que completarem 32 anos de funcionamento. "É um compromisso sensato", disse Schroeder na conferência de imprensa em que anunciou o acordo. "Enquanto alguns países pretendem prolongar a vida das suas centrais nucleares até aos 60 anos, na Alemanha chegámos a uma solução de consenso, com os 32 anos", disse Trittin, sublinhando que esta é a mais rápida renúncia ao nuclear alguma vez iniciada por um dos países mais industrializados - a Suécia iniciou o mesmo processo há pouco tempo, embora tenha encerrado apenas uma central nuclear. O mercado bolsista pareceu concordar com o ministro, já que as acções das empresas de energia dispararam ontem, uma vez resolvida a incerteza que pairava sobre o sector, diz a Reuters. Uma trintena de anos parece ser um prazo suficientemente folgado para os investidores. "Na verdade, os industriais impuseram o seu ponto de vista e ficaram com tempo suficiente para se poderem adaptar", disse à AFP Gerlinde Gollasch, analista do sector energético da firma Bankgesellschaft Berlin.Mas esse entendimento não é partilhado por todos os elementos do partido Os Verdes. A entrada dos ecologistas para os corredores do poder, aliás, não tem sido pacífica no seio do partido, com a ala mais à esquerda a mostrar-se fortemente crítica de alguns compromissos feitos pelos seus homens em Berlim. Para Antje Radcke, no entanto, o acordo é uma cedência à indústria. "Parece que Os Verdes declararam umas tréguas de longo prazo com a energia nuclear", disse a dirigente a uma rádio alemã, citada pela Reuters. Radcke avisou que vai recomendar aos delegados ao próximo congresso do partido - que se realiza na cidade de Muenster, a 23 e 24 de Junho - que rejeitem este acordo, ainda que isso possa significar o rompimento da coligação governamental. "Mas é uma questão de credibilidade pessoal e política", explica.Enquanto os industriais se dizem ter rendido à "primazia dos interesses políticos", muitos militantes ecologistas parecem longe de se render. "Fomos traídos. Isto não é um abandono do nuclear, é um prolongamento", disse Marianne von Alemann à AFP, quando participava numa manifestação junto ao centro de armazenagem de resíduos radioactivos em Gorbelen. "Este acordo ultrapassa os nossos piores receios", disse ainda Wolfgang Ehmke, outro militante dos Verdes. Aliás, foi já marcada uma outra manifestação para Gorbelen, para o dia 23 de Setembro, para reclamar "uma verdadeira renúncia" ao nuclear.Os democratas-cristãos da CDU, na oposição, já fizeram questão de denunciar "as restrições de carácter ideológico" que serão impostas sobre a economia em resultado do acordo. Talvez levando em conta uma sondagem realizada em 1997 e que, segundo a BBC, revelava que 81 por cento dos alemães estavam a favor da energia nuclear, a líder da CDU, Angela Merkel, garantiu que, se o seu partido voltar ao poder, esta medida será revista. Mas não é só na Alemanha que as ondas de choque produzidas pelo acordo se produzem em sentidos opostos. Os Verdes franceses lançam "bravos" à Alemanha e perguntam quando os mesmos passos serão dados em França - que, junto com a Lituânia, é um dos dois países que maior dependência energética têm do nuclear (quase três quartos da sua energia é produzida desta forma). Enquanto isso, a Companhia Geral dos Materiais Nucleares (Cogema), que trata grande parte dos resíduos nucleares alemães - o resto vai sobretudo para a British Nuclear Fuels, em Sellafield, no Reino Unido -, está já a deitar contas à vida.É que se as centrais nucleares alemãs não devem deixar de funcionar antes de 2020, o acordo entre o Governo e a indústria prevê que os resíduos deixem de ser atravessar a Europa para serem tratados noutro local a partir de 2005. E os resíduos alemães representam dez por cento do volume de negócios consolidado do grupo Cogema, que em 1999 foi de cerca de mil milhões de contos. Os sindicatos franceses manifestaram também já a sua preocupação, mas os alemães optaram, por ora, pelo silêncio - ainda que o emprego das cerca de dez mil pessoas que trabalham nas 19 centrais nucleares alemãs estejam postos em causa.