Educação itinerante

É às quinta-feiras que a educadora Rosário vai ao monte alentejano de Casa Branca. A esperá-la está uma única miúda de três anos. Nas paredes de uma das salas da escola há trabalhos feitos em anos anteriores. Lembram tempos em que havia mais crianças. Educação itinerante é como se chama o projecto que há dez anos chega aos que, em vários pontos do país, vivem isolados e longe dos que têm a mesma idade.

Os dias de Rosário Monteiro passam pelas estradas esburacadas e isoladas do Alentejo. No seu automóvel cinzento-metalizado faz pouco mais de 60 quilómetros diários que demoram cerca de uma hora a percorrer. No banco de trás vai o bibe, enorme, aos quadrados azuis, verdes e vermelhos e com os bolsos cheios de folhos. É educadora de infância itinerante.Já passaram cinco anos desde que Rosário trocou a educação pré-escolar "fixa", num jardim de infância de Alcácer do Sal, pela itinerância. Da sala com 20 crianças da mesma idade passou a acompanhar menos de dez, entre os três e os seis anos, divididas por dois lugares: o monte de Casa Branca e a aldeia de Rio de Moinhos. O trabalho é diário, mas nem sempre é feito com o mesmo grupo. Nem se pode, aliás, falar em grupos - afinal, em Casa Branca, onde vivem três famílias, a educadora acompanha apenas Catarina de Jesus, de três anos, embora estejam inscritas mais duas meninas.O projecto de educação itinerante começou há dez anos, com a intenção de fazer chegar o pré-escolar a todas as crianças entre os três e os cinco anos. O Ministério da Educação destaca uma educadora para trabalhar numa ou duas localidades, em meios rurais, onde existam menos de 15 miúdos, ou seja, onde não se justifica construir um jardim de infância. Neste tipo de ensino só as educadoras é que são itinerantes. As salas são fixas e não pertencem ao ministério, que se limita a colocar as profissionais. As autarquias, os centros sociais ou outras instituições cedem o espaço e "fazem o apoio logístico - apetrechamento, manutenção e limpeza dos espaços", explica Manuel Porfírio, director de serviços da Direcção Regional de Educação de Lisboa (DREL). Nas paredes de uma das salas da Escola Básica do 1º Ciclo de Casa Branca estão os trabalhos feitos em anos anteriores por outros meninos. Lembram tempos em que existiam mais crianças no monte. Sentadas em cadeiras mínimas, Catarina e Rosário estão concentradas no desenho que a mais pequena faz. Sabe as cores todas; apenas confunde o preto e o castanho. Catarina faz um auto-retrato. "E isto aqui, o que é?", pergunta Rosário, apontando para uns riscos cor de laranja. "São as patas da Catarina", responde a miúda. "As patas?! As patas são das galinhas e dos porquinhos! E a Catarina tem o quê?" "Tem patinhas", responde a miúda. Com um ar sério, Rosário não desarma: "Não, tu tens uns pés e as galinhas têm..." Na dúvida, Catarina responde: "Pezinhos?" A educadora desmancha-se a rir. Por fim, a garota, divertida, acerta: "Pés tem a Catarina, patas têm as galinhas." A aula termina com a identificação do desenho: "Catarina de Jesus", rascunha. A educadora volta a escrever o nome e a data. "E agora?" Catarina encolhe os ombros. "'Tá cansada, a moça!", exclama Rosário, carregando a pronúncia.Paredes-meias com a sala de Rosário, está a sala do professor Nélson Marques, onde se sentam os irmãos de Catarina - José Carlos, de dez anos e Alexandra, de sete - e mais quatro alunos do 1º ciclo - um pela segunda vez. Sandra Vanessa, de 12 anos, começou a frequentar a escola a três semanas de encerrar o ano lectivo.Segundas e quintas-feiras são dias "espectaculares" no monte da Casa Branca, garante Tânia, de 13 anos, no 3º ano. "A professora Rosário trabalha com a gente, brinca, conta histórias infantis e dá a volta ao senhor professor Nélson para a gente sair... Quando não vem, fazemos muita coisa que não gostamos [estudar], mas temos que gramar", lamenta Tânia, que quer ser cabeleireira ou cantora, e até já escreveu uma letra que fala de um amor ausente, que já não acorda na mesma cama. "Vossemecê é muito boa para a gente", diz, dirigindo-se à educadora.Muito do trabalho feito na educação itinerante é em conjunto com o professor do 1º ciclo, que "não tem tanto jeito para as expressões plásticas", refere Rosário Monteiro. Assim, as quintas-feiras são dias em que se faz pinturas, teatro, se prepara festas ou saídas. Este ano, já foram ao cinema e ao Jardim Zoológico de Lisboa. "A itinerância tenta proporcionar vivências que os meninos não teriam com os pais", garante Maria José Pereira, educadora itinerante de Alcácer do Sal.Não há um programa a cumprir, as profissionais seguem as orientações curriculares para o pré-escolar que se centram em três pontos: a formação pessoal e social, a expressão e comunicação e o conhecimento do mundo. "O meu filho quando foi para o pré-escolar não falava e no segundo dia já vinha a dizer 'água'", conta Helena Júlio, mãe de João Pedro, de Rio de Moinhos, um menino que ganhou o segundo prémio de desenho do Dia Mundial da Criança, promovido pela autarquia, com um trabalho que fez na itinerância. "Enquanto o pré-escolar se fecha numa sala, a itinerância chega aos pais e à comunidade. É um projecto onde se valoriza tudo o que está à nossa volta", distingue Catarina Albuquerque, professora em Rio de Moinhos. A itinerância tem grande expressão na região Centro, onde existem 59 educadoras para 711 crianças; nesta zona, as docentes trabalham por vezes em casa das crianças. Segue-se o Algarve, com 531 miúdos para 34 educadoras. No Alentejo, a itinerância abrange 39 profissionais e um universo de 417 crianças. Na região de Lisboa trabalham 20 educadoras com 346 crianças. No Norte que existem apenas cinco educadoras com cerca de 120 meninos, mas pretende-se alargar o projecto.Anualmente as educadoras recebem da tutela um subsídio de 54 contos para "material de desgaste", uma quantia "insuficiente" para comprar canetas, lápis e papel para crianças "demasiado carenciadas, que nem têm livros em casa", lamenta Rosário Monteiro.

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