Nova Iorque, 1977
Larry Levan, um dos mais famosos disc-jockey de todos os tempos, e o Paradise Garage, a mítica discoteca dos anos 70, são agora recuperados na magnífica compilação "Larry Levan Live At The Paradise Garage". A Nova Iorque dos anos 70 já não existe, mas o espírito lúdico do período "disco" mantém-se em espaços como o Body & Soul.
Durante o período "disco", a discoteca Studio 54, em Nova Iorque, era o local por excelência onde os famosos acabavam as noites. Mas o Paradise Garage foi o clube mais efectivo e influente de todo o período "disco". No número 84 de King Street, na área do Soho de Manhattan, a clientela era predominantemente "gay", com as sextas-feiras a registarem uma significativa presença de negros e, os sábados, de brancos e mulheres. Dizem os registos da época que em todos os recantos cavernosos da sala se conseguia sentir fisicamente a música, com os sons graves colocados em destaque por um fabuloso sistema de som arquitectado pelo DJ Larry Levan. Desde a sua abertura, em Janeiro de 1977, até à última festa, no Outono de 1987, o Paradise Garage era o ponto fulcral de Nova Iorque. O clube possuía não só um completo sistema de som e um magnífico sistema de ar condicionado, como também uma sala para relaxar onde eram passados filmes. Era o espaço onde figuras como Mick Jagger, Stevie Wonder, Diana Ross, Grace Jones ou Keith Haring se sentiam bem. E também o local onde editoras como a Salsoul e a West-End ou produtores como François Kevorkian e Larry Levan testavam os seus discos em primeira mão. Mas para além de todos esses condimentos, o Paradise Garage possuía um outro atractivo decisivo. O seu DJ residente era Larry Levan, talvez o disc-jockey mais influente de toda a história da música de dança. Falecido em 1992, Levan tinha um estilo muito particular de colocar os discos, deixando-os rolar até ao fim e acentuando certas partes das canções, fazendo sobressair os elementos principais.O Paradise Garage seguia as pisadas iniciadas no princípio dos anos 70 pelos clubes The Loft (onde pontificava a figura do DJ David Mancuso) e The Gallery (Nicky Sapiano), colocando o trabalho do DJ em destaque. Larry Levan havia conquistado reputação como DJ nos clubes Continental Bath (ao lado de Frankie Knuckles) e Read Street. Este último era propriedade de Michael Brody, um noctívago inveterado amante de boas experiências musicais. Quando Brody decidiu embarcar na aventura de dirigir um espaço muito mais amplo, Larry Levan apresentou-se como sendo a escolha óbvia para conceber à sua imagem o novo local. Larry Levan era obcecado pela perfeição. Era capaz de passar horas a aperfeiçoar o sistema de som até este estar em condições, para na semana seguinte transformar tudo para que o público não se cansasse. Ou regular a temperatura do ar condicionado de acordo com a música. Enquanto produtor, colocava a mesma paixão na sua actividade, passando semanas em estúdio para testar novas versões para passar no Garage. A comunicação com a pista de dança era a sua motivação e a forma como passava e encadeava música a forma preferida de dialogar.Em entrevista à revista inglesa "Jockey Slut", François Kevorkian explicava de forma feliz o efeito de Levan na pista de dança: "Era comum para as pessoas que estavam na pista sentir que ele lhes falava directamente através dos discos. Essa habilidade para comunicar de forma tão directa para a pista de dança é uma das principais razões que fazem dele um mito. No Garage, entre 1500 e duas mil pessoas partilhavam energias e uma paixão comum pela música. Cantavam as músicas e emocionavam-se com os momentos de exaltação e de calma. Hoje em dia, as pessoas estão mais isoladas. Para quem não viveu a experiência deve ser difícil de entender."Em 1979, enquanto a imprensa anunciava a morte do "disco" depois do lançamento de "Good times" dos Chic, Larry Levan mantinha-se fiel ao velho espírito, passando nas suas sessões funk, soul, "disco" ou a new-wave dos Talkin Heads e Clash. O Paradise Garage era um local incrível que havia conseguido subsistir à decadência do "disco", mas teve de fechar. O dono, Michael Brody, havia contraído sida e não se encontrava em condições para continuar a dirigir o espaço. No dia 26 de Setembro de 1987, Larry Levan passa pela última vez "Where do we go from here?" dos The Trammps. Para Larry Levan, o encerrar de portas constituiu o princípio do fim. Com problemas de coração - agravados pelo consumo de cocaína -, o DJ nova-iorquino morre no dia 8 de Novembro de 1992.Dois meses antes da sua morte, Larry Levan realizou uma digressão pelo Japão com François Kevorkian. Este recorda assim esses momentos: "Numa das noites, Larry preparou uma sessão constituída por clássicos do som de Filadélfia. Foi muito tocante e emocional porque a mensagem de todas as canções referiam-se ao facto de ele estar a sofrer. Todos nós sentimos isso nessa altura e tenho quase a certeza que ele sabia que estava prestes a morrer. As canções estavam tão relacionadas com a sua vida. Passou 'Time waits for no one' de Jean Carne e 'Where do we go from here' dos Tramms e eu percebi que aquele era um dos momentos mais incríveis que já alguma vez tinha testemunhado na minha vida. Era tão óbvio, tão maior que a vida, um tão grande drama, que eu sabia, toda a gente sabia, o que ia suceder."