Processo de Negrão foi arquivado
Parece ter chegado ao fim o processo em que Fernando Negrão foi acusado pelo Procurador Geral da República de violação do segredo de justiça no caso Moderna. Cruzadas as versões da jornalista do DN e a do ex-director da PJ, a juiza considera ser "impossível" chegar a uma conclusão, tal é o número de contradições. Mas o Ministério Público vai recorrer da decisão de arquivamento.
O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu-se ontem pelo arquivamento do processo em que Fernando Negrão, juiz e ex-director da Polícia Judiciária (PJ), é acusado de violação de segredo de justiça no caso da Universidade Moderna. Lida a decisão instrutória, seguiram-se emocionados abraços e muitas acusações com o Procurador Geral da República (PGR), Cunha Rodrigues em mira. O Ministério Público anunciou que vai apresentar recurso.Fernando Negrão - rodeado de alguns ex-membros da PJ que se demitiram junto com ele, o director-adjunto da PJ de Lisboa, José Sousa Pinto e o director da PJ de Faro, Sousa Martins - declarou-se satisfeito a nível pessoal, insatisfeito a nível institucional. Negrão disse "aguardar consequências, nomeadamente em relação ao autor do processo", Cunha Rodrigues. Caso contrário, está-se a legitimar "a natureza e métodos da investigação que não abonam nada a favor do estado de direito".Proença de Carvalho, "advogado da vítima", disse ser necessário haver consequências políticas, nomeadamente para quem fez a denúncia, porque se tratou de um processo "de manipulação de natureza política". Moita Flores, ex-agente da PJ que também esteve presente, foi ainda mais incisivo e afirmou que aquele processo era "humilhante para a democracia portuguesa" e que quem devia estar na banco dos réus não está. "Num país de coragem política ir-se-ia até ao fim".Em causa está a divulgação de informações sobre mandados de busca às instalações da Universidade Moderna, de que o Diário de Notícias (DN) deu conta a 6 de Março de 1999. Segundo o que a jornalista Margarida Maria revelou ao PGR, foi Negrão quem lhe deu as informações. É com base no seu testemunho, e no de outros dois colegas que ouviram a conversa em sistema de alta-voz, que Cunha Rodrigues fez a queixa-crime. No seguimento deste factos, Negrão entrega a sua demissão ao então ministro da Justiça, Vera Jardim.Segundo a juiza desembargadora Margarida Blasco, é "impossível determinar o que efectivamente se passou, se o arguido praticou ou não os factos que a acusação lhe imputa". No acórdão de não pronúncia afirma-se que, caso se prosseguisse para julgamento, a absolvição do arguido "surgiria como uma certeza". Assim, e em caso de dúvida, a lei define que seja tomada a decisão mais favorável ao réu, ou seja, o de não o submeter a julgamento.Cruzados os depoimentos de Negrão e da ex-jornalista do DN, tudo fica por concluir. A única certeza: houve dois telefonemas feitos a partir do DN. Nas conversas telefónicas, Negrão diz que se recusou a prestar quaisquer declarações sobre o caso, afirmações que Sousa Pinto confirmou no caso do segundo telefonema, por ter alegadamente presenciado a conversa. Já a jornalista afirma ter recebido as informações das buscas e da data do seu início no primeiro telefonema efectuado.Os testemunhos que viriam eventualmente desempatar foram considerados inválidos, como pedia a defesa. De facto, os dois jornalistas do DN, Rodolfo Ribeiro e Ribeiro Ferreira, que ouviram a conversa em sistema de alta-voz, corroboraram a versão da colega. No entanto, a magistrada afirma que estes testemunhos não constituem meio de prova e são "ilícitos", porque a conversa foi ouvida sem consentimento de um comunicante. A presença de terceiros na conversa seria necessária por alegados problemas anteriores com a mesma fonte, disseram os jornalistas. Mas a justificação para "a devassa das telecomunicações" não colhe, diz o acórdão, porque mesmo perante um crime até as entidades policiais e judiciárias precisam de autorização legal.A procuradora-geral-adjunta, Paula Figueiredo, afirmou ontem que vai recorrer do despacho junto do Supremo Tribunal de Justiça. Considera que a comunicação telefónica entre a jornalista e o ex-director da PJ não pode ser entendida como "um meio privado, mas como uma conversão não privada", o que tornaria aceitáveis os depoimento dos dois jornalistas. Negrão enfrentava um crime que é punido pelo Código Penal com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.