A geração de 90 saiu feliz
Os Pearl Jam suscitam o tipo de devoção que faz uma pessoa querer vê-los ao vivo 98 vezes. Essa devoção levou mais de vinte mil pessoas anteontem aos estádio do Restelo. Antes do concerto houve pancadaria, mas depois tudo correu bem.
E ao fim de duas horas, eles lá tocaram "Alive", para êxtase do público. Mas os Pearl Jam não precisavam desse nem de mais nenhum gesto simpático para conquistar as mais de 20 mil pessoas que encheram na terça o estádio do Restelo, em Lisboa. Conquistada à partida, uma audiência devota fez da segunda passagem por Portugal da banda de Eddie Vedder uma colossal celebração da "geração de 90".O que é isso, geração de 90? São as pessoas que aprenderam a ouvir música com "Nevermind" dos Nirvana e com "Ten" dos Pearl Jam. Na sua maioria, são eles que preenchem as bancadas e a plateia do estádio do Belenenses. A plateia é o relvado, o palco numa das balizas, um mar de gente quase até à outra.O que tem um inconveniente: na baliza adversária, vê-se mal. Quem tenha menos de 1,70m não vê mesmo quase nada, a menos que esteja sobre os ombros de um amigo, solução frequentemente utilizada (louve-se aqui o esforço de um jovem que aguenta a namorada aos ombros quase sem interrupção do início ao fim do concerto).Quem lá está não pode apreciar os pormenores mais íntimos da anatomia do guitarrista dos Vandals, que se despe integralmente lá para o fim da sua actuação. Banda skate-punk californiana, não são geração de 90, são mais geração Offspring. Os Vandals fazem um concerto de rock hardcore que provoca as primeiras ondas de "mosh". E por falar em "mosh": onde está Dennis Rodman? Segundo o jornal "A Bola", o basquetebolista mais mal comportado da NBA chegou a Portugal na segunda para vir ter com o seu amigalhaço Eddie Vedder.Talvez ainda apareça. Agora entram os Pearl Jam, com "Of the girl", do novo álbum, "Binaural", editado esta semana, um disco tépido cujas músicas soam melhor ao vivo. O público não conhece ainda as canções deste disco, mas há-de conhecer: segundo a agência Lusa, "Binaural" entrou directamente para o primeiro lugar do "top" de vendas."Do the evolution", "Red Mosquito" e "Animal" (tocada tão depressa que soa a Red Hot Chili Peppers) já são reconhecidas. "Corduroy" é a primeira canção entoada em coro por todo o público, a primeira de muitas. Os isqueiros surgem para o novo single, "Nothing as it seems". "Given to fly" manda ondas de choque até à outra baliza."Even flow" continua com a mesma fúria de há dez anos, quando os Pearl Jam ainda tocavam em espeluncas de Seattle e Eddie era um anónimo surfista. É com os temas de "Ten" e "Vs" que o público vibra mais, mas também exulta com o mais recente "Last kiss".Eddie não precisa de pedir ao público para cantar ou bater palmas. Quando fala, faz-se silêncio suficiente para ouvir tudo o que diz. Porquê esta devoção? Talvez porque esta banda é "genuína", "autêntica". Quando Eddie diz os obrigados e os elogios da praxe, ninguém duvida da sua sinceridade. A atitude espartana e ferozmente anti-comercial da banda é reiterada em gestos como não fazer vídeos, reduzir a promoção dos seus discos ao mínimo indispensável, empreender batalhas legais pelos seus fãs - e fazer espectáculos de duas horas e vinte.Um caso típico: Eddie conta que, a passear pela praia em Portugal, um surfista lhe emprestou a prancha e o fato. No dia seguinte, outro surfista ofereceu-lhe a prancha. "Não sei se isto acontecia em qualquer lado", diz, dedicando "Lightyears" a esses surfistas, "uma canção sobre coisas simples".E mais adiante vem "Daughter", com direito aos artíficios todos: cantada em coro, com palmas ritmadas, isqueiros acesos, final prolongado até ao infinito. Segue-se "Betterman", sobre uma mulher que se acomoda a um homem que já não ama porque não consegue encontrar um melhor, uma canção supremamente intimista, mas que mesmo assim tem um efeito arrepiante neste estádio cheio de gente."MFC", "Breakerfall", "Evacuation", "Immortality", "Black" (outra favorita do público) e "Go" levam o concerto até ao primeiro encore, onde se começam a ouvir os primeiros pedidos de "Alive". O público chega a entoar o refrão, Eddie responde: "Pois, essa é uma boa música, vocês cantam-na tão bem que já não temos de a tocar." Lança-se em "Elderly woman behind the counter in a small town" mas depois lá faz a vontade à multidão, e toca um "Alive" que deve ter sido ouvido no Algarve.Vão-se embora. Eddie regressa ainda ao palco (ao que o PÚBLICO apurou junto de elementos mais próximo do palco, carregado por Dennis Rodman, que tinha inevitavelmente de aparecer). Segundo encore, com "Yellow ledbetter". Fim, Eddie explica que têm de se ir embora, agradece ao público e pede-lhe para "continuarem a ser bons uns para os outros", o que soa a "clube amigos Disney" mas aqui até faz sentido, nem que seja durante uns segundos. A geração de 90 sai feliz.