Vladimir, o todo-poderoso

O Governo de Mikhail Kassianov será mais pequeno mas mantém os principais ministros. Isso significa que os "clãs" ligados a Ieltsin ainda influenciam o Kremlin. Revolucionárias parecem as ideias de Putin para retirar poderes aos governadores. O Presidente já nomeou os seus representantes para os sete novos círculos regionais. A Rússia torna-se um Estado unitário.

Um dia depois de ter anunciado um plano para reduzir os poderes dos governadores das regiões e repúblicas da Federação da Rússia, o Presidente Vladimir Putin voltou ontem a reafirmar a sua autoridade, mantendo no Governo os seus principais ministros e conselheiros. Não houve surpresas na composição do novo Executivo dirigido por Mikhail Kassianov e uma das poucas mudanças foi a redução do número de ministérios federais de 30 para 24, de vice-primeiros-ministros de sete para cinco e a eliminação do cargo de primeiro vice-primeiro-ministro.Victor Khistrenko, Valentina Matvienko e Ilia Klianov continuam a ocupar os cargos de vice-primeiros-ministros. Como ministros permanecem também Igor Sergueiev (Defesa), Vladimir Ruchailo (Interior), Igor Ivanov (Negócios Estrangeiros), Nikolai Patruchev (Serviço Federal de Segurança (FSB, ex-KGB), Iuri Tchaika (Justiça), Serguei Choigu (Situações Extraordinárias) e Nikolai Aksionenko (Transportes e vice-primeiro-ministro).Novidades são apenas as nomeações de Alexei Kudrin para ministro das Finanças e vice-primeiro-ministro, e de Guerman Gref para ministro do Desenvolvimento Económico e Comércio (VER CAIXA), e a criação do novo ministério da Ciência e Tecnologia, que será dirigido por Mikhail Dundkov.A julgar pela decisões tomadas, tendo em conta que os principais ministros não perderam o emprego, analistas em Moscovo afirmam que a influência da "Família/Corte" do anterior Presidente Boris Ieltsin - e sobretudo dos magnatas Boris Berezovski e Boris Abramovitch - vai continuar a sentir-se no novo Governo. O clã de São Petersburgo, também conhecido por "equipa de [Anatoli] Tchubais", está igualmente representado no Executivo de Kassianov, através de Alexei Kudrin (o novo ministro das Finanças), podendo vir também a ocupar algumas pastas no campo da Economia. Quanto aos homens do FSB, fazem-se representar por Nikolai Patruchev, mas também pelo general Evgueni Murov, que foi nomeado director do Serviço Federal da Guarda.As intrigas em torno das lutas pelas pastas ministeriais foram, no entanto, afastadas para segundo plano pela "política regional" do Presidente Vladimir Putin. As medidas por ele anunciadas na quarta-feira à noite não constituem apenas uma revolução na estrutura vertical de poder. Mudam também o carácter da Federação da Rússia, porque, se forem realizadas, o país passará a ser um Estado unitário.Em 1991, quando Boris Ieltsin se envolveu com Mikhail Gorbatchov, Presidente da ex-URSS, num combate mortal pelo poder, o primeiro derrotou o segundo com um golpe, ganhando o apoio das elites regionais russas com uma promessa: "Conquistem a autonomia que conseguirem". Tudo fez, portanto, para dissolver a União Soviética.Os dirigentes regionais não perderam tempo e começaram a tomar medidas para reforçar os seus poderes. As repúblicas da Federação, como a Tartária ou a Bachkíria, chegaram a proclamar nos seus territórios a primazia das suas próprias leis em relação às leis de Moscovo. A Tchetchénia optou até pela separação.Dmitri Voltchek, analista do diário económico "Vedomost", considera que "ao dispor-se a conceder aos sujeitos da Federação o máximo de soberania, Ieltsin salvou a Rússia da desintegração", porque isso reduziu extremamente o campo de acção dos separatistas, tirando-lhes argumentos como a "omnipotência de Moscovo". Mas, se isso resultou na Tartária, Bachquíria e outras repúblicas da Federação, falhou na Tchetchénia.Vladimir Putin, o novo inquilino do Kremlin, parece ter uma concepção muito diferente do seu antecessor no que respeita à organização administrativa da Rússia. Por isso, decidiu reunir os 89 membros da Federação em sete círculos regionais, dirigidos por homens por ele nomeados.Os nomes dos representantes de Putin para os sete círculos foram ontem anunciados e incluem um político liberal (Serguei Kirienko), uma alta patente do FSB (Viktor Cherkesov) e um general (Viktor Kazantsev) que combateu os rebeldes tchetchenos.Kirienko, que foi primeiro-ministro de Ieltsin, vai ser o representante do Kremlin no Volga; Cherkesov será responsável pela região noroeste, e Kazantsev terá a seu cargo o Cáucaso do Norte, que inclui a Tchetchénia onde ele até recentemente comandou a ofensiva contra os independentistas. Para a Sibéria, Putin escolheu Leonid Drachevski, director do ministério para a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), e para a região dos Urais fez seguir o primeiro-vice-ministro do Interior, Piotr Latishev. Georgi Poltavchenko foi transferido de Leninegrado para a região central, que inclui Moscovo, enquanto Konstantin Pulikovski, comandante da primeira guerra tchetchena (1994-1996), foi designado para o Extremo Oriente, que integra o porto de Vladivostok.O esforço de Putin de recuperar o controlo sobre as regiões foi descrito por Ruslan Auchev, o presidente da Inguchétia, como "um recuo ao século XIX". Na realidade, os representantes do Kremlin passarão a controlar as acções dos governadores e presidentes das repúblicas e regiões situadas no seu círculo, respondendo apenas perante o "Czar" em Moscovo. Outra iniciativa de Putin é uma proposta para que os governadores e presidentes das regiões e repúblicas da Federação não tenham assento no Conselho da Federação, a câmara alta do parlamento, e possam ser demitidos "se violarem a Constituição".Isto é, se Ieltsin tinha muitos poderes, Putin passa a ter muito mais. Deixando de ser senadores do Conselho da Federação, os dirigentes regionais ficam mais vulneráveis. Perdem imunidade parlamentar, podendo o senhor do Kremlin, caso a Duma Estatal (câmara baixa) aprove estas reformas, não só demiti-los, mas também levá-los a tribunal. O poder das elites regionais ficará de tal forma reduzido que a Rússia passará de Estado federativo a unitário.As propostas de Putin constituem a mais radical tentativa de alterar a estrutura do poder depois da aprovação da Constituição da Rússia de 1993. Surpreende também a rapidez com que estão a ser realizadas. Não é, contudo, claro se Putin pretende reforçar o Estado, como ele afirma, ou consolidar um poder que não tolera qualquer oposição ao Kremlin.Os governadores e presidentes da Federação não se manifestam frontalmente contra as propostas de Putin. Maksim Dianov, director do Instituto de Problemas Regionais, explica assim o fenómeno: "Os governadores não querem zangar-se com o centro na véspera de eleições [durante o próximo ano, haverá escrutínios em cerca de 40 regiões], mas logo que se realizem, irão sabotar o cumprimento das decisões dos representantes do Kremlin".

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