Católicos da Baía com medo
A missa dos 500 anos, hoje, em Coroa Vermelha, na Baía, está ameaçada pelo temor de novos confrontos, depois da violência contra os índios. E um dos missionários detidos pela polícia militar, o Bispo de Balsas, Maranhão, escreveu uma carta a 300 bispos questionando a realização da missa num cenário marcado pela repressão.
Depois do fracasso das comemorações oficiais dos 500 anos do Brasil, o temor é de esvaziamento da celebração eclesiástica. O coordenador na Baía do Secretariado dos 500 anos de Evangelização do Brasil, padre Joelson Dias da Silva, disse ao jornal "O Globo" que duas camionetas que sairiam de Ilhéus carregadas de fiéis que prometiam participar no culto que acontece hoje, em Coroa Vermelha, já cancelaram a viagem, e que recebeu inúmeros telefonemas dos responsáveis pelas 150 camionetas cadastradas a perguntar, aflitos, "como estão as coisas" no sul da Baía.As cenas de violência contra índios e missionários em Coroa Vermelha e o bloqueio da estrada de Eunápolis, no último dia 22, assustaram os católicos, que temem protagonizar novas cenas de pancadaria ou ficar retidos em barreiras policiais. Mas há algo mais do que o temor de novos confrontos a ameaçar a missa dos 500 anos, em que estarão presentes o secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Angelo Sodano, o vice-presidente brasileiro, Marco Maciel, e o ministro do Desporto Lazer e Turismo, e presidente da Comissão brasileira para a comemoração do Quinto Centenário, Rafael Greca: "Não tenho condições psicológicas nem morais para participar dessa missa", disse, em conferência de imprensa em Cabrália o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Franco Masserdotti - um dos missionários detidos pela Polícia Militar nos conflitos do dia 22. Bispo de Balsas, no Maranhão, Dom Franco Masserdotti juntou-se ao presidente da Comissão Pastoral da Terra, dom Tomás Balduíno - que trabalha muito próximo ao Movimento dos Sem Terra - para escrever uma carta aos 300 bispos cujas presenças são esperadas na missa dos 500 anos questionando a pertinência de um culto de acção de graças num cenário onde, dias antes, a violência imperou. Na mesma conferência de imprensa, o presidente do Cimi anunciou que vai enviar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Amaricanos (OEA), um relatório sobre as violações aos direitos dos índios durante o governo de Fernando Henrique Cardoso. Além das agressões do último dia 22, o relatório do Cimi vai citar a invasão, por madeireiros, da reserva dos nanibicuras, em Mato Grosso; o risco de extinção, por suicídio, dos cuiuás, do Mato Grosso do Sul, que dispõem de apenas 70 hectares para os mil índios que têm preferido manter-se vivos; e a não homologação da demarcação das reservas dos macuxi, uapixaria, taurepang e pangaricó. A denúncia que o Cimi fará à OEA é só mais um dos muitos arranhões sofridos pela imagem do Brasil no estrangeiro a partir dos incidentes que marcaram o aniversário da Descoberta. O próprio ministro da Justiça, José Gregori, já declarou que "não há como negar que o que aconteceu não foi bom para a imagem do país". Gregori está recebendo relatórios sobre os acontecimentos do dia 22 e, por enquanto, prefere não identificar responsáveis. Para a opinião pública, porém, parece ter ficado muito claro que houve, no mínimo, excessos na repressão imposta pela Polícia Militar da Baía. E, mais do que isso, não se deixa de considerar a hipótese de que a Polícia já tenha chegado a Coroa Vermelha com a intenção deliberada de agredir os índios. A responsabilidade directa da acção da Polícia na Baía é do governo do estado, formalmente governado por César Borges mas controlado, de facto, pelo presidente do Parlamento, Senador António Carlos Magalhães - que, embora perfeitamente vivo, é, desde já, nome de praças, hospitais e ruas por toda a Baía, e cuja fotografia, no centro de imprensa instalado em Porto Seguro pelo governo baiano, é bastante maior e ocupa lugar mais nobre do que a do governador. Mas o desgaste provocado pela violência policial baiana acaba por atingir também o governo Federal. Mesmo que se imagine que não tenha havido qualquer iniciativa das autoridades federais na agressão aos índios e na interdição da estrada de Eunápolis, o facto é que o chefe de Segurança Institucional da Presidência da República, general Alberto Cardoso, considerou a acção da polícia no sul da Baía "um trabalho bem feito".O senador António Carlos Magalhães - que ocupa cargos de Poder desde a ditadura militar - sempre foi visto como um típico "coronel" nordestino, de maneira que os últimos incidentes não chegam a representar dano maior à imagem do senador. Fernando Henrique Cardoso, por sua vez, nunca tinha tido as próprias convicções democráticas postas em causa, e tem, portanto, muito mais a perder quando se abstém de criticar a repressão violenta às manifestações no sul da Baía.