1737, o primeiro ano da Farmácia Azevedo
Uma das mais antigas farmácias portuguesas situa-se em Vila do Conde. Tudo começou em Abril de 1737 e o estabelecimento manteve-se sempre nas mãos da mesma família. Hoje, a Farmácia Azevedo vai ser homenageda.
Situa-se no lugar de Lameira, na freguesia de Mosteiró, em Vila do Conde, uma das farmácias mais antigas do país. Segundo as contas do actual proprietário, José Azevedo, foi em Abril de 1737 que o primeiro boticário da família, Manuel Botelho Azevedo, começou a trabalhar, na sua própria casa, situada em frente à presente farmácia, na preparação e venda de medicamentos.De pais para filhos ou ligando outros graus de parentesco, as sucessivas heranças conservaram o negócio na mesma família até aos dias de hoje. Além do apelido, há um outro denominador comum entre os descendentes - a formação universitária em Farmácia. Por exemplo, o actual director técnico, com 83 anos de idade, recebeu a botica do tio, licenciou-se em 1940 e tem duas filhas que se preparam para continuar com a sina da família - uma licenciada em Farmácia que trabalha no Instituto Ricardo Jorge e a outra, Rita Azevedo, que está a concluir os estudos e que, segundo o que confidenciou ao PÚBLICO, pretende exercer a profissão em Mosteiró, no estabelecimento dos pais.A farmácia está instalada no canto de uma praça, a Praça da Lameira, situada no miolo da freguesia, onde à quarta-feira se realiza a feira semanal. Ali se dirigem não só os cidadãos necessitados de medicamentos, mas também quem precisa de expedir as cartas, recorrendo para isso a um marco de correio vermelho agarrado à parede exterior da farmácia e que comprova a "centralidade" do edifício. Este eleva-se em dois andares, com um aspecto aburguesado e conservado. Numa das esquinas, um reclamo em forma de cruz é o único sinal exterior da existência da farmácia.No interior do estabelecimento, o curso dos anos parece ter parado no tempo dos autocolantes da "Magnesia Bisurada" que alivia o "peso no estômago" ou do "xarope Famel", esquecidos nos vidros dos altos armários de madeira, de recorte antigo, que revestem as paredes da pequena sala de atendimento ao público. Vê-se ainda uma porta para um espaço onde em tempos funcionou "a oficina", a botica, mas que, no presente, serve somente de arrecadação para objectos antigos, medicamentos e outros produtos farmacêuticos. Isto porque "hoje em dia já vem tudo embalado e é só vender", diz Rosa Azevedo, com 82 anos de idade, esposa do director técnico e que, recheada de boa disposição, ainda gosta de estar atrás do balcão. Neste repousa um gigantesco almofariz em metal, atribuído, em 1970, pelo Grémio Nacional das Farmácias, como "homenagem" àquela "farmácia centenária"."Ainda me lembro de ter ajudado o meu marido a encher as hóstias com os produtos que vinham nas receitas ou de vender, a retalho, o algodão ou a tintura de iodo", recorda Rosa Azevedo aparentemente com nostalgia. Tem saudades desse tempo? "Se tenho!", diz o director técnico, que se lembra de fazer as "garrafadas", "as poções para uso interno" ou "os cremes para uso externo" que tratavam das maleitas do povo. "Das pessoas e também dos animais", atalhou Rosa, lembrando as poções que ajudou a preparar para "o gado e para as ovelhas" de agricultores das freguesias vizinhas de Aveleda, Guilhabreu, Vilar, Vilar do Pinheiro... Apesar da clientela variada e da ruralidade do local, raramente o pagamento era feito em géneros. "Quase sempre em dinheiro", refere Rosa, que lamenta o facto da farmácia estar "mal situada" perante a concorrência. "Foram aparecendo farmácias em terras à volta daqui e faz falta um posto de saúde", diz. Por isso, no espaçoso terreno em frente à farmácia, a família Azevedo prepara-se para construir casas e consultórios médicos. E as instalações da farmácia vão ser "rejuvenescidas", como contou Rita. Resignado, o avô encolhe os ombros e lá deixa escapar que é "o sinal da evolução dos tempos".A importância da Farmácia Azevedo na vivência da comunidade vai ser reconhecida amanhã, pela Junta de Freguesia de Mosteiró, com o descerramento de uma lápide alusiva. O presidente da junta, Amadeu Couteiro, justifica o acto com a importância que a farmácia foi granjeando na população, sendo "uma referência que engrandece a freguesia".Também Domingos Antunes de Azevedo, um médico conhecido por "pai dos pobres", que "recorria sempre que possível a produtos naturais", vai ser homenageado na mesma cerimónia. No entanto, destacou-se sobretudo pela sua mestria na agricultura: "Introduziu a agricultura mecanizada e defendeu o emparcelamento de terras". Já existe na Praça da República, na cidade de Vila do Conde, um busto de Domingos Azevedo, mas a junta de freguesia quer prestar tributo ao seu "conterrâneo ilustre" com o descerramento de uma lápide no lugar de Arões.