A história da fotografia numa colecção

O Centro Português de Fotografia quer adquirir o valioso espólio de máquinas fotográficas e outros testemunhos e documentos relativos à história da fotografia pertencente ao coleccionador António Pedro Vicente. O projecto já foi assumido pelo Porto 2001 e, a ser concretizado, dotará a cidade de um acervo museológico raro na Europa.

O Porto poderá vir a ter um dos mais importantes núcleos museológicos da história da fotografia na Europa se se vier a concretizar a desejada aquisição pelo Centro Português de Fotografia (CPF) da colecção pertencente a António Pedro Vicente. O espólio deste coleccionador privado - filho de Arlindo Vicente, que foi pré-candidato à presidência da República em 1958, tendo então desistido a favor de Humberto Delgado - é constituído por quase duas mil câmaras fotográficas (de algumas delas há apenas dois ou três exemplares em todo o mundo) e outras peças da tecnologia desta arte, mas contém também milhares de fotografias e centenas de documentos bibliográficos. É a história da fotografia, desde as chamadas máquinas "daguerreanas" - que devem o seu nome ao inventor francês Daguerre - ainda da primeira metade do século XIX até aos mais recentes modelos de Polaroid, que esta colecção permite revisitar. E António Pedro Vicente vê com bons olhos a sua instalação na Cadeia da Relação (histórico edifício na Baixa portuense que vai proximamente receber obras de adaptação para se tornar na sede efectiva do CPF). "Sou pela descentralização e considero que o Porto, terra de grandes fotógrafos, como Aurélio da Paz dos Reis, Domingos Alvão ou Marques de Abreu, é um sítio muito adequado para acolher esta colecção", disse o próprio ao PÚBLICO.Professor de História Contemporânea na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e historiador da fotografia (é o autor do livro "Carlos Relvas Fotógrafo" e prepara actualmente uma história da fotografia do século XIX), António Pedro Vicente vê a possibilidade de vender o seu espólio ao CPF não numa perspectiva de benefício pessoal - "esta colecção nunca foi para mim um bem material", nota -, mas de serviço público e de preservação de um acervo que vai permitir reconstituir a história da fotografia e dá-la a conhecer aos futuros visitantes da Cadeia da Relação.É também esse o objectivo da directora do centro, Teresa Siza, que manifestou ao PÚBLICO o desejo de não desperdiçar esta oportunidade, única, de aí criar "um núcleo permanente" sobre a história da fotografia, que acompanhará as exposições temporárias que já vêm sendo apresentadas na Cadeia.Com esse fim, a responsável do CPF incluiu a aquisição da colecção no rol de projectos do CPF para a Capital Europeia da Cultura - que hoje mesmo serão apresentados mais em pormenor na sessão pública de anúncio da programação na área das artes plásticas. E a Sociedade Porto 2001 assumiu já o apoio a este desígnio disponibilizando uma verba que, no entanto, está ainda longe da necessária para a compra do espólio. Teresa Siza vai agora tentar mobilizar outras entidades e eventuais mecenas para reunir essa quantia - que nem a responsável do Centro nem o proprietário da colecção quiseram revelar. Um dado adquirido é que a verba a pagar pela colecção estará sempre longe daquilo que as suas peças poderiam render nos inúmeros leilões de material fotográfico que anualmente se vêm realizando em todo o mundo. António Pedro Vicente põe, aliás, a tónica neste ponto, lembrando que por várias vezes recusou propostas vindas do estrangeiro para vender algumas das suas peças. E muitas delas motivaram já a cobiça de coleccionadores. É o caso de uma primitiva câmara daguerreana "à tiroir" (sem fole) que tem a particularidade rara de ser assinada com o nome do fabricante, Sécretan. Ou de uma máquina de espionagem: uma escopeta (nome que lhe advém de disparar através de um gatilho como o de uma pistola) fabricada pelo inventor suíço Albert Darier, em 1888, e que está avaliada no mercado internacional em 22 mil dólares (mais de 4500 contos). Próximo desta quantia valerá igualmente uma pequena câmara de espionagem dos serviços secretos americanos camuflada num maço de cigarros Camel. E a colecção vai por aí adiante, com exemplares de câmaras estereoscópicas, "folding" (com fole, criadas a partir de 1841), miniaturas e mesmo "non-cameras" (câmaras-brinquedo)... até aos dois milhares de peças, representando a evolução técnica e estética de mais de século e meio da história geral da fotografia e da história particular das grandes marcas mundiais, como a Kodk, a Zeiss, a Leica ou a Polaroid.Refira-se ainda que a este espólio instrumental - cujo valor foi já confirmado pelo maior especialista mundial em aparelhagem fotográfica, o suíço Michel Auer (autor do famoso "Livre-guide des appareils photo anciens") - acrescentam-se milhares de negativos em chapa de vidro e película, equipamento de estúdio e laboratório e ainda bibliografia sobre o tema.Com todas estas componentes, o CPF poderia ver reforçada a sua assumida vertente pedagógica. "A aquisição da colecção introduz uma alteração qualitativa profunda neste projecto, colocando o museu na rota dos países europeus", conclui Teresa Siza.

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