As dificuldades de ser mulher polícia

Mal são incorporadas na polícia, as mulheres confrontam-se com um dilema. Ou se masculinizam e competem com os homens, ou mantêm o que podem da sua feminilidade retirando-se para trabalhos de secretária. Assédio sexual, desmotivação, absentismo são sintomas de um conflito onde não existe meio termo, diz uma das três superintendentes mulheres na Grã-Bretanha, país onde 16,5 por cento dos polícias são mulheres. Em Portugal são oito por cento.

Entre as 30 por cento de mulheres que a polícia inglesa consegue recrutar, cerca de metade (16 por cento) desiste. E não admira, diz a superintendente de polícia inglesa, Susan Sim, que ontem falou sobre as pressões a que as suas companheiras estão sujeitas. No seminário "Mulheres, Violência e Segurança urbana", que decorreu ontem em Sintra, afirmou que "é difícil e solitário ser mulher polícia".Assédio sexual, stress, desmotivação profissional, absentismo são sintomas dos dilemas a que estão sujeitas as mulheres polícia assim que entram num universo "macho", como se lhe refere. Na Grã-Bretanha são 16,5 por cento do total das forças de segurança.Logo a partir do momento em que a mulher é incorporada, é empurrada para uma de duas identidades: ou abdica da sua feminilidade e compete com os homens no praguejar e nas piadas ou mantem o que pode da sua feminilidade retirando-se para trabalhos de secretária ou de contacto com vítimas de violência. No terceiro cenário estão as que desistem.No seu caso, afirma, conseguiu fugir a este quase inevitável desfecho. "Mantive a minha feminilidade". E conseguiu ser uma das três mulheres na Grã-Bretanha a atingir o cargo de superintendente, na região de Merseyde. Mas reconhece que muito deve aos seus quase dois metros de altura que intimidam até os colegas mais machistas. Com a grande maioria não é assim. O assédio sexual atinge outros mundos profissionais e a polícia não é excepção. É a forma escolhida para "desprofissionalizar a agente", que aumenta quanto mais alta é a ambição profissional da mulher. Susan é coordenadora de um projecto piloto denominado "Diversidade" que estuda a forma como os funcionários mulheres e de minorias étnicas são tratados na polícia.Nas polícias estão reunidas todas as condições que proporcionam práticas de assédio sexual, afirma. Há menos de 20 por cento de mulheres na organização, verifica-se a presença de uma única mulher em certos departamentos ou locais de trabalho, é um meio tolerante em relação a linguagem obscena no trabalho e, por fim, há segregação organizacional horizontal, refere esta diplomada em Ciências Sociais Aplicadas. Sobre este último aspecto refere, por exemplo, que em 43 inspectores gerais apenas 3 (sete por cento) são mulheres.No estudo que coordena aferiu também as diferenças entre géneros na abordagem de conflitos. Verifica-se que as mulheres são as que mais tentam resolver os conflitos pela via verbal, sendo os homens os que mais tendem a enveredar pela confrontação física. E estas capacidades comunicativas são tão úteis nas tarefas policiais para que são tradicionalmente dirigidas - lidar com crianças, mulheres vítimas de crimes violentos - como nas ruas, defende. Mas estes sempre foram locais vistos como de risco e como "habitat natural" para os homens polícia. A maior capacidade de empatia reflecte-se, aliás, na opinião diferente que o público do seu condado tem de homens e mulheres. Uma análise das queixas recebidas conclui que a probabilidade de haver queixas do público contra os homens é de 25 por cento, e nas mulheres é de apenas seis por cento. Também no que diz respeito às acções judiciais contra polícias, a probabilidade eleva-se a 12 por cento nos homens, e nas mulheres a quatro.Para Susan Sim, se a própria organização não consegue conter preconceitos entre colegas, tudo indica que o público receberá o mesmo tipo de tratamento. E esta referência relaciona-a principalmente com a questão da violência doméstica, assunto que também foi discutido no evento. A maior presença das mulheres nas forças policiais é vista como factor propiciador da maior consciência dada ao tema, afirmou o comissário da Polícia de Segurança Pública, Pedro Lopes Clemente, que constatou que, em Portugal, o universo feminino nesta força é de oito por cento, "uma média em sintonia com a realidade policial europeia". A mais valia feminina, em seu entender, liga-se com o apoio à vítima, na medida em que geram mais "receptividade" e "empatia" no atendimento. Mas refere que as mentalidades mudaram-se globalmente e que "uma mulher vítima de violência doméstica já encontra [nas esquadras] outra atitude ao expôr o seu drama". Esta nova atitude torna-se essencial em certos contextos. "Em certos bairros sociais, assiste-se com alguma frequência, à hora do jantar, a grande número de mulheres que procuram refúgio nas esquadras", refere.

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