Guerra de dinastias

As presidenciais norte-americanas de Novembro vão ser disputadas por dois herdeiros. Al Gore e George W. Bush, que venceram as primárias da "superterça-feira" e asseguraram a nomeação dos respectivos partidos, foram criados para ocuparem a Casa Branca. John McCain obrigou George W. a partir com desvantagem para a guerra que se segue entre os representantes de duas poderosas dinastias da política norte-americana. Gore já ganhou o apoio do ex-adversário Bill Bradley.

Está aberta a guerra entre duas das mais poderosas dinastias políticas dos Estados Unidos, os republicanos Bush e os democratas Gore. Os herdeiros Al e George W. venceram as eleições primárias que, na terça-feira, se realizaram em 16 estados e asseguraram a nomeação dos respectivos partidos como candidatos às presidenciais de 7 de Novembro.Al Gore, o actual vice-presidente de 51 anos, ganhou todas as eleições, obrigando o adversário, Bill Bradley, a desistir da corrida pela nomeação, o que será oficializado hoje numa conferência de imprensa. George W. sofreu algumas derrotas menores, mas roubou as hipóteses de John McCain ao vencer nos estados mais importantes, a Califórnia, Nova Iorque e o Ohio. Bush tem já assegurados 681 delegados, mais de metade dos 1034 votos de que necessita para, nos primeiros dias de Agosto, ser declarado candidato republicano na Convenção do Partido que se realiza no Verão.No complexo sistema eleitoral norte-americano, os candidatos presidenciais são escolhidos nas convenções partidárias por delegados. Estes são eleitos por voto directo em primárias ou pelo sistema de mão no ar em "caucus". Chegam às convenções comprometidos com um candidato e não podem mudar de voto e é por isso que a nomeação de Gore e de Bush estão garantidas, pois está já claro que terão a maioria dos delegados.Apesar de ambos terem saído vitoriosos da "superterça-feira", as campanhas de George W. Bush e Al Gore encontram-se em momentos distintos. Enquanto que o democrata começa hoje o caminho para a eleição geral do final do ano fortalecido, o republicano tem que enfrentar um partido perigosamente dividido entre conservadores e moderados. George W., 52 anos, que é filho do ex-Presidente George Bush e governador do Texas, foi obrigado a alinhar com a direita republicana quando John McCain começou a ganhar primárias com os votos dos moderados e dos independentes. Para cativar o eleitorado cristão, que forma mais de 25 por cento das bases republicanas, Bush desviou-se da linha moderada - capaz de atrair eleitores de todos os sectores e partidos - com que entrou no processo eleitoral, no ano passado. Como irá reconciliar-se com os moderados, sem hostilizar a direita, é o principal desafio do candidato nos próximos meses. A presença - e o sucesso - de McCain na campanha dividiu de tal forma o partido que, ontem, os analistas consideravam que a reconciliação vai demorar tempo porque criou divergências ideológicas e pessoais. Ontem, não estava claro se McCain iria ajudar a curar as feridas depois das derrota nacional - realizaram-se primárias desde Nova Iorque ao Hawai, no Pacífico (ver texto nestas páginas).Ontem, os conselheiros de Bush anunciaram uma espécie de relançamento do lema inicial da campanha, o "conservadorismo de rosto humano" ou "com compaixão". A educação - a nova paixão de Bush - e o corte substancial nos impostos serão os outros temas fortes para Novembro. As análises feitas ao eleitorado que votou na terça-feira mostraram que Bush tem ainda dificuldade entre os moderados e os independentes, e os conselheiros começaram já a trabalhar em estratégias para transformar Bush num novo Ronald Reagan, que ganhou a Presidência com os votos de todos os sectores de ambos os partidos. "A América não pode dar a Clinton e a Gore mais quatro anos", disse George W. no discurso de vitória, em que poderá ter cometido um erro ao enunciar as irregularidades do vice-presidente na angariação de fundos de campanha em 1996. Bush abdicou dos fundos estatais para poder receber donativos ilimitados e, por isso, não se esperava que tocasse numa questão que tem associada a reforma do financiamento de campanhas. Desde o fim-de-semana que Gore admite que as reformas são necessárias, e agradeceu a McCain e a Bradley terem levado a questão, que promete não deixar cair, para a campanha. O vice-presidente desafiou o adversário republicano para mudar as regras da campanha - que promete ser azeda - e desistir dos anúncios na televisão, pagos, por debates semanais sobre temas. Se Bush aceitar, haverá 22 debates presidenciais - há quatro anos houve dois e nas eleições anteriores três. A vitória apagou as feridas e os traumas de George W. nesta campanha. Assim que se conheceram os resultados, o pai afirmou estar "orgulhoso" do filho. George Bush quer sentar um rebento na Casa Branca e já protegeu a retaguarda - seja qual for o resultado do primogénito em Novembro, há outro Bush na fila para a Presidência, Jeb, o governador da Florida. Ao contrário do adversário, Gore emergiu da votação de terça-feira como um candidato sólido de um partido unido e que conseguiu dar a imagem de saber lidar com as disputas internas inerentes a um processo de selecção do candidato presidencial. Tal como fizeram os republicanos, o aparelho democrata escolheu Al Gore como candidato. Mas não esqueceu Bradley - como aconteceu a McCain -, deixando em aberto a possibilidade de o antigo senador poder ganhar a nomeação. Quando hoje anunciar a desistência, Bill Bradley vai oferecer o seu apoio a Al Gore, como tinha prometido."Somos o partido da esperança. Apelamos à reconciliação e não à raiva. Olhamos para o futuro e não para o passado", disse o vice-presidente que, no discurso de vitória, reconheceu que sem a oposição de Bradley não se teria tornado um candidato forte e preparado para enfrentar a eleição geral. "Aprendi com a paixão [política] de Bradley e, hoje, saúdo-o e à sua esposa, Ernestine", disse Gore, que é o primeiro vice-presidente a conseguir vencer todas as primárias em que já participou. As sondagens de ontem sobre as intenções de voto no dia 7 de Novembro mostram Gore e George W. empatados, com perto de 47 por cento das intenções de voto. No final do ano passado, Bush estava 20 pontos à frente do vice-presidente. Os herdeiros ganharam e preparam-se para a guerra do final do ano. Contudo, a época das primárias ainda não acabou, só termina a 6 de Junho. Na próxima semana, os eleitores de mais 14 estados escolhem delegados - entre eles os do Texas e os da Florida, os "estados Bush". Seguem-se mais 22 votações, mas serão irrelevantes para a nomeação, o que motivou um editorial no "Washington Post" defendendo reformas no processo de selecção dos candidatos.

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