Um partido tripartido
Durão Barroso tem, como temia, o PSD "balcanizado". A vitória à tangente no Congresso da suposta "clarificação" não augura grande futuro à liderança confirmada em Viseu. "Sei que vou perder, não sei é quando" poderá vir a tornar-se o seu lema, se não se "transformar em líder" no entretanto. Santana Lopes foi, finalmente, a votos. Os seus 33, 6 por cento dão-lhe um capital considerável para o futuro Congresso onde já não votem as inerências. Marques Mendes subiu a "barão" e aumentou a sua margem de manobra pessoal. O Conselho Nacional reflecte um partido tripartido, ainda que Durão tenha a maioria dos conselheiros. Ninguém deu pela prometida renovação na equipa e perdeu a maioria no Conselho Nacional. Se não se dá um milagre, o líder está a prazo.
"Santana vai em frente, tens aqui a tua gente!". Foi com estas palavras de ordem que Santana Lopes foi recebido na sessão de encerramento do Congresso que deu a vitória tangencial a Durão Barroso. Nunca se tinha visto uma coisa assim. Já estavam contados os votos e eleita a direcção política e os delegados santanistas não desarmaram, quando o seu candidato entrou na sala para assistir ao anúncio dos resultados.Durão foi reeleito com 50,3 por cento dos votos, contra 33,6 por cento para Santana Lopes e 16,1 para Marques Mendes. Na prática, teve mais seis delegados consigo do que o conjunto dos seus opositores. A lista de Barroso teve 469 votos, contra 313 de Santana Lopes e 150 de Marques Mendes. Uma vitória amarga, para quem exigia sair reforçado do Congresso da "clarificação" e passou os últimos dias a bramar contra a "balcanização do partido". No Conselho Nacional, está em minoria, o que pode tornar insuportável a vida de quem neste Congresso exigiu que o PSD não se tornasse "no Kosovo, nem na Bósnia-Herzegovina". Elegeu 25 conselheiros nacionais, Santana Lopes 12, Marques Mendes conseguiu fazer entrar 10, e os restantes oito foram distribuídos por outras listas não alinhadas, José Alberto Pereira Coelho, o histórico "Zé Beto" dos TSD de Coimbra, conseguiu mais uma vez fazer eleger-se a si próprio.Até à contagem final, foi uma guerra de nervos entre os apoiantes. A dada altura, o medo era que nem aos 50 por cento Durão Barroso conseguisse chegar. A noite da véspera tinha-lhe sido fatal e o nervosismo imperava entre as hostes. Dos outros lados, rejubilava-se com a vitória política que significava o líder sair de Viseu com um resultado frágil, fosse ele 49 ou 50, 3. Durão sai de Viseu mais fragilizado do que entrou. Como dizia um observador do Congresso, de ora em diante o líder poderá assumir um novo estado de espírito: "Sei que vou perder, não sei é quando" - uma reciclagem da polémica declaração de Barroso antes das legislativas, a famosa "sei que vou ganhar, não sei é quando". As autárquicas de Dezembro de 2001 vão ser um teste decisivo, mas resta saber se Durão chega até lá. Há quem defenda, entre os seus adversários, que não valerá a pena esticar a corda antes disso, mas outros pensam que poderão haver "janelas de oportunidade" antes das eleições locais. Quanto às Presidenciais, o militante prestigiado que se apresentar primeiro obriga Durão a dar-lhe o seu apoio. Também aqui Durão perdeu margem de manobra. A candidatura de Proença de Carvalho foi queimada em pleno Congresso. Quanto ao PSD, muito deverá ter de caminhar até atingir uma estrutura sólida de oposição ao Governo. Neste momento, como dizia um militante com responsabilidades "chegámos ao grau zero do partido".Depois de horas à espera, e depois de saber que Durão ganhava com um resultado tangencial, o Congresso dispôs-se a ouvir o líder reeleito. E, defraudando as piores expectativas, Durão Barroso arrancou com aquilo que se pode caracterizar como um não-discurso.Argumentando que estavam presentes representantes do Governo e do PS, Durão achou por bem - em nome da elegância de modos que se arrependera de não ter tido para com os adversários - enunciar que não ele aquele o palco de onde se devia criticar o executivo liderado por António Guterres: "Espera-se sempre no fim do congresso que o líder se desdobre em críticas ao partido do Governo. Sempre achei muito estranho esse ritual. [Com representantes do Governo e do PS convidados a estar presentes] é uma situação incómoda". Por isso, optou por dar a voz à "sociedade civil" e aos "analistas" nas críticas que fazem ao Governo socialista.Ao longo de quase vinte minutos, Durão lançou-se num inédito exercício discursivo, sobretudo tendo em conta que se tratava de um encerramento de um congresso, momento em que é suposto o discurso do líder apelar ao combate e enunciar as linhas mestras da política que defende para os próximos tempos. Estreando um novo estilo, tipo não-discurso, Durão desatou a colar citações umas nas outras, apenas intercaladas com o nome dos citados, a saber: Alfredo Barroso, Sousa Franco, Pedro Ferraz da Costa, Ludgero Marques, Medina Carreira, António Barreto, João Cravinho, Eurico de Figueiredo e Boaventura Sousa Santos, mais um parecer do Conselho Económico e Social e outro do Tribunal de Contas. Em comum, todos atacavam o Governo de Guterres.O efeito produzido na assistência foi imediato. A sala, já fria à partida, gelou. Os primeiros gritos de "PSD, PSD!" só surgiram quando, muito depois, Durão começou finalmente a falar pela sua cabeça e ataca a criação de uma "holding" da comunicação social do Estado.Mas já então grande número dos presentes não resistira e não ouviu Durão garantir que era preciso uma "nova maioria" para ser contraposta "à velha maioria", bem como imprimir um "novo rumo". É que a sala do pavilhão do INATEL começara a esvaziar pouco depois de Durão iniciar o rol de citações. Depois da perplexidade, veio o tédio. Nas galerias, os observadores e convidados foram os primeiros a desertar. Depois, entre os delegados, começaram a multiplicar-se as cadeiras vazias. E as clareiras eram notórias quando o hino nacional tocou.