Uma vida sexual difícil
Por serem tão apreciadas como petisco, as patas do caranguejo violinista da ria Formosa estão a pôr em risco a continuidade da espécie naquela zona algarvia. Se no início dos anos 90 existiam cerca de 15 indivíduos por metro quadrado, hoje os números rondam apenas os três.
Os caranguejos violinistas machos da ria Formosa ("Uca tangeri"), a que os algarvios tradicionalmente chamam bocas, têm uma pata maior que é muito apreciada como petisco, acompanhada de uma cerveja fresca. Para satisfazer este hábito petisqueiro, os pescadores algarvios cortam os apêndices dos machos caranguejos que, desprovidos daquele símbolo de integridade sexual são repelidos pelas fêmeas e assediados pelos machos. Um estudo de investigadores portugueses, divulgado na revista britânica "New Scientist", apela para problemas que esta prática pode trazer à espécie e ao próprio equilíbrio do ecossistema.Os caranguejos violinistas machos usam a sua pinça gigante, que representa 40 por cento do peso total do corpo, para realizarem uma dança de acasalamento, para atrair as fêmeas e para defender o território e os esconderijos de ataques de outros machos. No Algarve, estas pinças dos caranguejos violinistas são bastante apreciadas como petisco, pelo que os pescadores as cortam, lançando de novo os caranguejos à Ria Formosa na esperança que as pinças voltem a crescer. A equipa de Rui Oliveira, biólogo e professor de etologia no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, estuda desde 1995 as duas únicas populações portuguesas de caranguejos violinistas : na ria Formosa, no Algarve e no rio Mira, na costa oeste do Alentejo. "Tínhamos de estudar uma população animal e eu sempre tinha estudado peixes. Mas como a maior parte dos meus alunos não estavam aptos para trabalho de mergulho e eu não estou bem fora de água decidimos por só os pés de molho e estudar os caranguejos", explica. A princípio, a equipa apenas pensou em analisar aspectos típicos do comportamento, mas logo se apercebeu que a comunidade apresentava algumas características muito próprias que colocavam em perigo a sua continuidade. "Estávamos a estudar os aspectos comportamentais dos caranguejos e começamos a perceber, através de alguma conversas com pescadores e observando a população de caranguejos, que existia uma relação entre o comportamento e o corte das pinças", explicou Rui Oliveira. O que foi constatado pela equipa é que, apesar da pinça não ser essencial para a sobrevivência do caranguejo, os machos desprovidos delas eram desprezados pelas fêmeas e perseguidos pelos outros machos, que não os reconheciam como iguais: "Eram cortejados pelos outros caranguejos quando se aproximavam", explica Rui Oliveira. Para além disso a pinça muitas das vezes não consegue regenerar: "A regeneração depende da idade com que perderam a pinça. Estes caranguejos precisam de várias mudas para que a pinça volte a crescer e só fazem uma muda por ano", o que é mais grave uma vez que os caranguejos têm uma vida muito curta.Decidiram então continuar com a investigação daquele comportamento estranho dos indivíduos da ria Formosa, que não era observado noutra população portuguesa, a do rio Mira, onde as pinças não são cortadas. Em 1997, o estudo foi financiado, a três anos, pelo Instituto de Conservação da Natureza. "Desde 1997 que o estudo se dedicou mais ao problema da conservação, em colaboração com uma equipa de Copenhaga [Dinamarca]. Estamos agora a terminar as últimas conclusões", explica, acrescentando que se na década de 60 se observavam cerca de 18 caranguejos por metro quadrado, em 1990 existiam apenas 14 a 15 e os últimos dados já apontam para cerca de três por metro quadrado, facto que não é observado nas populações do Rio Mira.Rui Oliveira explica que o problema da comunidade da ria Formosa se pode tornar grave para o ecossistema da própria ria: "Os caranguejos são importantes na comunidade de sapal uma vez que escavam galerias, aumentando os nutrientes expostos ao ar e aumentando a área de substracto utilizada depois por outro tipo de fauna".Os caranguejos violinistas são uma espécie típica da costa mediterrânica e atlântica de África. Existem apenas três comunidades de caranguejos violinistas em toda a Europa, duas delas em Portugal ( a da ria Formosa e a do estuário do rio Mira), e outra no sul da Andaluzia espanhola.