A identidade de Hal Hartley

Henry Fool é um fascinante "filósofo de sofá", na maioria saído dos moldes do Martin Donovan dos filmes anteriores de Hartley, mas mais desgrenhado. Depois de dez anos a fazer filmes, Hal Hartley reconhece que tem tendência para este tipo de personagens - excêntricas e desesperadas.

Hal Hartley está a ficar velho. O realizador nova-iorquino de 37 anos sempre teve o aspecto de um adolescente magricela, apesar do intelecto e da maturidade dos seus filmes, "Uma Questão de Confiança"/"Trust", "The Unbelievable Truth", "Homens Simples"/"Simple Men", "Amateur" e "Flirt". "Sim estou a ficar velho," admite Hartley de aliança no dedo. O segredo da mudança de Hartley é o facto de agora ser casado com a actriz e bailarina japonesa, Miho Nikaido, que aparecia na sequência japonesa de "Flirt" e que agora interpreta uma empregada muda de uma loja de Donuts em "Henry Fool". Hartley afirma que o seu casamento também afectou o seu trabalho. "Espero que tudo o que me aconteça afecte o meu trabalho. Espero que os meus filmes não sejam uma coisa estática. Estar associado com o mundo da Miho significou passar mais tempo no Japão e ser mais influenciado pelo género de filosofias e visões do mundo em que ela foi criada. Sou mais contemplativo agora, sei relaxar um pouco mais. Mas só o facto de ser o marido da Miho," suspira Hartley, corando por estar envergonhado, "é uma coisa tão boa. De uma certa maneira, organiza-me." O anterior filme de Hartley, "Flirt", onde contava a mesma história de amor em Nova Iorque, em Berlim e em Tóquio, foi o seu maior fracasso até à data. Embora se mantenha, pessoalmente como o seu preferido e ele saliente que teve sucesso no Japão. Em "Henry Fool", Hartley reconheceu que precisava de um sucesso indiscutível, o seu objectivo era fazê-lo, por isso inspirou-se nos seus dois primeiros sucessos, "Trust" e "The Unbelievable Truth". Em vez de pegar no seu actor de sempre, Martin Donovan - acharam que já era altura de um intervalo - escolheu dois actores do teatro independente norte-americano: Thomas Jay Ryan como o "não muito talentoso", "cheio de filosofias", Henry Fool, e James Urbaniak como Simon, o magrinho e tímido homem do lixo cujo génio desabrocha sobre a influência de Henry. "Queria expressar determinados aspectos da minha experiência dos últimos dez anos, estando cada vez mais longe de onde cresci, e da influência das outras pessoas, tentar descobrir a minha própria identidade," diz Hartley. Então você é Simon? "Acho que sou o Simon e o Henry. As circunstâncias em que se encontra Simon são muito diferentes das minhas, mas tive as minhas influências e pessoas que me encorajaram e ajudaram a encontrar as minhas forças. Tive amigos que achava que eram vulgares - ia a casa deles depois do trabalho, bebia umas cervejas, ia sair com eles. Era fascinante e aprendi muito sobre o mundo com eles, mas passavam essencialmente a maior parte da vida sentados em cadeiras, a observar, e nunca realmente a fazer as coisas que queriam fazer. Dei por mim muito jovem, quer gostasse ou não, a fazer coisas sem pensar muito nelas. Sentia-me mais confiante quando era activo." Henry Fool é um fascinante "filósofo de sofá", na maioria saído dos moldes do "Martin Donovan" dos filmes anteriores de Hartley, mas mais desgrenhado. "Depois de dez anos a fazer filmes consigo ver que tenho tendência para um certo tipo de personagens, um certo tipo de cara, como o Martim Donovan, Bill Sage, e agora o Thomas Jay Ryan," admite Hartley. "Embora quando estão uns ao pé dos outros pareçam pessoas com aspectos diferentes, têm qualquer coisa em comum. O que eu procuro na personagem principal masculina é qualquer coisa de especial, acho que vem de estrelas americanas clássicas como Jimmy Stewart e Gary Cooper, uma espécie de beleza natural. É engraçado, no caso do Thomas, eu escolhi-o porque não queria alguém que fosse tão convencionalmente bonito como o Martin." Queria alguém mais duro? "Sim, de certa maneira, ouso dizer, feio. Queria uma espécie de fealdade a que o Thomas tem acesso. De facto quando lhe ofereci o papel, ele ficou muito surpreendido, porque no teatro ele nunca é escolhido para o papel principal, e nunca como o interesse romântico. Normalmente é escolhido para fazer de monstro. " Em Henry Fool o surpreendentemente carismático Ryan é um pouco de ambos. "Quando o via a representar personagens do género monstruoso no palco," lembra Hartley, "ele era muito atraente e era difícil desviar os olhos dele." O carisma de Henry adequa-se à premissa do filme, porque o pouco assumido Simon, como Hartley anos atrás, chega a uma situação em que se apercebe que uma pessoa como o Henry é necessária na sua vida. "Não serve prendê-lo," diz Hartley referindo-se ao que se passa no fim do filme. "Precisamos de uma espécie de elemento radical no nosso mundo. É perigoso, é assustador." O local é a área suburbana de New Jersey (não muito diferente dos locais de filmagens dos anteriores filmes de Hartley em Long Island o sitio onde cresceu) e Henry Fool é um desconhecido que chega à cidade - o começo usual de um filme de Hartley. Henry vai viver para a cave de Simon e encoraja o seu novo amigo a continuar a escrever poesia. Simon trabalha como homem do lixo para sustentar a sua irmã (uma regular nos filmes de Hartley , Parker Posey, num papel especialmente escrito para ela) e a sua mãe que dependente de tranquilizantes (Maria Porter), mas acaba por desistir do seu trabalho para escrever poemas flagrantemente eróticos que causam escândalo e o tornam rico e famoso. Como em todos os seus outros filmes, o diálogo vivo e rápido de Hartley está tão afiado como uma lâmina. No entanto o realizador insiste que é sempre a história que é importante, em vez da forma como a conta. Mesmo assim, o facto de ele ter composto a música para Henry Fool, leva o filme ainda mais profundamente para o submundo de Hartley. "Eu era músico quando era novo; antes de fazer filmes fazia música," diz Hartley. "Quando descobri o cinema respondi a isso de uma maneira musical, o ritmo, os sons. Agora ainda faço música para os filmes quando posso e tive bastante tempo para preparar música para este enquanto esperava pelo financiamento." Muito pouco usual em Henry Fool é a representação de Hartley do sexo, é a primeira vez que Hartley filma uma cena de sexo. Existe também defecação e vómito mas a cena de sexo foi a mais badalada. "Filmei em desertos, a percorrer dunas de areia durante três horas para chegar ao sítio em que tínhamos estado a filmar, mas filmar essa cena foi mais difícil," suspira Hartley. "Nunca achei que tinha uma voz para contar histórias como dessas. Eu sei que nos filmes de outras pessoas quando aparece a cena de amor obrigatória entre o rapaz e a rapariga, normalmente adormeço, porque de repente a historia pára, só para que aconteça o grandioso momento. Por isso em 'Henry Fool' estava sempre a tentar encontrar uma situação em que não fosse gratuito, em que fosse realmente parte do 'tecido' do filme e sabia que ia ser pouco convencional e engraçado. Usei a contradição e a justaposição para chocar." Obviamente que o realizador também utilizou uma memória sua de quando era novo. "Quando era pequeno vi a Katherine Hepburn na televisão com o Dick Cavett e ele estava-lhe a perguntar sobre as cenas de sexo nos filmes ao longo da sua carreira. Ela disse, 'Sabe, alguma vez viu pessoas a fazer amor? É óptimo, mas parecemos animais'." Não é provavelmente coincidência o facto de Parker Posey ser muito parecida com Hepburn, Hartley acha que a sua amiga/actriz é um dos grandes talentos da América, à espera da sua grande oportunidade. Também ficou impressionado quando trabalhou com Isabelle Huppert - a enigmática actriz francesa tinha-lhe escrito a pedir um papel em "Amateur". Em "Henry Fool", o actor australiano "bad boy", Nicholas Hope, fez o mesmo. A este actor de aparência peculiar, foi-lhe dado o papel de padre. Pode qualquer pessoa ser adequada a um filme de Hal Hartley? "Se forem bons, sim," responde Hartley. "Eles são só dois exemplos de bons actores".

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