"A rádio é cinema"
Todos os dias, ele deita um olhar sobre o mundo e há sempre algo que o deixa perplexo. São essas impressões que ele transmite ao microfone, em textos carregados de ironia, de subtileza, escritos em linguagem poética. Sinais, de Fernando Alves, são como ele diz "uma janela" que se abre no meio de um turbilhão de notícias debitadas nas manhãs da TSF. Algumas dessas crónicas são hoje lançadas em livro em conjunto com um CD-Audio.
Uma fotografia num jornal, uma frase, uma notícia ou um pequeno episódio a caminho da TSF é o que as mais das vezes basta para despertar a atenção de Fernando Alves. "Pode ser um gesto como aquele do Papa a olhar para o relógio de pulso do Fidel. Aquela imagem permitiu-me imaginar que eles falavam sobre o tempo, tempo contra o qual lutam e que muitas vezes lhes é adverso", diz o jornalista, autor de "Sinais", uma crónica que vai para o ar todas as manhãs úteis da semana, antes das 10h00. É um olhar sobre o mundo que Fernando Alves tenta traduzir numa escrita visual.Sessenta e duas das crónicas que foram ditas ao microfone, desde 1995, foram reunidas em livro que é lançado hoje, ao final da tarde, em Lisboa. A edição, da Oficina do Livro, inclui um CD-Audio com a gravação de 20 desses textos, escolhidos e lidos pelo autor. "Não são as que acho melhores, mas as que me pareceram que corriam menos o perigo de ficarem datadas", explica, acrescentando que aos textos originais só foram feitas "alterações de pormenor" e retirados alguns "excessos de oralidade". Os textos estão arrumados em quatro grandes campos. O primeiro dá pelo nome de lágrimas e sorrisos, e junta uma série de "pequenos incidentes que geram perplexidades banais" como aquela do "velhote que está a apanhar caracóis num pequeno baldio no IC 19". O segundo é feito de histórias do mapa mundo, a maior parte delas da "eterna África". A admiração do jornalista por algumas figuras, vivas ou mortas, também somou alguns textos e, por último, foram escolhidas algumas das "missas íntimas" que falam da religiosidade, do mistério, da sua ideia de Deus. Nas manhãs da TSF, "Sinais" é um dos poucos espaços que foge ao ritmo vertiginoso da informação. "É uma janela para respirar, para falar com as pessoas", diz Fernando Alves. Não esconde o seu gosto pelo sarcasmo, mas também pela subtileza. "É possível imaginar que posso ter uma crispação terna com outro, que me posso irritar com alguém como se o abraçasse". Mesmo quando o ponto de partida é a frase de um político, o jornalista recusa cair na tentação de fazer comentário político ou qualquer espécie de juízo moral. "Sinais" criou um estilo inconfundível, próximo da linguagem poética, o que não é de estranhar num homem que se diz "um leitor desvairado de poesia". Como recusa qualquer pretensão literária, Fernando Alves reconhece apenas que nos seus textos "há um desejo de poesia". Acima de tudo, defende uma escrita para rádio profundamente visual. "A rádio tem obrigação de propor imagens, conseguir criar uma possibilidade da coisa ser novamente vista". Em suma," a rádio é cinema", diz o cronista que gostava de ser realizador de cinema. Um dos exemplos que espelha bem esta escrita de rádio é uma das crónicas incluídas no livro, intitulada Sudão. Fala sobre um velho sudanês que está num campo de refugiados, cujo rosto foi estampado na capa de uma revista estrangeira. "Aquela cara tem uma beleza cinematográfica, tem um olhar que passa por cima do ombro do fotógrafo, passa por dentro da minha cabeça e vai para algum lugar lá ao fundo. Tenho a presunção de que aquele texto pôs a ver a cara daquele homem". É este o gozo que o cronista pensa poder dar aos seus ouvintes. "Sinais" nasceu da necessidade de um espaço não editorializado. Tornou-se num lugar onde Fernando Alves deixa transparecer as suas perplexidades, impressões e sentimentos. Como ele próprio diz, "ali está o que eu sou".