Torne-se perito

Ondas sobre a central

A central de energia das ondas do Pico chegou a funcionar algumas horas ligada à rede eléctrica, no princípio de Outubro, mas, poucos dias depois, um temporal inundou a sala dos equipamentos eléctricos. A Electricidade de Portugal e a Electricidade dos Açores não decidiram, ainda, se querem pagar a reparação dos danos, que acontecem pela segunda vez. O futuro da central é, portanto, incerto.

O projecto da central de energia das ondas do Pico, nos Açores, encontra-se numa fase de reflexão sobre o seu futuro - a Electricidade de Portugal (EDP) e a Electricidade dos Açores (EDA) estão a ponderar se continuarão a dar dinheiro ao projecto. A causa mais próxima para a reflexão dos dois proprietários da central prende-se com a última inundação da sala dos equipamentos eléctricos, no início de Outubro, mas a EDA e a EDP parecem saturadas de um projecto que já sofreu alguns contratempos. Pela segunda vez desde o início da construção da central, em meados dos anos 90, o edifício foi invadido pelo mar. Desta vez, a invasão foi através de uma porta que ficou mal fechada e deixou equipamentos eléctricos debaixo de água - conta o coordenador científico do projecto, António Falcão, do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa. Mas já em Setembro de 1998, quando o edifício estava por acabar, o mar revoltoso fez o mesmo e impediu a central de entrar em funcionamento. No decurso da construção do edifício - possível apenas no Verão, dadas as condições do mar -, o empreiteiro, dos Açores, também enfrentou dificuldades técnicas: "Houve contratempos ligados à construção civil, que foi feita por uma empresa que não tinha experiência em obras marítimas".Se as duas empresas de electricidade decidirem não dar mais um tostão para a reparação dos equipamentos, significará isso o abandono do projecto? António Falcão não sabe dizer: "Espero que a decisão não seja no sentido do abandono, mas julgo que não está excluída essa possibilidade. A principal decisão é da EDA e da EDP, que são os proprietários da central e não se sentem vocacionadas para prosseguir num projecto de investigação". E continua: "No caso de desistirem da central, ela poderá funcionar, mas será difícil. Sendo o Pico uma ilha isolada, a manutenção não é fácil sem a EDA". Também José Manuel Cruz Morais, o representante da EDP no projecto, não adianta muito sobre a decisão que a sua administração tomará: "Está tudo um pouco suspenso da decisão da EDP e da EDA", reconhece. "Acredito que a central não vai ser abandonada. Já trabalhou em regime experimental, durante oito horas, numa altura em que havia poucas ondas. Ligou-se à rede e funcionou normalmente. Apenas teve os problemas técnicos normais", conta Cruz Morais, referindo-se a vibrações na turbina. "A decisão de suportar mais este encargo - que é marginal - vai ser tomada no decurso de Fevereiro", diz Cruz Morais. "Na central estão investidos cerca de 900 mil contos. O que falta investir na reparação dos equipamentos é uma parte pequena, em relação ao que já está investido. Se for decidido fazer investimentos complementares, a central estará operacional antes do Verão."A inundação não foi, porém, a causa principal para esta reflexão sobre o futuro da central: "Não foi propriamente o que aconteceu agora, é uma saturação que vem de trás. A central tem tido sucessivos atrasos e agravamento dos custos", disse Cruz Morais. O custo inicial foi estimado em 500 mil contos, mas já custou cerca de 900 mil contos. A contribuição da EDP e da EDA deve andar próximo dos 170 mil contos para cada uma das empresas - diz Cruz Morais. A história da central remonta a 1986, data dos primeiros contactos entre o IST e a EDA. Depois de estudos sobre um local nos Açores e de projectos preliminares para a construção de uma central, a União Europeia iniciou em 1991 o programa Joule, para o aproveitamento da energia das ondas, e financiou a central com 310 mil contos, a que se juntam financiamentos de outros parceiros, entre os quais universidades europeias. Situada numa zona conhecida por Porto do Cachorro, a Central Piloto Europeia de Energia das Ondas na Ilha do Pico, como é o seu nome completo, é pioneira no mundo ao procurar aliar a investigação e desenvolvimento à exploração comercial da energia. É a maior central deste género no mundo e pretende produzir sete a oito por cento do consumo energético anual da ilha. Mas se este não é um projecto mal-amado da EDA, o facto é que a empresa se recusa a prestar esclarecimentos sobre a sua actual posição na central e, caso deixe de a financiar, o que é que isso implica. A resposta por escrito da EDA - num fax assinado pelo assessor de imprensa António Diogo Silveira da Paz - nada tem a ver com aquelas perguntas: "A EDA e a EDP colaboram no financiamento, juntamente com a União Europeia, no projecto da central de ondas da ilha do Pico, cuja liderança científica está a cargo do Instituto Superior Técnico. Os trabalhos do projecto científico estão em curso". Por outras palavras, a EDA passa a bola dos esclarecimentos para António Falcão, e este, de alguma forma, até reflecte a posição da empresa: "As administrações das empresas não têm interesse em impedir que a central entre em funcionamento, podem é não estar dispostas a suportar certas despesas. Em particular a EDA, que é menos poderosa, sente que já fez muitos investimentos e não quer avançar para um acréscimo indefinido de despesas. A EDA não se encontra numa situação financeira muito famosa".Numa tentativa de resolver o assunto, a EDA e a EDP reuniram-se com o ministro da Ciência e da Tecnologia, José Mariano Gago, em Janeiro. Queriam que o ministro criasse uma infra-estrutura de investigação que assegurasse o funcionamento da central, afirma António Falcão, também presente do encontro. O ministro, porém, não se mostrou muito receptivo.

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