Ensino do português no estrangeiro: para quem e como?
Professores, pais e alunos esperam que o novo projecto de avaliação das escolas liderado pela Inspecção-Geral da Educação traga mais qualidade ao ensino. Pedem é que venha também acompanhado de imparcialidade. Alguns preferiam estar nas mãos de "entidades alheias" que pudessem pôr em causa o próprio sistema. "As avaliações externas são sempre feitas por organismos internos", repara um docente.
Li com atenção o artigo publicado na edição electrónica do PÚBLICO a 8 de Dezembro de 1999 intitulado "Falta de condições alia-se ao desinteresse dos filhos dos emigrantes pela língua dos pais - Ensino de português em risco no mundo". Estando desde há alguns anos radicado nos EUA e tendo conhecimento de alguns esforços para divulgar a cultura e língua portuguesa nos EUA permito-me ter uma perspectiva diferente, e creio que algo pragmática, sobre o assunto. A meu ver, as questões fundamentais a resolver são: ensino do português no estrangeiro, para quem e como? O problema das comunidades portuguesas no estrangeiro, e em particular na América do Norte, é complexo por várias razões. Primeiro, a maioria das comunidades é essencialmente formada por pessoas com reduzida escolaridade que, claro está, emigraram em busca de uma melhor situação financeira. A esmagadora maioria não valoriza a educação, embora mantenha vivas inúmeras tradições populares. Segundo, e ao contrário de outras nacionalidades, os portugueses não se manifestam abertamente e não se fazem valer como comunidade, não insistindo na existência mandatória de um currículo em língua portuguesa (como segunda língua ou mesmo em programas bilingues). Por último, e de novo ao contrário de outras nacionalidades, as comunidades ainda são divididas por rivalidades provinciais (ilhas dos Açores, Madeira, Continente, etc.). Todos estes factores resultam em que na realidade as comunidades portuguesas nos EUA muitas vezes não se apresentem com uma voz unida em relação à língua e cultura portuguesas nas escolas locais. Na verdade, se o esforço de preservar a língua não começar em casa, com os pais a exigir que as escolas locais tenham português como opção, e a continuar a falar com os filhos em português, não serão os esforços do Governo português que irão inverter o curso dos acontecimentos. Inúmeros são os casos em que os pais deliberadamente negam aos filhos a aprendizagem do português com receio que os filhos exibam um sotaque e desde logo estejam em desvantagem no mercado de trabalho. Nos EUA, os esforços de divulgar o português que conheço vão do excelente ao péssimo. No excelente temos casos na Costa Leste, em que professores universitários começaram com classes de língua e cultura portuguesas com quatro alunos para dois anos mais tarde terem mais de duas centenas de alunos. Muito investimento pessoal, algumas bolsas de estudos de Portugal e sobretudo uma grande dose de divulgação, não só no seio da comunidade portuguesa mas também junto de alunos americanos. No lado contrário do espectro, temos alguns casos em que alunos portugueses foram "exportados" para os EUA, com bolsas de doutoramento de Portugal (apoios da JNICT, Ministério da Ciência e Tecnologia, Fundação Calouste Gulbenkian, FLAD, etc.), para trabalharem sobre obras de autores portugueses que se encontram em Portugal. Estas bolsas, chorudas, uma vez que as propinas nos EUA são a custos reais (entre 8 mil a 16 mil contos por ano para alunos estrangeiros), foram feitas em nome de promover a cultura e língua portuguesas, bem como apoiar nalguns casos centros de estudos portugueses existentes e financiados por instituições portuguesas. Embora bem-intencionados, alguns destes esforços saíram gorados. As classes são reduzidas e em muitos casos com alunos que têm que frequentar as disciplinas de forma a preencher requisitos de língua estrangeira. Creio que se chegou mesmo a situações escandalosas de alguns dos alunos virem a leccionar classes de língua espanhola uma vez não haver alunos suficientes para as classes de português. Por outro lado, existem aspectos fundamentalmente diferentes do modelo de universidade americana do modelo português. Enquanto que em Portugal as universidades existem e os alunos afluem a elas, nos EUA, e uma vez mais devido à concorrência entre departamentos e programas, torna-se necessário fazer "marketing" das disciplinas para se recrutar alunos. Sem o investimento pessoal dos docentes e leitores e divulgação, junto de comunidades portuguesas bem como fora delas, alguns programas de português nas universidades americanas estão condenados ao fracasso. A meu ver a política de difusão do português no estrangeiro está demasiado focada nas comunidades portuguesas, no "exportar" oneroso de alunos graduados para universidades estrangeiras e no esquema dos leitorados. Julgo que se deveria repensar esta política. Nas comunidades, dever-se-ia averiguar se na realidade há interesse em promover a nível das escolas locais classes adicionais de língua portuguesa ou nalguns casos estabelecer institutos de língua portuguesa dirigidos por professores residentes no estrangeiro e separados das escolas e universidades, à imagem do que outros países praticam (e.g., Instituto Alemão em Portugal). De forma complementar, dever-se-ia fomentar a divulgação do português oferecendo bolsas de estudos para alunos estrangeiros (filhos de pais portugueses ou não) frequentarem os institutos de língua e/ou estudar em Portugal durante o Verão. Esta política permitiria apoiar a divulgação do português nas camadas interessadas, desde a escola primária até ao nível universitário. *engenheiro electrotécnico, Los Angeles, Califórnia, EUA