Eric e Dylan queriam ser famosos
Nas próximas semanas, a polícia federal norte-americana (FBI) vai divulgar um relatório sobre o crime cometido por dois alunos no liceu de Columbine, no Colorado. As conclusões vão surpreender: Eric Harris e Dylan Klebold não soltaram a raiva; mataram para ser famosos. Estavam convencidos que, depois de mortos, os realizadores de cinema disputariam a sua história.
Dylan Klebold, 17 anos, e Eric Harris, de 18 anos, queriam ser famosos. Queriam ser eternos. Foi por isso que, no dia 20 de Abril, entraram na escola secundária de Columbine, no estado norte-americano do Colorado, e mataram 12 colegas e um professor, antes de se suicidarem. Tal era a crença na imortalidade que, num dos cinco vídeos que deixaram, tentam adivinhar qual seria o realizador que filmaria a sua história. Steven Spielberg e Quentin Tarantino, o realizador de "Assassinos Natos", são os mencionados. Assassinos natos é a expressão que melhor define o perfil da dupla. E esse perfil deverá ser tornado público nas próximas semanas, quando a polícia federal, FBI, divulgar o relatório sobre o massacre de Columbine.O relatório, segundo a última edição da revista "Time", que durante cinco semanas investigou o crime, vai assustar e surpreender não só a comunidade de Columbine como todos os Estados Unidos. Porque será derrubada a tese da "cultura da crueldade" com que tem sido explicada a atitude assassina e suicida de Dylan e Eric. O crime de Columbine, relata a "Time", ficou a dever-se a uma ansiedade de celebridade. É certo que os dois rapazes na fronteira entre a adolescência e a idade adulta queriam vingar-se. De quê? De tudo e de todos. Mas, em vez de preferirem o sucesso como forma de dar uma bofetada na cara dos que desprezavam, "optaram por matar e morrer de forma espectacular", escreve a revista."Eles queriam ser famosos. Conseguiram ser infames", disse um dos agentes do FBI envolvidos na investigação, Mark Holstlaw. O relatório que vai explicar como e porque razão este crime pôde acontecer é o resultado do trabalho de 150 polícias, federais e estaduais. A equipa tem ainda entre mãos 10 mil provas para analisar, cinco mil pistas, os diários dos dois rapazes, os "sites" da Internet que consultavam e os cinco reveladores vídeos feitos secretamente nos meses que antecederam a tragédia.Os vídeos revelam as personalidades de Dylan e Eric. "Os realizadores vão disputar esta história", diz num dos registos Dylan Klebold. "Temos aqui dois indivíduos que se queriam imortalizar. Queriam ser mártires e documentar todos os passos que estavam a dar", explicou Mark Holstlaw. Os vídeos foram filmados nas caves das casas onde os rapazes viviam. Depois de os pais e a restante família estarem a dormir, desciam para "montar o espectáculo". O primeiro vídeo, garantem os cinco jornalistas que assinam a reportagem da "Time", é tão incómodo que é difícil visioná-lo. Dylan Klebold palita os dentes. Eric Harris está sentado numa cadeira, tem uma garrafa de "whisky" Jack Daniels ao lado (a dada altura tenta ocultá-la) e tem Arlene no colo. Arlene é uma arma, assim baptizada em homenagem à personagem favorita de um jogo para computador. É difícil encontrar um adjectivo que defina a conversa entre as duas figuras no ecrã. Dizem que aquele vídeo (como os outros que se seguiram) seriam um dia mostrados nas televisões de todo o mundo, quando a humanidade quisesse saber o "como e o porquê" da sua "obra de arte".Dylan e Eric também deixam claro que são originais: "Não pensem que estamos a copiar outras pessoas. Tivemos a ideia antes do primeiro [caso]". Referiam-se aos tiroteios em liceus no Oregon (em Maio de 1998, um aluno de 15 anos matou dois colegas e feriu 22) e no Kentucky (em Dezembro de 1997 matou três raparigas e feriu outros cinco colegas). "Não somos como aqueles cabrões camuflados do Oregon. Esses miúdos estavam só a tentar ser aceites pelos outros".O que os distinguia, explicam, é a lista de inimigos. Uma lista longa em que se percebe que os inimigos eram todos - os judeus, os brancos cabrões, os maricas, os pretos, os judeus, os betinhos, os atletas...". "Espero conseguir matar 250 de vocês", diz Klebold, antes de entrar numa espécie de êxtase ao antecipar o momento: "Vão ser os 15 minutos mais excitantes da minha vida. Os segundos vão parecer horas. Mal posso esperar. Vou tremer como uma folha de árvore. Vai ser o juízo final. Tick, tick, tick, tick... Aqueles tiros vão ser o juízo final". Nos vídeos, Dylan e Eric explicam também como foi fácil ocultar os seus planos de todos, a começar pelos pais e os irmãos. A mãe de Dylan viu-o, um dia, a ensaiar esconder a arma debaixo da gabardina preta usada no dia dos crimes (os dois ficaram conhecidos por mafia das gabardinas). A mulher nem deu por nada. Num dos dias em que ensaiaram os passos que dariam a 20 de Abril, Eric foi visto pela mãe a sair de casa com uma arma no saco da ginástica. Pensou que era de brincadeira. Num dos vídeos, gravados a 15 de Março, os dois dizem que depois de mortos regressarão à terra para atormentar os vivos. Depois, Eric olha para o relógio, diz que já é tarde (1h30 da manhã) e adivinha as perguntas que serão feitas depois do massacre: "Se ao menos tivéssemos percebido antes, se tivéssemos revistado os seus quartos, se tivéssemos feito as perguntas certas". Os rapazes troçam da ingenuidade ou do desinteresse dos pais: o pai de Eric Harris recebeu um dia uma chamada telefónica de alguém a dizer que a encomenda estava pronta para ser levantada. Como acreditou tratar-se de um engano, desligou. As peças da encomenda serviram para fabricar as bombas artesanais que foram colocadas em várias zonas do liceu e que são a prova de que Eric e Dylan queriam matar indiscriminadamente e não apenas os que troçavam das suas roupas, das suas caras ou do seu comportamento pouco social. O último dos vídeos foi gravado na manhã do massacre (os Klebold já visionaram este vídeo; os Harris não viram qualquer dos cinco). Eric Harris segura a câmara, Dylan Klebold fala: "Falta meia-hora para o Juízo Final. Não gostava muito de viver. Vou para um lugar melhor do que este". Depois é a vez de Harris falar: "Sei que a minha mãe e o meu pai vão ficar em estado de choque. Não posso fazer nada". Depois ouvem os discos favoritos, deixam uma espécie de testamento (objectos pessoais que deveriam ser entregues a amigos) e Klebold estala os dedos. Chegara a hora. "É assim. Desculpem e adeus".O "Juízo Final" deveria começar às 11h17, com a explosão das bombas transportadas pouco antes em sacos de ginástica. Mas estas falharam. Oito meses depois da tragédia, Eric Harris e Dylan Klebold voltam às páginas dos jornais. Mas por um breve momento. Como explica a "Time", não há dúvida de que a comunidade ainda quer saber porque motivo foi obrigada a andar de luto por 13 pessoas. Só não querem é ver as casas dos assassinos e suicidas nos jornais, nas revistas ou nas televisões. Querem apagá-los, querem negar-lhes a celebridade e deixar apenas na memória a infâmia. Em Columbine, as feridas ainda não sararam. A comunidade reconhece que, ali, a vida se divide em antes e depois de Columbine. Os adolescentes estão a beber mais, mas também vão mais à igreja. As consultas de aconselhamento nas escolas estão cheias (550 desde o início do ano lectivo). Mais de 20 estudantes ainda não voltaram à escola, devido a mazelas físicas e psicológicas. E, para adensar a nuvem negra, as empresas de excursões passaram a parar à porta do liceu de Columbine, para os turistas verem o cenário dos crimes de Eric e Harris.