Ópera "Old Spice"
Estreou anteontem em Lisboa "Carmina Burana", de Carl Orff. Uma casa cheia com 12 mil pessoas aplaudiu esta produção que aposta na grandiosidade dos efeitos visuais, com um cenário de 22 metros de altura, um tiro de canhão, fogos de artifício. E valsas de Strauss a abrir. A última récita é hoje, às 21h30.
Quem não conhece "Carmina Burana"? Quanto mais não seja, por aquele célebre anúncio televisivo da marca "Old Spice" que celebrizou o "O Fortuna" que abre e fecha a ópera (que, aliás, não é uma ópera mas uma cantata profana) mais famosa de Carl Orff. A primeira récita da produção desta obra que anteontem se estreou no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, teve uma casa completamente cheia, cenário que se deverá ter repetido ontem. A última apresentação deste "Carmina Burana" é esta noite, às 21h30.Anteontem, era possível prever que a lotação do Atlântico iria esgotar pela quantidade de gente que ocupava o centro comercial Vasco da Gama, que fica logo ali ao lado, repleto de casais de meia idade nas suas roupas de domingo. E, de facto, o pavilhão encheu, sem que se registassem as filas que ocorreram em "Porgy and Bess", a última ópera que passou pelo pavilhão.Vindas de Portalegre, Cristina Estrela e Claudina Mourato sabiam dos problemas que houve em "Porgy and Bess": "Ouvimos falar muito mal, que nem sequer começou a horas. Todos os nossos amigos sairam a meio." Antes do começo de "Carmina Burana", diziam-se "na expectativa": "O sítio é grande, mas se tiver a qualidade de som e imagem que há em Londres ou no São Carlos, não faz diferença." José Rodrigues, advogado açoriano, punha algumas dúvidas à adequação do recinto a este tipo de espectáculo: "Parece-me um pouco amplo demais. Não conheço o som da sala, mas penso que a obra não ficava nada a perder num teatro como o São Carlos. Aqui, é como fazer ópera no deserto. As grandes óperas da história da música não foram concebidas para espaços desta dimensão."Claudina Mourato acrescentou que "é bom haver tanta gente, permite que venha quem não pode ir a outros sítios. É quase ópera para operários, é óptimo que a malta sem dinheiro possa vir ver." Mas a malta que foi ao Atlântico não era certamente "sem dinheiro": os bilhetes custavam entre cinco e 20 contos.O espectáculo começou com um anúncio nos altifalantes referindo o nome dos patrocinadores, a proibição de comer, beber ou fumar e o pedido para desligar os telemóveis (mais sobre isto adiante...), e prometendo já para o próximo ano "outra superprodução".O programa da noite começa com valsas de Strauss interpretadas pela Orquestra Metropolitana de Lisboa. De início, uma parte do público bate palmas ritmadas acompanhando o compasso da música, enquanto outra parte faz "chiu" para as calar. Na última das peças, entra em palco um grupo de bailarinos que dança (sim:) uma valsa, numa coreografia que recorda um pouco os números de variedades do concurso televisivo Um, Dois, Três. Voltam as palmas ritmadas, e o maestro Walter Haupt vira-se entusiasmado para o público, batendo palmas ele também.Vem então um intervalo, durante o qual o público se pode dirigir à banca de "merchandising", para comprar um programa (1500 escudos) e t-shirts (2000) ou bonés (2500) do Pavilhão Atlântico. Seguiu-se "Carmina Burana", com o Coro do Teatro São Carlos a entrar pela coxia da plateia, com archotes acesos. Toca um telemóvel."Carmina Burana" começa por "O Fortuna", o tal momento "Old Spice". Durante hora e meia, o público assiste a um espectáculo dominado pela música de Orff e pela animação no gigantesco cenário com 22 metros de altura (que se assemelha a uma torre petrolífera abandonada), com figurinos garridos, muito movimento, fogos de artifício e até um tiro de canhão (complementado por ocasionais toques de telemóvel).No final, o público parecia satisfeito. Guilherme Alves Coelho, arquitecto, descreveu o espectáculo numa palavra: "Giro." A sua esposa, Maria Adelina, queixou-se da visibilidade: "Da plateia via-se mal, só se apanhava o palco de uma certa altura para cima. Mas este é um tipo de espectáculo para espaços grandes. O conforto não era muito, mas num sítio destas dimensões tinha de ser assim."Maria Clara e Maria Emília, bancárias, não se queixaram das condições de conforto do pavilhão, mas sim da sua acústica: "Não se compara com a Gulbenkian nem com o Centro Cultural de Belém." Quanto ao espectáculo: "Gostámos. Era o que estávamos à espera."