A oleogarquia angolana
Eles são "os intocáveis" em torno de José Eduardo dos Santos - vértice, chefe e cérebro. São a "clique" que liga o Futungo de Belas às instâncias de governação e às fontes de riqueza e, externamente, aos circuitos internacionais do dinheiro e das armas. "A lista que se segue", elaborada com base numa investigação independente do PÚBLICO e nos dados da Global Witness, "não é, de nenhum modo, exaustiva", para recorrer ao aviso contido no relatório britânico.
Presidente. "A última responsabilidade reside aqui", acusa a Global Witness. "A corrupção começa com o chefe de Estado". O relatório da GW e fontes do PÚBLICO conhecedoras da lógica de poder em Angola concordam que o Futungo de Belas exerce hoje o controlo do MPLA, do Governo, das Forças Armadas, do petróleo e dos diamantes, do mundo dos negócios, "todos os negócios". "José Eduardo dos Santos é Angola".Elísio de FigueiredoDiplomata. Reside em Paris, cidade que estranhamente tem dois embaixadores de Angola: um, para França; o outro, Figueiredo, "itinerante" para todos os negócios de José, Ana Paula e Isabel dos Santos em todo o mundo - nos escritórios do Texas, nos bancos da City ou nos estaleiros navais sul-coreanos. O "conselheiro económico do Presidente da República de Angola" cuida, em regime de exclusividade, da gestão de contas bancárias, investimentos, contratos ou empréstimos da Primeira Família angolana, estando na charneira da internacionalização financeira do Futungo. Elísio de Figueiredo residiu pouco em Luanda nas últimas três décadas. Fez parte da primeira geração de estudantes do MPLA. Foi embaixador nas Nações Unidas e em Londres. Tem estado no exterior como garante de "fundos ilícitos". "Homem muito educado, de boas maneiras", não costuma usar cartões e também é escasso o seu rasto fotográfico nos últimos anos. "Corredor de fundo da política angolana", tem um gosto por mansões luxuosas, desde a que habitava em Nova Iorque à que ocupa actualmente no Trocadéro. É compadre de José Eduardo dos Santos, que apadrinhou um dos seus filhos. Não respondeu ao fax enviado pelo PÚBLICO para a embaixada angolana em Paris, talvez por se encontrar, foi-nos dito, "em viagem".Manuel Hélder Vieira Dias, "Kopelipa"General. De cargo, é o chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos. De função, é o responsável pessoal pela compra do material militar para as forças governamentais angolanas e um dos preferidos do Presidente para todas as "missões espinhosas no exterior". "Kopelipa" vem do Exército e fez uma carreira sem história na Huíla, província onde, nos anos 80, angariou algumas das inimizades e resistências que enfrenta ainda hoje entre as altas patentes das FAA. Na tropa, não dispõe do carisma ou respeito de, por exemplo, João de Matos, chefe do Estado-Maior. No Futungo, começou a singrar depois de um curso de especialização na ex-RDA, em comunicações militares. Algumas fontes salientam que esta especialidade lhe deu acesso a um bem vital: informação, segredos. Outras fontes realçam o seu apelido: os Vieira Dias são uma das duas famílias mais influentes de Angola (com os Van-Dúnem). Quando chegou ao poder, José Eduardo dos Santos teve de arrumar a casa que herdou de Agostinho Neto e, como as duas famílias são, mesmo para ele, incontornáveis, geriu ambos os clãs purgando uns membros e colocando outros da sua confiança. É o caso de "Kopelipa" - cujo paradeiro é "desconhecido" dos poucos números de telefone que respondem do Futungo, incluindo os da Casa Militar.Fernando MialaOperacional. Chefe da Segurança de Estado, ou "Contra-Inteligência", depois de ter percorrido os serviços de inteligência (em Angola há pelo menos três "secretas", no Futungo, nas FAA e no ministério do Interior). Envolvido com a Simportex mas também vital na ligação à Polícia Nacional e às suas "operações" de braço longo. Miala vem da diáspora do ex-Zaire, mas sem pertencer aos "regressados". Subiu içado pelo Presidente - fora do Partido. É uma das duas pessoas com autorização para acordar José Eduardo dos Santos - além de Elísio de Figueiredo.Desidério CostaGovernante. Vice-ministro dos Petróleos, está neste ministério há vários anos e atravessou incólume governos, remodelações, crises, purgas, processos de paz e, o mais notável, sistemas políticos. "Temido pelas companhias petrolíferas", diz a GW, que cita este engenheiro como exemplo de uma especificidade angolana: "Este grupo [do Futungo] controla também a atribuição de poder dentro dos ministérios, conduzindo a uma situação em que o cargo mais elevado no papel não indica necessariamente autoridade na tomada de decisões". Indo às raízes do enorme poder do "verdadeiro ministro", outras fontes ouvidas pelo PÚBLICO recordam que ele foi o responsável financeiro do MPLA no tempo da luta, até que Agostinho Neto concentrou todos os dinheiros - situação que fez Desidério Costa romper temporariamente com o Movimento. Recordam também que, depois de perder um litígio por corrupção, "fez a política paralela do petróleo nos anos 80" onde se alicerçam os actuais esquemas de apropriação do petróleo pelo Futungo - contornar o Estado utilizando o Estado. Salientam, contudo, que a actuação do vice-ministro se situa no território mais "limpo", até "legal", dos negócios do petróleo, "apenas" reproduzindo o sistema de corrupção, o que o distancia dos generais do Presidente e dos obscuros parceiros da Simportex, até pelo facto de "ter subido no MPLA, em vez de entrar pela porta do cavalo". Desidério Costa continua, por isso, nos antípodas de personagens como Fernando Miala. Também ele tem um traje filantrópico, à imagem do novo guarda-roupa do Presidente da República: dirige a FUNDANGA. Sexta-feira à tarde, o director nacional dos Petróleos de Angola, José Mangueira, respondeu ao fax enviado dois dias antes pelo PÚBLICO, explicando que o vice-ministro está "ausente na província, incontactável nos próximos dias". Às questões sobre os orçamentos paralelos, o destino do dinheiro dos bónus e a inexistência de controlo do Governo ou do Banco Nacional sobre as receitas petrolíferas, José Mangueira remeteu a resposta para o ministério das Finanças. "Nós somos um ministério essencialmente técnico, providenciamos para que se produza mais petróleo".António M'Bakassi, "Mosquito"Empresário. "Mosquito" é mais conhecido como o importador para Angola das marcas Audi e Volkswagen - um dos negócios (lícitos) mais lucrativos do país. O Grupo Empresarial M'Bakassi inclui a empresa Soci Trade Import Export, detida e dirigida por "Mosquito", que este ano surgiu numa "joint venture" com parceiros famosos devido a dois escândalos de venda de armas (ver texto neste destaque). "Tem, possivelmente, negócios com a UNITA como tem com o Governo". "Mosquito", vertente filantrópica, é também parceiro da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) no Centro para a Educação Gestão e Investigação em Angola (CEGIA), uma organização não-governamental sediada em Luanda. Dos vários contribuintes portugueses do CEGIA, o maior é a FLAD, como explicou ao PÚBLICO o general Tomé Pinto, antigo chefe da Cooperação Técnico-Militar Portuguesa em Angola. "Mosquito" não apareceu na última reunião da direcção do CEGIA, em 1998. Uma nova reunião está marcada para esta semana, em Luanda. Ninguém atendeu, durante três dias, os telefones no escritório de M'Bakassi.José Leitão da Costa e SilvaDirector de gabinete. No início do ano, circulou a informação de que ele ia ser o próximo primeiro-ministro (cargo actualmente acumulado pelo Presidente). Em Luanda, tais rumores são fatais. José Eduardo dos Santos tê-lo-á posto na prateleira algumas semanas depois, chamando outro homem para chefiar o seu gabinete, António Van-Dúnem, que passou a gerir vários assuntos sensíveis. "Todas as delegações, até governamentais, passaram por Leitão e trataram com ele". Mesmo depois de marginalizado, "continua a ser recebido pelos seus parceiros como se mantivesse as suas funções", segundo fontes do PÚBLICO. "Mas, pelo que sabem, esses homens voltam. Ninguém pode nada contra eles. O seu futuro mais provável é a reentrada" no círculo do Presidente.Pierre FalconeIntermediário. O "carrefour" dos tráficos do Futungo tem passaporte francês. "Homem muito caro e muito eficiente", Falcone é a peça crucial nas rotas internacionais de armas para Angola, juntamente com o sócio franco-russo Arkadi Gaidamak. Os dois estão na fonte de uma corrente que desagua, a juzante do Futungo, nos campos de batalha de Angola: tanques, mísseis, munições, aviões. Segundo diferentes fontes do PÚBLICO, está a ser investigada uma alegada ligação de Falcone ao Bank of New York, o mesmo do "Kremlin Gate" (que envolve outra família presidencial, os Ieltsin de Moscovo). Através da Simportex, é parceiro de António M'Bakassi. No papel de "facilitador", Falcone esteve ligado à surpreendente atribuição, este ano, à Falcon Oil, uma companhia quase desconhecida, de 10 por cento no Bloco 33 do "off-shore" angolano.José MariaGeneral. Foi aparentemente purgado do grupo restrito do Futungo, depois de 1992, mas apenas por necessidade cosmética do Presidente, de quem continua muito próximo. Militar polémico dentro das FAA e do Partido, "protege", segundo várias fontes, quem está por ele onde ele não pode estar: "Kopelipa". José Maria, no reduto discreto da Logística das FAA, "continua a ser um homem de muito poder".Amanhã: O papel das empresas petrolíferas e bancárias