'Nunca houve arma mais fulminante que a mulher'
Paulina Chiziane foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance. Esteve em Portugal esta semana para falar do seu segundo livro, "Ventos do Apocalipse".
Perguntem e ela dirá: escrevo contos. Afinal, ela vem da terra das fogueiras, das conchas marinhas semeadas "nas fronteiras das machambas para que os feiticeiros não dancem sobre o verde nas noites de lua" (p. 262), dos contadores de histórias que falam do passado para antecipar o futuro. Se até agora só escreveu romances, não importa. "Normalmente não me apercebo dessas coisas, escrevo e digo: 'Esta história é curtinha, deixa-me aumentar'. E vou andando." O seu segundo livro, "Ventos do Apocalipse" (1995), foi o primeiro em Portugal, editado pela Caminho, em Maio passado. É também o segundo romance na literatura moçambicana escrito por uma mulher, mas o primeiro, "Balada de Amor ao Vento", também lhe pertence. Paulina Chiziane, 44 anos, esteve esta semana em Lisboa, para uma sessão de apresentação no Instituto Alemão. A Caminho prepara-se para editar o seu mais recente título, "O Sétimo Juramento", "uma história de feitiçaria". Mas o pretexto para uma entrevista com a escritora foi esse livro que "já estava escrito pela vida e pela história", relato apocalíptico de um país devastado pela guerra civil, "grito" saído do encontro da jovem assistente da Cruz Vermelha com uma mulher que julga ver nela a filha morta. "Gostaria de me sentar ao seu lado e dizer: 'Das suas lágrimas fiz isto'".PAULINA CHIZIANE - Fui trabalhar em Manjacaze, na província de Gaza [Sul de Moçambique, uma das zonas mais afectadas pela guerra civil, juntamente com Inhambane], como assistente da Cruz Vermelha. Havia vários deslocados de guerra que se concentravam aí porque era um lugar de maior segurança, com um programa de ajuda alimentar, sanitária, etc. Quando entrei no campo de refugiados vi uma mulher que parecia estar a fugir de mim. Não lhe dei grande importância na altura, mas no dia seguinte, quando me vê, volta a fugir e isso chamou-me a atenção, mas achei que talvez fosse um daqueles traumas de guerra. Fiquei com vontade de saber porque é que ela fugia, fui à tenda onde vivia e apanhei um susto maior. Disse-me: "Quando te vi chegar pensei que estava a ver a minha filha a regressar da morte. Ela estava grávida quando foi massacrada. Vocês são muito parecidas". Aquilo foi muito forte e a partir de então estabeleci uma relação muito afectiva com ela, procurei saber como é que a filha se chamava, que idade tinha... A história dela passou a ser a minha história. Voltei da missão, passaram-se meses, mas aquela imagem incomodava-me. Decidi escrever a história da guerra a partir daquela mulher chamada Minosse, que é o personagem do livro, e da filha, Wusheni. Esses são dois nomes verdadeiros que eu mantenho no livro, numa espécie de homenagem a esta mulher que abalou o meu estado de espírito.