Comércio de Moscavide teme pela sobrevivência
Há muito tempo a lutar pela sobrevivência, os comerciantes de Moscavide vêem no Centro Comercial Vasco da Gama, inaugurado este ano, a mais feroz ameaça. Incapazes de dar resposta ao agressivo concorrente, muitos pensam em fechar as portas. A falta de estacionamento e a desactualização dos lojistas contribuem para a crise.
Lojas vazias, empregados de braços cruzados e patrões apreensivos encostados ao balcão. Esta é a imagem mais comum para quem entra na maioria dos estabelecimentos comerciais em Moscavide. Tradicionalmente conhecida como um centro comercial ao ar livre, a vila fronteira a Lisboa vê, cada vez mais, a sua principal actividade mergulhar na decadência.A abertura, em Abril passado, do Centro Comercial Vasco da Gama, mesmo ao lado de Moscavide, no Parque das Nações, veio dar a estocada final a muitos lojistas, que, apesar das dificuldades, ainda conseguiam sobreviver e pagar os vencimentos aos empregados. Com a iminência de fecho de algumas lojas, muitos lembram que, além da inexistência de estacionamento automóvel e da oportunidade perdida com a Expo-98, a situação se tem agravado ao longo dos anos, devido à ausência de uma dinâmica de modernização do sector.O problema não parece ter resolução à vista, e a maioria vê a fuga dos clientes para as grandes superfícies como um sinal dos tempos. Até os responsáveis associativos concelhios para o sector encolhem os ombros, resignados perante a irreversibilidade da mudança, preferindo apontar o dedo aos comerciantes por não terem sabido acompanhar as necessidades dos consumidores."Nunca se viu esta miséria. A vontade que tenho é de nem abrir a porta, isto não vale nem dez tostões", assegura, emocionado, Pompeu Silva, de 60 anos, que, juntamente com a mulher, Maria Elisa, de 69, espera, encostado à parede da sua loja de electrodomésticos, a entrada de algum cliente, num fim de tarde de um dia de semana. Apesar de o estabelecimento se situar em plena rua principal, onde o movimento é sempre intenso, ninguém entra para comprar uma televisão ou perguntar sequer o preço de um aspirador.Ao fim de trinta anos, o casal já não encontra muitas forças para continuar. "Podemos fechar a porta, pois não ganhamos para os empregados, quanto mais para nós. Só estou à espera para entregar isto. Se me aparecesse alguém para comprar a casa, íamo-nos logo embora", confessa Maria Elisa. Desalentado, Pompeu reconhece que é impossível concorrer com as grandes superfícies. "Oferecem aos clientes os produtos mais baratos do que os fornecedores a nós. Além disso, se compramos algum material, passados dois meses os preços já baixaram. Trabalhar para aquecer não dá." Lígia Sousa, empregada de uma loja que é simultaneamente ourivesaria e oculista, diz que a quebra no comércio de Moscavide "já se nota há muito tempo". Apesar de reconhecer os prejuízos trazidos pelo grande centro comercial, considera que ele "não é o culpado número um": "Foi tudo junto, desde terem desviado daqui os transportes até ao facto de não termos estacionamento."Em frente à loja, mesmo não sendo permitido, há carros estacionados em dupla fila, tal é a escassez de lugares. "Por vezes, vem o reboque da polícia, mas mesmo assim as pessoas arriscam", confirma Lígia, que diz compreender os motivos da debandada para o centro comercial. "Se é possível ir ao Vasco da Gama descansado, deixar lá o carro e fazer as compras, é natural que sejam poucos os que venham para aqui, pois além do que consumiram ainda se arriscam a pagar cinco contos extra", ironiza, ao mencionar as multas por infracção ao estacionamento.A sobrevivência é às vezes garantida por uma carteira de clientes mais ou menos regulares, como acontece com a sapataria de Vítor Manuel dos Santos, numa rua paralela à artéria principal. Também aqui o estacionamento é apontado como uma das principais causas da estagnação do comércio. Sobre as promessas da Câmara de Loures de construir um parque subterrâneo em Moscavide, o lojista diz que não passam disso mesmo. "Já não acredito em nada disso", desabafa.Para o presidente da Associação de Comerciantes dos Concelhos de Loures e Odivelas (ACCLO), Vítor Silva, "o facto de os lojistas se queixarem dos centros comerciais é um lugar-comum". Surpreendentemente duro com os seus associados, o dirigente lembra: "Eles sabiam há muito tempo que o Vasco da Gama ia ser construído, por isso não podem queixar-se de que foram apanhados desprevenidos." A ACCLO, garante, disponibilizou meios para que esses comerciantes modernizassem os estabelecimentos e nem todos os terão aproveitado.Acusando alguns de "comodismo crónico", Vítor Silva recorda que já durante a Expo-98 se ouviam as mesmas vozes de descontentamento. "A associação sente-se impotente. As pessoas têm de perceber que só se safam se optarem pela modernização, pela especialização e pelo atendimento personalizado."