Um menir em Belém
Obélix costuma carregá-los às costas e classificar o trabalho de os esculpir como "delicadíssimo". Os arqueólogos chamam-lhes menires e atribuem-lhes a função de "marcas territoriais". Os monumentos e ritos funerários megalíticos dos povoados que no quarto e terceiro milénios a. C. ocuparam Reguengos de Monsaraz estão, até Abril, em exposição no Museu Nacional de Arqueologia.
Ao fundo da sala, debaixo de uma das abóbodas neo-manuelinas dos Jerónimos, ergue-se - como um dia se ergueu na vasta planície de Reguengos de Monsaraz - a estela-menir do Monte da Ribeira, uma das jóias da nova exposição temporária do Museu Nacional de Arqueologia (MNA) - "Reguengos de Monsaraz, Territórios Megalíticos", ontem aberta ao público, em Lisboa.Prateleiras repletas de pontas de dardo, machados, potes, vasos, copos, fragmentos de cerâmica ou placas votivas levam o visitante a viajar pelos rituais fúnebres dos habitantes do território português em que se concentra o maior número de monumentos megalíticos.Mas, afinal, o que é o megalitismo? Victor Gonçalves, comissário científico da exposição explica, no catálogo que a acompanha, que o megalitismo é mais do que a designação de um conjunto de monumentos funerários: "é também entendido como um conjunto de práticas mágico-religiosas próprias à Europa das antigas sociedades camponesas".Inserindo-se num programa expositivo que implica, segundo Luís Raposo, director do MNA, um contacto estreito com câmaras municipais e outras entidades esta mostra permite, à semelhança do que aconteceu com a anterior exposição temporária, "Citânia de Sanfins, Uma Capital castreja", "cumprir as funções de um museu nacional de arqueologia - acolher e expor parte do espólio pertencente a várias regiões do país - e controlar, ao mesmo tempo, a disseminação excessiva de pequenos museus e instituições com colecções de arqueologia, tantas vezes sem condições de as conservar ou divulgar". À entrada, "a deusa dos olhos de sol", nome que segundo Victor Gonçalves se deve aos olhos parecerem um sol, abre as portas para um universo em que os cerimoniais, mais ou menos ocultos, caracterizam o quotidiano. O comissário diz tratar-se de uma exposição que faz a síntese do trabalho realizado na região desde os finais da década de 40: "O que aqui temos resulta de trabalhos de campo que iniciei na planície de Reguengos em 1985, partindo do levantamento feito por um casal de alemães durante a II Guerra Mundial, os Leisner." Publicados em 1951 com o título "As Antas de Reguengos de Monsaraz", os resultados do trabalho de Georg e Vera Leisner "ainda hoje se consideram praticamente irrepreensíveis", identificando a quase totalidade dos mais de 130 monumentos que hoje se conhecem no concelho. Para que o visitante tenha oportunidade de compreender a extensão da ocupação megalítica da região, a mostra tem por peça central uma enorme maqueta da planície de Monsaraz. Atravessada pela Ribeira do Álamo, pequeno curso de água que desagua no Guadiana e em função do qual se distribuem os terrenos férteis propícios à concentração de povoados, a planície megalítica de Reguengos de Monsaraz possui diversos monumentos sepulcrais, antas e "tholoi", e marcos territoriais, menires, construídos a partir de 4000 a.C..As antas e os "tholoi" - os túmulos megalíticos - são, sobretudo, testemunhos de um conjunto de práticas e ritos mágico-religiosos. "Destes períodos pouco se conhece", explica Victor Gonçalves, "apesar das possibilidades das modernas técnicas de investigação científica, a verdade é que tudo o que se sabe sobre o terceiro milénio é que nada teve a ver com os anteriores". A vivência e as crenças das comunidades que nestes monumentos enterraram os seus mortos chega à actualidade através de uma série de "artefactos que nos dão conta dos costumes e rituais, desde a placa de xisto gravada com motivos geométricos que era colocada, julga-se, sobre o peito do indivíduo, até aos vasos cerâmicos que o acompanhavam", depois de ser colocado no interior da anta - a câmara - e coberto de ocre vermelho.As placas votivas de xisto - representadas na exposição por um magnífico conjunto de 18 peças, algumas nunca antes exibidas - eram, provavelmente, representações de uma deusa mãe, embora alguns arqueólogos defendam que podem, de igual modo, representar o indivíduo sepultado.Dando a conhecer o espólio recolhido nas antas do Poço da Gateira, de Vidigueiras ou Olival de Pêga, a exposição permite levantar uma série de hipóteses sobre os ritos funerários e os significados ocultos que os povos da planície atribuíam a determinados objectos.Longe das funções funerárias, os menires, amplamente divulgados por Obélix, o "construtor" da banda desenhada de Uderzo e Gosciny, e pelo "folclore" criado em torno do "significado mítico ou astronómico" de Stonehenge, um cromeleque (conjunto de menires dispostos em círculos ou ovais) existente em Inglaterra, serviam de marcas territoriais. A estela-menir do Monte da Ribeira, encontrada por um agricultor que trabalhava a sua vinha, "marcou certamente um território ou assinalou a proximidade de um povoado". Amplamente decorado, este menir de quatro metros de altura possui diversos símbolos ligados à posse da terra (báculo e machado) e ao seu cultivo.Apesar de pequena, "Reguengos de Monsaraz, Territórios Megalíticos" traz ao MNA um espólio arqueológico que dá mostras de um dos mais importantes e ricos períodos de ocupação do território português, e deverá encerrar em Abril do ano que vem. Amanhã, termina, também no MNA, uma das exposições mais concorridas dos últimos tempos. Com cerca de cem mil visitantes, "Portugal Islâmico" fecha as portas para dar lugar, a partir de Janeiro, a "As Religiões da Lusitânia", exposição que deverá estar patente durante dois anos e coincide com o centenário do mais importante livro de Leite de Vasconcelos, fundador do museu.