O Bando vai para o campo

Um projecto audacioso, uma sede própria, uma nova forma de estar. O grupo de Teatro O Bando consegue, depois de um quarto de século, um espaço definitivo numa quinta desactivada, em Palmela, para continuar aquele que é um dos projectos artísticos mais criativos do teatro português. Hoje, dia do seu 25º aniversário, são assinados os protocolos oficiais que permitirão esse futuro.

Vale de Barris é o nome. Fica a dois quilómetros de Palmela. É uma quinta desactivada que em tempos foi uma exploração pecuária. É neste espaço, uma ampla área de oliveiras incrustrada na serra, com um núcleo arqueológico islâmico ao cimo, que O Bando se vai instalar, a partir de hoje, dia do seu 25º aniversário. É o começo da concretização de um sonho pelo qual este grupo, sob a direcção, entre outros, do encenador João Brites, tem vindo a lutar ao longo dos anos. Neste sentido, são hoje assinados dois protocolos, um com o Ministério da Cultura e outro com a Câmara Municipal de Palmela, segundo os quais são formulados "os apoios à adaptação dos edifícios da quinta à actividade teatral". O terreno irá custar 78 mil contos e as obras para a instalação do grupo105 mil contos.Trata-se de uma ida em força de O Bando para o campo, para criar, como disse João Brites ao PÚBLICO, "não só um espaço singular identificador da filosofia do grupo, como a distanciação possível que permitirá questionar quais os papéis do actor e do teatro na sociedade contemporânea".O Bando manterá o seu perfil de grupo de itinerância, de intervenção, marcado por uma permanente estética ambiciosa, embora com um peso económico bastante débil. "É importante neste momento interrogarmo-nos sobre o que implica esta mudança do ponto de vista estético e sociológico. O que nós queremos é estar longe do grande centro urbano, confinados a uma sala fechada, entre prédios. Mas não podemos deixar adormecer a nossa energia subversiva num ambiente de passarinhos, de paisagem idílica, longe dos acontecimentos, da vida das pessoas. A nossa perspectiva é estarmos fora e o espectador dentro", disse João Brites.Este encenador sublinhou que o projecto de O Bando continua "eminentemente político, do ponto de vista artístico", mas importa questionar a postura do actor e perguntar, por exemplo: Como é que se sobrevive hoje a isto tudo? À queda do império? Às guerras? Poder-se-á falar de revolução? Onde está a classe operária? Porque não há-de ir uma actor para um palco de batalha como o faz o jornalista ou o soldado?Para João Brites, as referências políticas, afinal, mantêm-se. E elas passam por Hegel, por Marx, até por Lenine. Mas passam também de uma maneira mais palpável, como faz parte da filosofia do grupo,- O Bando é uma das cooperativas culturais mais antigas do país-, pelo fabrico do pão em forno próprio ( hipótese agora também do vinho, do azeite ou do mel), por uma biblioteca, por uma creche, por oficinas e ateliers, por um centro de acolhimento e exposições, por um bar."Nós não queremos estar sós, desejamos partilhar os nossos desígnios e paixões num território comunitário mais propício à invenção de outras formas de estar", acrescenta João Brites.Para a realização deste projecto, que deverá estar concluído em Outubro do próximo ano, O Bando pediu um empréstimo de 100 mil contos ao banco para a aquisição do terreno, a ser pago em 10 anos, ficando com um encargo de mil contos por mês. Os custos dos projectos de arquitectura, de engenharia civil e de arquitectura paisagística - projecto a cargo do engenheiro Mário Dias e da arquitecta Rute Fialho-, bem como as obras de reestruturação, avaliadas em 105 mil contos, serão financiados em 70 mil pelo Ministério da Cultura e em 35 mil pela Câmara de Palmela. A Fundação Gulbenkian participa com 10 mil contos. Mas esta verba já havia sido atribuída em 1993 para a primeira fase de um projecto que O Bando tinha para a sua instalação em Telheiras, mas que falhou por incapacidade de financiamento à construção. Aquele dinheiro foi entretanto reconvertido em equipamento para responder às necessidades de um grupo de teatro que tem uma componente forte de itinerância. O Bando recebe por ano um subsídio estatal de 62 mil contos, mas só em encargos fixos dispende mais de 70 mil. Possui 21 funcionários a tempo inteiro, entre técnicos, administrativos e actores. A produção de cada espectáculo custa em média 20 mil contos. O Bando, ao longo deste 25 anos, teve um percurso atribulado, de autênticos saltimbancos. O grupo foi fundado num quintal de uma habitação particular em Algés, indo depois instalar-se na cozinha do Palácio Valenças (Sintra). Seguiu-se um período numa quinta de Meleças, outro no Teatro de Marvila, a que se seguiu a ocupação do sótão do Algés e Dafundo. Depois, foi a altura da instalação em três velhos autocarros da Carris numa praceta nas traseiras do mercado de Benfica, seguindo-se uma sala emprestada na Comuna, sala que ardeu e está hoje recuperada em Sala das Novas Tendências. Nos últimos anos alugaram uma sala/teatro na R. de Santo António à Estrela, chamado Estrela 60. A derradeira tentativa, entes de Vale de Barris, foi a sua instalação no Centro de Artes da Expo-98 ( que abrigaria o festival Mergulho do Futuro), mas este projecto foi ultrapassado pelo projecto do Teatro Camões.O Bando anunciou, entretanto, a estreia da sua nova peça em meados de Novembro, no novo espaço, um espectáculo teatral intitulado "A Porca", encenado por João Brites, baseado no livro "Estranhos Perfumes da escritora francesa Marie Darrieussecq.

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