De Beers embarga os diamantes angolanos
O gigante mundial dos diamantes apertou o cerco à UNITA. Sob suspeita ou sob pressão, a De Beers insiste que não contribuiu para o esforço de guerra de Savimbi. Acaba de decretar um embargo mundial - a De Beers confunde-se com o sector - a todos os diamantes de Angola.
A multinacional De Beers, o gigante da indústria diamantífera, decretou ontem um embargo "à compra de todos os diamantes de Angola pelos seus escritórios em todo o mundo" e anunciou igualmente "a interrupção de todas as operações de aquisição de diamantes em Angola". A De Beers explica o embargo com o seu empenhamento na aplicação das sanções internacionais contra a UNITA.Andrew Bone, um dos porta-vozes da De Beers, explicou ao PÚBLICO que "todos os diamantes angolanos estão envolvidos" pelo embargo. A única excepção é relativa "àqueles [diamantes] que o grupo adquire à SDM, uma 'joint venture' no sector mineiro formal, controlada pelo Governo angolano através da Endiama e gerida pela companhia australiana Ashton e a empresa brasileira Odebrecht."Os interesses da De Beers em Angola passam também por três concessões - "apenas uma está em operação actualmente, estando as outras duas em áreas de conflito" - e a construção de modernas instalações de triagem e avaliação em Luanda, que portanto não é afectada.Além do embargo aos diamantes angolanos, a De Beers está a rever as suas operações em vários outros países africanos, como a República da Guiné e o Congo-Democrático. O comunicado de ontem acrescenta que "a De Beers acabou as suas operações na Libéria e na Serra Leoa há mais de 14 anos".Esta referência particular aos dois países oeste-africanos não é casual: o embargo decretado pela De Beers não é alheio às pressões que a indústria diamantífera tem sofrido nos últimos meses a nível das Nações Unidas e de organizações não-governamentais de direitos humanos.O sector diamantífero, controlado mundialmente pela De Beers devido à posição monopolista do grupo, tem sido desafiado a desempenhar um papel activo na efectivação das sanções à UNITA, sobretudo desde que o reinício da guerra civil angolana demonstrou o óbvio: Jonas Savimbi continua a ter dinheiro para comprar armas e investir no seu aparelho militar."A De Beers nunca comprou diamantes à UNITA", salienta uma vez mais a multinacional, "ciente das suas responsabilidades para com o Governo angolano, que é o seu parceiro em todas as actividades de aquisição e prospecção em Angola." A De Beers realça também que os seus compradores "no mercado aberto receberam instruções de não comprarem diamantes em bruto sem o certificado de origem do Governo angolano", após a aprovação do embargo total das Nações Unidas ao movimento de Jonas Savimbi, em Junho do ano passado."O 'timing' do embargo é interessante", afirmou ao PÚBLICO Alex Yearsley, da organização britânica Global Witness (GW). Domingo passado, a GW, juntamente com três organizações de direitos humanos europeias, lançou uma campanha internacional de consumo denominada Fatal Transactions ("Transacções Fatais"), que chama uma vez mais a atenção para a forma como, nos anos 90, vários conflitos foram financiados pelo tráfico de diamantes - caso paradigmático de Angola.Esta campanha de sensibilização dos consumidores confronta o sector diamantífero com a inexistência de mecanismos que garantam que um diamante adquirido numa joalharia não serviu para financiar a compra "de uma mina anti-pessoal ou de uma arma num dos brutais conflitos do continente africano."A total ineficácia das sanções internacionais foi denunciada pela Global Witness em Dezembro de 1998, depois de dois anos de investigação sobre a forma como a indústria diamantífera permite que os diamantes da UNITA cheguem, invariavel mesmo que indirectamente, a centros como Antuérpia ou Telavive.A GW, e uma investigação paralela do PÚBLICO em vários países da África Austral, mostraram como a violação do embargo é possível graças à conivência ou inércia de países como a Bélgica e a Zâmbia e de uma indústria que é controlada, há 70 anos, pelo grupo anglo-sul-africano - o que faz provavelmente do negócio da família Oppenheimer o mais eficaz dos monopólios.Nas Nações Unidas, o presidente do Comité de Sanções para Angola, o embaixador canadiano Robert Fowler, deu nos últimos meses um novo dinamismo à aplicação do embargo internacional contra a UNITA, tendo desencadeado uma investigação minuciosa das violações à Resolução 1173.Sendo líquido que a UNITA financia o seu esforço de guerra com o tráfico de diamantes, a De Beers, como líder do sector, foi naturalmente convidada a colaborar com a ONU no cerco a Savimbi. "A indústria diamantífera quer ser parte do problema ou parte da solução neste negócio?", perguntou há meses Robert Fowler ao presidente da De Beers, Nicky Oppenheimer, e ao director executivo da multinacional para Angola, Ollie Oliveira."Estou contente por dizer que recebemos [da De Beers] um compromisso unânime de apoio às sanções", declarou o próprio Fowler a Alex Vines, um investigador da organização norte-americana Human Rights Watch que acaba de publicar um livro sobre o falhanço do processo de paz angolano. Robert Fowler apresentou há poucas semanas ao Conselho de Segurança um relatório sobre a violação das sanções que, entre outras conclusões, confirma que o esforço de guerra da UNITA é financiado pelo tráfico de diamantes.O embargo da De Beers coincide, também, com as primeiras iniciativas governamentais de controlo efectivo do comércio de diamantes. Anteontem, em Washington, o Departamento de Estado organizou uma conferência sobre o problema, onde Fowler foi um dos oradores principais, perante representantes de vários governos, incluindo o do Reino Unido.Os Estados Unidos são o maior mercado de diamantes do mundo, mas o empenhamento do Governo britânico é considerado fundamental dado que a De Beers está sediada em Londres. Um porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros britânico confirmou ao PÚBLICO que "a questão dos diamantes está a ser seguida com toda a atenção. Estamos a procurar uma solução prática para o problema".Na semana passada, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico,Robin Cook, confirmou a sua "preocupação" pela situação durante uma reunião no âmbito do congresso do Partido Trabalhista. Cook anunciou que ira propor controlos internacionais à venda de diamantes não trabalhados com a intenção de "travar o fluxo de dinheiro proveniente da venda ilegal de diamantes, que continua a ser usado na compra de armas".Robin Cook afirmou ainda que existem provas concretas de que o agravamento dos conflitos internos em pelo menos dois países africanos - Angola e Serra Leoa - está directamente relacionado com essa venda. Tanto Cook como Peter Hain, secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, tiveram várias reuniões de trabalho com a De Beers e com o embaixador Fowler nas últimas semanas e ontem a diplomacia britânica elogiou o embargda dos diamantes angolanos."A De Beers partilha a profunda preocupação com o sofrimento contínuo do povo de Angola", afirmou Andrew Bone, que admite que a questão envolve um "desafio moral" para a multinacional. É nesse ponto, justamente, que organizações como a GW continuam cépticas: como diz Alex Yearsley, "este problema é muito mais vasto que apenas o respeito de um embargo. É sobre o financiamento de guerras. Se o embargo não se tratar apenas de uma operação de relações públicas, a De Beers terá que provar que está limpa quanto à compra de diamantes com origem na UNITA".com Paulo Anunciação, em Londres