Quem matou o presidente?
Em "Coma White", o novo vídeo de Marilyn Manson, o rocker fantasmagórico mascara-se de John Fitzgerald Kennedy e recria um dos episódios mais dolorosos da história da América. Quem matou o presidente? Manson fala numa "metáfora para a obsessão e adoração americana pela violência". Outros falam do nascimento de uma nova era para os videoclips.
O rocker fantasmagórico Marilyn Manson, autoproclamado "O Anticristo Superestrela" e carrasco de todos aqueles que se consideram bons e decentes, está de volta. No seu novo vídeo, "Coma White", Manson recria o assassinato de John F. Kennedy. Manson, vestido a rigor, retrata o presidente a desfilar numa parada de motos. Está sentado ao lado da sua amante na vida real, a actriz Rose McGowan, que enverga um vestido cor-de-rosa estilo Chanel e um chapéu achatado. Manson, como Kennedy, fica perplexo quando uma bala lhe perfura o pescoço, e McGowan, como Jacqueline, chora enquanto se agarra à sua cabeça. Ao apossar-se das imagens indeléveis do filme de Abraham Zapruder, Marilyn Manson está a apropriar-se de um dos episódios mais dolorosos da história da América, incluindo o arrastar horrível da primeira dama pela parte detrás do carro. Terá Manson - cuja figura arrepiante o levou a ser demonizado como corruptor de crianças desamparadas e molestador de pequenos animais peludos - ido longe demais desta vez?Tom Calderone, vice-presidente para a programação e escolha de talentos na MTV - estação que iniciou a transmissão do vídeo esta semana -, não concorda. "Se alguém vir o vídeo sem uma nota prévia, poderá interrogar-se sobre 'o que é que este tipo estará a pensar?'", diz Calderone. "Mas quando alguém ouve o aviso inicial e compreende a visão por detrás do vídeo, então ele faz todo o sentido."Num comunicado emitido pelo seu editor, Manson afirma que o vídeo usa o assassinato de Kennedy "como uma metáfora para a obsessão e adoração americana pela violência": "A minha mensagem teve sempre a intenção de pôr as pessoas a pensar sobre as formas como vêem e por vezes participam nestas situações."Manson afirmou que, quando filmou o vídeo há seis meses, "não podia saber que a tragédia de Columbine e a morte acidental de JFK Jr. se seguiriam". "Mas a forma como os 'media' se devoraram desavergonhadamente uns aos outros por esses acontecimentos fez com que as minhas observações nesse vídeo se tornassem mais verdadeiras do que alguma vez tivesse sequer imaginado", acrescentou. O apresentador do programa da MTV Total Request Live, Carson Daly, leu a nota prévia momentos antes da estreia do vídeo na estação, no passado dia 20; desde aí, a MTV ofereceu perspectivas de Manson no seu "site" na Internet e emitiu-as várias vezes na sua programação diária. "Coma White" é neste momento um dos vídeos mais requisitados da estação. Até agora, os representantes da família Kennedy não se pronunciaram publicamente sobre o vídeo. Um porta-voz do senador Ted Kennedy, democrata pelo estado do Massachussets, recusou comentá-lo. Por sua vez, um representante da governadora do Maryland, Kathleen Kennedy Townsend, não respondeu às solicitações, e o mesmo se passou com um porta-voz da Biblioteca e Museu John Fitzgerald Kennedy, em Boston. Calderone afirmou que naquela segunda-feira a estação não recebeu queixas. "Damos à nossa audiência muito mais crédito do que muitos outros sequer darão", disse o responsável da MTV. "Penso que a nossa audiência é mais esperta, e tanto as bandas como os directores têm-no em conta - que a nossa audiência é esperta e vai entendê-los, vai perceber de onde é que a sua visão vem." Por outro lado, prossegue Calderone, a MTV sente-se mais confortável sendo a emissão do vídeo precedida pelas explicações de Manson. "Justa ou injustamente, Manson é por vezes um rastilho de controvérsia, e penso que foi importante para nós não termos emitido o vídeo a seco e explorá-lo dessa forma, mas antes termos explicado de onde é que a sua visão vem."O clip de "Coma White" chega num tempo em que os vídeos de música estão a ir além de pélvis impetuosas e rabos a abanar como forma de serem provocadores. Por vezes são inócuos: o clip do tema dos Blink 182 "What's my age again?" mostra o trio "skate punk" a correr nu - com as respectivas partes escondidas por uma mancha - pelas ruas de Los Angeles. O novo vídeo dos Limp Bizkit para o tema "Re-arranged" é ainda mais extremo. Retrata os seus membros a serem julgados por, alegadamente, terem incitado os motins no Woodstock '99 - "Limp Bizkit: Eles são culpados até prova em contrário", diz a manchete ficcional de um jornal -, e a serem depois executados numa câmara equipada com chuveiros letais. Calderone afirma que é a competição pelo tempo de emissão quem está a desencadear o fenómeno. "Se alguém está numa banda e quer produzir um vídeo, o que é que pode fazer para arrasar com todos os outros vídeos no canal? O vídeo tem de ser provocador, seja pela tecnologia, pela narração de histórias ou imagens, ou pelo poder das celebridades. Há várias maneiras de o fazer. Há a maneira cómica, à imagem dos Blink 182... E há a mensagem do artista contra a sociedade, como fazem Marilyn Manson, os Nine Inch Nails ou as TLC." O tema "Coma White" faz parte do último álbum de Manson, "Mechanical Animals", editado em Setembro do ano passado e que vendeu desde então cerca de 3 milhões de cópias em todo o mundo. O clip do tema está incluído numa nova compilação de vídeos de Manson intitulada "God Is In The TV".Esta não é a primeira vez que a família Kennedy é invocada por um músico pop. No início dos anos 80, um grupo punk rock de São Francisco estabeleceu as suas credenciais anti-sistema através do nome: Dead Kennedys. Mas Manson insiste que não pretende ser desrespeitoso. "O vídeo", diz o comunicado, "não é em nenhum sentido um escárnio. É um tributo a homens como Jesus Cristo e JFK, que morreram às mãos da insaciável sede pela violência da humanidade."Tradução de Tiago Luz Pedro