A morte da velha guarda
Mao Zedong, Zhou Enlai, Zhu De, Liu Shaoqi, Lin Biao, Chen Yi, todos eles morreram nesta década, por entre golpes e contragolpes palacianos. Decadente física e mentalmente, o "imperador" Mao ainda teve tempo para receber em Beijing os "tigres de papel" Kissinger e Nixon. Mas já não viu a eliminação do Bando dos Quatro ou a sua própria segunda morte, a da ideologia que sempre o motivou, sob a batuta de Deng Xiaoping.
Os jovens revolucionários chineses que nos anos 20 e 30 tinham começado a espalhar a semente do comunismo, que se tinham batido quase até ao aniquilamento com os nacionalistas de Chiang Kaishek, que tinham resistido à invasão japonesa e saído vitoriosos perante o inimigo interno e externo, estavam agora com 70, 80 ou mesmo 90 anos. Mao Zedong, de novo com as rédeas do poder bem apertadas na mão, mercê do culto de personalidade lançado com a Revolução Cultural, vivia cada vez mais isolado das massas, na sua residência imperial de Zhongnanhai, em Beijing, rodeado de jovens de ambos os sexos que lhe iam satisfazendo a libido. Os relatos do seu médico pessoal, Zhisui Li, publicados no exílio dos Estados Unidos, há cinco anos, são esclarecedores sobre a vida privada do Grande Timoneiro, que acreditava nos velhos princípios daoístas segundo os quais uma actividade sexual intensa assegura a longevidade.O poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente, e a corte de Mao não diferia da corte de Estaline. O terror omnipresente mas, ao mesmo tempo, as lutas de morte pela conquista dos favores do chefe, pela sua sucessão. O teatro de sombras na nova Cidade Proibida agitou-se muito nestes anos em que o mundo vivia a guerra fria como se ela fosse eterna.Logo em Abril de 1969, o congresso do PCC, sob a presidência de Mao, aprova a designação de Lin Biao como seu "camarada de armas" e sucessor. Mais tarde, a história do partido registará nisso um "desvio do centralismo democrático e do princípio de liderança colectiva, sem precedentes na história do movimento comunista internacional".Em Setembro, a China leva a efeito o seu primeiro teste nuclear subterrâneo e em Novembro, aos 71 anos, morre Liu Shaoqi, vítima das perseguições e tortura física ordenadas por Lin Biao, Jiang Qing e outros radicais.Numa conferência de trabalho realizada em 1970, Mao sugere a abolição do cargo de Presidente da República Popular da China. Lin Biao faz campanha para que isso não aconteça e insiste que Mao deve preencher o lugar. Mao resiste à armadilha, considerando que a adulação está ser agora asfixiante. E a China lança o seu primeiro satélite. Numa reunião em Agosto e Setembro desse ano, no monte Lushan, Chen Boda lança o nome de Lin Biao para o cargo de Presidente, falando de "um génio extraordinário". Mao escreve um artigo, criticando-o. Com o apoio de Mao, Zhou Enlai e outros moderados reforçam o poder.A situação agrava-se. Em Março de 1971, Lin Biao e a família terão alegadamente desenvolvido um plano para assassinar Mao e lançar um golpe de Estado. Em meados de Agosto, o Grande Timoneiro faz uma visita de inspecção ao Sul da China, quebrando o isolamento, e diz a quadros locais que "há alguém que quer ser chefe de Estado e está com pressa em dividir o partido e usurpar o poder". Era a sentença de morte de Lin.Sabendo das declarações de Mao, Lin apressa em Beijing o plano do golpe, mas Mao adia a data de regresso, que só acontece a 12 de Setembro, quando o seu "companheiro de armas" já se encontra em fuga, em Beidahe. Zhou Enlai envia-lhe um avião e, num episódio nunca esclarecido, Lin e a família, mais o núcleo duro de seguidores, embarcam numa fuga que acaba no dia seguinte, nos céus da República da Mongólia, quando o avião se despenha. Atentado? Os arquivos centrais chineses ainda não estão abertos a investigadores independentes...Em Outubro, a China reentra nas Nações Unidas, directamente para o lugar de membro permanente do Conselho de Segurança, e o regime do Guomintang, confinado em Taiwan, é expulso da organização. Fazer a amizade com o inimigo do nosso inimigo. Foi assim que Mao terá pensado. Para grande surpresa dos chineses, uma reviravolta na política externa da República Popular da China estava em marcha. Em Julho de 1971, Zhou Enlai mantém conversações em Beijing com Henry Kissinger, conselheiro de segurança do Presidente Nixon. Depois de meses de conversações secretas, o isolado Império do Meio fazia pontes com o imperialista "tigre de papel". Os Estados Unidos eram uma boa aliança contra o vizinho URSS, com quem as relações ideológicas estavam cada vez mais longe de uma coexistência pacífica. Em Janeiro de 1972, o ministro dos Negócios Estrangeiros, marechal Chen Yi, veterano da Longa Marcha, morre em Beijing. Ele tinha sido uma das primeiras vítimas da Revolução Cultural, mas nunca cedera às pressões para que fizesse autocrítica. Em Fevereiro, Richard Nixon visita a China e encontra-se com um Mao debilitado. Em Abril, Zhou Enlai, que continuava a ganhar pontos na sua visão moderada e pragmática à frente do governo, publicava um editorial no "Renmin Ribao", intitulado "Aprender com os erros do passado para evitar erros futuros, e curar a doença para salvar o doente". Era a reabilitação de parte dos quadros do partido caídos em desgraça durante a loucura dos Guardas Vermelhos (Chen Yun e Wang Zhen, que tinham sido criticados e perseguidos, voltam ao trabalho). A guerrilha ideológica interna prossegue, com Zhou a atacar os "ultra-esquerdistas" como Lin Biao, mas a querer atingir Jiang Qing e outros radicais ainda vivos. Respondendo a Zhou, falam da necessidade de oposição à "tendência de pensamento ultradireitista" e do "ressurgimento do desvio de direita".Em Março de 1973, por proposta de Mao, o PCC reabilita Deng Xiaoping, que passou anos de "reeducação" a limpar pocilgas e a apertar parafusos numa fábrica e que agora volta ao posto de vice-primeiro-ministro. Mas, para equilibrar as forças, sempre desconfiado de pragmáticos como Zhou ou Deng, Mao Zedong apoia a eleição de Jiang Qing, Zhang Chunqiao, Yao Wenyuan e Wang Hongwen para o bureau político do comité central do PCC. Aquele que viria a ser classificado depois de "Bando dos Quatro" tinha chegado ao coração do poder.No início do ano seguinte, em mais uma campanha ideológica, uma das últimas com força junto das massas, Mao apela a "Criticar Lin Biao e repudiar Confúcio". Jiang Qing, aproveitando a oportunidade, identifica Confúcio (filósofo cujas ideias de respeito e ordem influenciam há milénio e meio a sociedade chinesa) com Zhou. Em Julho, Mao critica a actividade do grupo liderado pela mulher, avisando-os para que "não formem uma clique". Em Outubro, o Grande Timoneiro, já muito afectado no seu estado físico e mental, dá instruções para que a Revolução Cultural abrande. "Agora, é um momento crucial para reforçar a estabilidade e a unidade. Todo o partido e o exército devem estar unidos", diz. Mas Jiang Qing prossegue os ataques contra Zhou, entretanto hospitalizado em estado terminal, e Deng, seu braço direito. Mao diz ao seu círculo íntimo: "Jiang Qing é ambiciosa." Deng vai a Nova Iorque, à Assembleia Geral da ONU, e declara que a China "nunca será uma superpotência".Saindo temporariamente do hospital, Zhou vai ao parlamento chinês apresentar, em Janeiro de 1975, um "Relatório sobre o Trabalho do Governo", cartilha para o desenvolvimento até ao final do século e onde se dá como objectivo a duplicação do rendimento "per capita" nos próximos dez anos. Voltando para o hospital, Zhou deixa a China nas mãos de Deng Xiaoping, com o aparente acordo de Mao. Em Agosto, Jiang Qing e o seu grupo prosseguem os ataques na imprensa a Zhou e Deng. E, em Novembro, numa viragem típica, Mao acusa Deng de estar a atacar sistematicamente os feitos da Revolução Cultural, lançando um apelo para que se critique Deng e "a tendência desviacionista contra-revolucionária de direita". Os jargões maoístas sempre foram deliciosamente coloridos, nada comparados com o cinzentismo revisionista produzido nesse campo por Moscovo...Em Janeiro de 1976, morre Zhou Enlai, aos 78 anos. Tinha sido o mais fiel e durável colaborador de Mao. Este nunca o visitou enquanto esteve no hospital. Zhou, servil, demasiado servil, segundo críticas que agora começam a surgir, continua a ser, no entanto, uma figura amada entre as massas chinesas. Aproveitando os funerais de Zhou, organizam-se manifestações em Beijing em que o Bando dos Quatro é criticado. Mao irrita-se com o que lhe contam e acha que Deng está por detrás de tudo (não se deve ter enganado). O Grande Timoneiro escolhe um obscuro Hua Guofeng como sucessor, afastando Deng de todos os cargos executivos e no partido.Em Julho, morre o formidável Zhu De, aos 90 anos. Tinha sido, a par de Mao, o grande estratega da resistência aos nacionalistas, era um dos "imortais" da Longa Marcha. No mesmo mês, dá-se o terramoto de Tangshan, na província do Hebei. Morrem 250 mil pessoas. Os sinais dos deuses são esclarecedores. E, a 9 de Setembro, morre Mao, aos 83 anos.O Bando dos Quatro dura pouco, os seus elementos são detidos, num golpe palaciano, em Outubro. E Hua Guofeng também não consegue calçar os sapatos do Grande Timoneiro: lança, em Fevereiro de 1977, a apatetada palavra de ordem "Devemos apoiar resolutamente qualquer decisão que o Presidente Mao tenha tomado e seguir consistentemente qualquer directiva que o Presidente Mao tenha emitido." Não tinha percebido que os tempos mudavam. E em Março Deng Xiaoping regressa aos cargos de que tinha sido afastado. A partir daí, é ele quem comanda a China. Em 1978, o partido critica a linha dos "dois quaisquer" de Hua e as traves ideológicas do maoísmo ("Tomem a luta de classes como ponto fulcral" e "Continuar a revolução sob a ditadura do proletariado") são abolidas. Procurar a verdade através dos factos, uma ideia com que Deng sempre viveu, passou a ser essencial. Antes perito que vermelho, pois.Amanhã: A década dourada do desenvolvimento