A Angola que não se perdeu na guerra
Em 1995 tive a oportunidade de conhecer duas freiras que viviam e labutavam, pela sua fé e pela sua sobrevivência, no Bailundo. O Bailundo do pós-invasão militar do Huambo já pós-Lusaka, já pós-acordos de Lusaka. Essa é a Igreja Católica que não esquece os seus fiéis e que com eles fica, casada para o Bom e para o Mau. Conheci também um pastor, cristão, que, longamente, me contou a História do Bailundo dos Ekuiki e do porquê, na sua perspectiva pessoal, da invenção do Huambo, depois Nova Lisboa, depois, já no pós-independência, de novo Huambo. Essa é a Igreja Cristã que não esquece os seus fiéis e que com eles fica, casada para o Bom e para o Mau. Essas são as Igrejas que interpretam o sentir, nacional, social e religioso dos seus povos. Vivem mal, curam as feridas, as morais e as físicas, das pessoas, sabem o que são pessoas. Sei, desde há longuíssima data, que o esteio, a coluna vertebral mesmo, de parte substancial do surgimento de uma nação angolana passa por estas Igrejas, todas elas e por aqueles que são a sua presença física em Angola. Não sou religioso. Não sou católico nem cristão. Mas creio numa força, moral, espiritual até se o quiserem, que conduz a Humanidade, ou que se conduz com ela, para processos evolutivos de perfeição, de aprofundamento do conhecimento, progressivamente mais perfeitos. Por isso sou dos primeiros a reconhecer o papel essencial das Igrejas em Angola, papel essencial até para o seu nascimento. Não Julgarás. É tão difícil este conceito - Não Julgarás - que ainda hoje buscamos, nós cidadãos, os instrumentos mais adequados para entender das razões dos actos do ser humano e das formas adequadas para os penalizar ou premiar. Houve a pena de morte e houve a condenação da pena de morte. Houve até o genocídio e houve a condenação do genocídio. O frei Bento Domingues sabe-o melhor que eu... E por isso a História não pode ser feita com base no esquecimento. No perdão, sim, no esquecimento, não! Comecemos, mais uma vez e, por ora, só com o pós-Bicesse. Em 1992 foi a UNITA que foi massacrada em Luanda, não o MPLA. 20 000 Angolanos no mínimo foram alvo de um genocídio filmado, visionado até nas televisões portuguesas. Ninguém condenou. O Governo português de então, parceiro dos acordos de Bicesse, não condenou, melhor, justificou, para melhor se justificar. Mas a Segunda Guerra Civil Angolana recomeçou somente a 6 de Janeiro de 1993, quando, por toda a Angola, o MPLA, perante o silêncio do mundo, praticava actos idênticos de genocídio, por todas as capitais provinciais de Angola. Lembro um quadro português, de uma empresa portuguesa, que apareceu numa televisão portuguesa, a laborar em Angola, de arma na mão, a defender o assassinato dos membros da UNITA. Lusaka estava com o protocolo pronto. O Huambo é invadido militarmente, de surpresa, à traição. O sr. Paul Hare, alto funcionário americano, relata tal em um livro já publicado em português. Ninguém condenou tal. Ainda assim a UNITA não bloqueou a assinatura do protocolo de Lusaka. Nem a constituição do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional, o GURN, nem o início dos trabalhos da Assembleia Nacional de Angola, com todos os deputados da UNITA presentes. Para Luanda dirigiram-se centenas de dirigentes e familiares da UNITA. Para as capitais distritais dirigiram-se milhares. Como estão eles, frei Bento Domingues? Silenciados. Presos, hoje, ainda hoje, estão presos quatro deputados da UNITA. Mortos, foram dezenas os membros e dirigentes da UNITA que foram mortos com o protocolo de Lusaka e com a exigência, da comunidade internacional, da ONU, de implementar uma "extensão da administração a todo o território" feita ao estilo de uma ocupação militar e não ao estilo do alargamento de uma administração central a todos os locais, com funcionários administrativos, com enfermeiros e professores, com padres e pastores. Sobre a UNITA caíram, então, todos os insultos, todas as sanções da ONU. Sem julgamento, sem sequer culpa formada, sem direito à defesa, houve condenação, feita pelos mesmos que acusaram. Não Julgarás. Pela centésima vez recordo que houve pelo menos um jornalista português, Ferreira Fernandes, que, goste ele ou não, assistiu à conferência de imprensa, no Huambo, a 13/14 de Outubro de 1992, com representantes de 11 partidos políticos candidatos às eleições de 92, entre os quais o candidato presidencial Simão Cassete, a viver em Portugal, onde o dr. Jonas Savimbi reconheceu que, apesar de os resultados eleitorais serem fraudulentos, se deveria aceitá-los em nome da paz em Angola e em nome de uma segunda volta das presidenciais, que nunca aconteceu. A 31 de Outubro de 1992 começava a chacina dos militantes da UNITA em Luanda. O reconhecimento dos resultados eleitorais, assumido pelo dr. Jonas Savimbi e por mais 10 líderes partidários angolanos foi, até, a razão determinante para que a 15 de Outubro de 1992 a srª Anstee reconhecesse, em nome da comunidade internacional, o acto eleitoral em si e os seus resultados. Lusaka, frei Bento Domingues, foi rasgado pelo eng. José Eduardo dos Santos a 5 de Dezembro de 1998, quando bombardeia com armas químicas e quando tenta, a todo o custo, tomar o Andulo e o Bailundo. Hoje, frei Bento Domingues, precisamente hoje, neste dia de chuva em Lisboa, caem, não gotas de chuva em Angola, mas bombas, bombas químicas, nas sanzalas de Angola. Não nos aquartelamentos da Resistência Popular Generalizada, não sobre as Forças Armadas da UNITA, as FALA, que têm potencial para se defenderem, mas sobre civis indefesos. Hoje, frei Bento Domingues, hoje, 19 de Setembro de 1999, neste dia em que o seu artigo é publicado e em que eu lhe respondo, para não ser lido porque os meus textos não têm a sorte dos seus, está em curso mais uma ofensiva militar do MPLA do eng. José Eduardo dos Santos e dos futunguistas. Ao arrepio dos apelos à paz da Igreja Católica de Angola, de toda ela. Ao arrepio dos apelos à paz de todas as Igrejas angolanas. Ao arrepio dos apelos à paz dos intelectuais angolanos e luso-angolanos. Ao arrepio das opiniões de personalidades como o Presidente da República da África do Sul, Mbeki. Mas em continuidade da invasão das instalações da Rádio Ecclesia, das prisões dos jornalistas angolanos que se opuseram a esta 3ª Guerra Civil Angolana, dos apelos à entrada de mercenários em território angolano, via CPLP, via SADC. "Loucura de Jonas Savimbi", como escreve frei Bento Domingues? Ou loucura dos que loucamente, desde 1987, apostaram no apoio a um MPLA que, desde 1974 , divide os angolanos entre os bons e os maus, os para viverem sob a batuta do poder e os que nem direito à vida têm? A humildade é uma virtude. Reconhecer que se errou é uma virtude. Pode-se até reconhecer somente muito tarde, mas o reconhecimento do erro é uma virtude. Falta humildade em Portugal, frei Bento Domingues. Humildade para se reconhecer que o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em 1992, Outubro, 6, errou, quando ainda nem 10 por cento dos resultados estavam contados, já reconhecia a vitória do eng. José Eduardo dos Santos (que nunca sucedeu, pois falta ainda a segunda volta do acto eleitoral... ) e do MPLA, que duvidosamente sucedeu, pois não foi possível fazer a recontagem dos votos. Humildade para reconhecer que ninguém condenou os massacres de 1992, os massacres de 1993, a invasão do Huambo e do Uíge em 1994, depois de Lusaka, em Portugal (à excepção do Presidente da República português de então, o dr. Mário Soares ). Com os meus cumprimentos sinceros. *ecomomista, apoiante da UNITA