Os maiores talentos portugueses dos anos 90
Os Lit querem devolver o "showbiz", estilo "Rat Pack" de Sinatra, ao rock. E gostam de Cadillacs, Las Vegas e Elvis. Fazem bem. O PÚBLICO falou com A. Jay Popoff, vocalista desta banda californiana tão genuinamente americana.
Quisemos eleger os maiores artistas pop/rock/world portugueses dos anos 90. Não aqueles com uma carreira já antes estabelecida, que chegaram ou se mantiveram na ribalta nestes últimos dez anos, o que exclui à partida nomes como Madredeus e Dulce Pontes. Mas apenas os novos talentos, que gravaram pela primeira vez em longa-duração e marcaram a música portuguesa (ou, para ser mais rigoroso, produzida em Portugal) nesta década. "Marcar" aqui, tem de se reconhecer, é um pouco ambíguo e esta escolha é um compromisso entre a importância objectiva dos artistas e os nossos gostos pessoais. A conclusão a que chegámos é que há pelo menos dez nomes fundamentais dos nossos anos 90, o que já não é nada mau. Mas a impressão com que também ficámos, e deverá ficar como objecto de uma futura sistematização, é que esta década não foi genericamente tão produtiva quanto a precedente para a música portuguesa. Houve alguma necessidade da parte dos novos talentos de cortarem com a geração precedente, a dos GNR, Delfins, Trovante e Xutos, nomeadamente no sentido de questionar a necessidade de obedecer a um formato de canção pop/rock e de cantar em inglês. Mas essa ruptura não foi tão frutuosa ou ainda está em boa parte por cumprir. Na votação participaram Vítor Belanciano, Rui Catalão, Fernando Magalhães, Luís Maio, Tiago Luz Pedro e Pedro Ribeiro. O Prince português. Um cantor de intervenção para os anos 90. Um cínico manipulador dos media. Pedro Abrunhosa já foi chamado tudo isto, e a sua carreira inclui tudo isto.Abrunhosa é talvez a única estrela rock portuguesa actual cuja relevância transcende a música. Se o valor choque de "F" ou os seus protestos contra as portagens na Ponte 25 de Abril podem ser interpretados como manobras de "marketing", ninguém pode negar que Abrunhosa tem uma imagem forte e um discurso coerente e articulado. Credite-se Abrunhosa com o mérito de resistir à sobreexposição: houve uma altura em que o músico portuense era chamado a pronunciar-se sobre tudo, desde a compra do Coliseu pela IURD até aos resultados do Benfica. Pelo caminho, tornou-se actor no último filme de Manoel de Oliveira, "A Carta", prestes a estrear.Mas Abrunhosa soube resguardar-se num silêncio que aumenta a curiosidade para o seu álbum de 1999. Como irá ele adaptar-se a um Portugal governado por uma dialogante Nova Maioria e não por um rígido Cavaco? Que tipo de provocação nos reserva Abrunhosa para o final de uma década que ele marcou na música, na política e na moda? Qual é a sua marca de óculos escuros? Um país inteiro aguarda ansiosamente. P.R.Já não há desculpa para se afirmar que não existe uma verdadeira banda portuguesa de pop psicadélica. Ela existe e chama-se Três Tristes Tigres. Mas se esta vertente, se não inédita (quem se recorda, nos anos 70, dos Beatnicks, da "Cosmonicação"?), pelo menos muito pouco comum, da música popular produzida em Portugal, tem razão de existir, quando estamos prestes a entrar num novo milénio, tal deve-se ao "input" nos TTT de Alexandre Soares. Foi graças ao antigo guitarrista dos GNR que a banda do Porto renovou o seu stock de canções assentes no delírio sonoro e na qualidade dos textos escritos por Regina Guimarães. Com Alexandre Soares, os TTT entraram, sem medo, no comboio-fantasma da electrónica e dos sonhos com ligação directa ao sistema de PA. De "Partes Sensíveis", o disco de estreia, até ao mais recente, "Comum", passando por "Guia Espiritual", os TTT passaram de sonoplastas da palavra a arquitectos do inconsciente. Ana Deus, cantora dos TTT, faz a síntese do caminho que o presente abriu aos TTT: "É perturbador!". F.M."Bárbaros!" Era com este grito de susceptibilidade que o bardo Assurancetorix respondia aos insultos que o resto da tribo de irredutíveis gauleses lhe dirigia, quando se atrevia a cantar. Os Gaiteiros de Lisboa nunca foram propriamente insultados, mas, se o fossem, seria sempre por outras razões. Porque, antes deles, a música de raiz tradicional portuguesa descansava à sombra da bananeira, que é como quem diz, da papa toda feita nas décadas anteriores por José Afonso, dos que faziam das recolhas étnicas profissão de fé e do trabalho, sem dúvida louvável, mas sempre respeitador, da geração anterior de grupos da mesma área. Os Gaiteiros chegaram e deitaram tudo abaixo. Niilistas? Iconoclatas, talvez! Depois, sobre os escombros, edificaram um edifício novo tão ou mais deslumbrante que o antigo. Em apenas dois álbuns, "Invasões Bárbaras" e "Bocas do Inferno" (vencedor do Prémio José Afonso do ano passado), os Gaiteiros de Lisboa deram um rosto novo e de desafio à música popular portuguesa. Para muitos, o rosto de um demónio. Mas não é Lúcifer o anjo portador da luz? F.M."Ithaka", o poema do grego Konstantinos Kavafy de onde foi retirado o nome deste projecto transnacional, encabeçado pelo norte-americano de origem grega Darin Pappas, é uma metáfora que fala da perseguição de um ideal e da conclusão de que o importante não é alcançá-lo, mas o caminho que se percorre até o alcançar. Foi com base nesta premissa que os Ithaka acrescentaram uma nova dimensão ao hip-hop português, menos interessada na urgência do realismo das palavras e dos rostos negros que as cantam e mais próxima daquilo que eles próprios rotularam de "fabula funk". Os álbuns "Flowers and the Colour of Paint" e, sobretudo, "Stellafly", o mais poderoso e consistente registo nacional editado em 1997, são em ambos os casos exercícios de puro bom gosto que abrem a enciclopédia da música negra ao mesmo tempo que recusam o lugar fixo e imediato a que a sua apropriação em Portugal tantas vezes a confinou. Korvowrong, o "alter ego" do poeta, artista plástico e surfista Darin Pappas - que também pode ser lido como Korvorão ou "Ravenshark" -, é isto: metade corvo e metade tubarão, porque tanto os peixes como as aves não têm de reconhecer fronteiras. Antes as deixam abertas à força da vontade e à sede do desejo, que apenas prometem esgotar-se com o fim do tempo e da errância no tempo a que o tempo nos votou. T.L.P.Passou recentemente no Teatro Maria Matos um "one-travesti show" intitulado Maria Bakker (lê-se báquer, e não beiquer). Nessa desconstrução sentimental mas também sarcástica das grandes divas do cinema e da canção, era impossível não encontrar um paralelismo com a música dos Belle Chase Hotel, cujo esplendor reside não em puxar o lustro ao charme decadente do crepúsculo dos deuses, mas em lhe admirar a poeira, a ferrugem que entretanto corroeu o mundo do espectáculo. Assim sendo, toda a mitologia deste século transformou-se finalmente na "ópera de três vinténs" de Weill-Brecht. Tal como Maria Bakker, ou como as canções de cabaré de Kurt Weill, o inglês de JP Simões não é perfeito, assume-se como um travesti, mas onde ainda se reconhecem traços de uma nobreza encardida, pela forma anacrónica com que se apropriaram de um legado artístico de que nunca foram herdeiros legais. Os Belle Chase não descendem de uma linhagem como os Divine Comedy, antes roubaram o ouro dos tolos. São estas as riquezas dos pobres, usar as jóias que os ricos deitaram fora. Não deixa assim de ser significativo que no videoclip de "Fossa Nova", JP se tenha travestido. Maria Bakker? R.C.O que teria acontecido se o sucesso mundial "So Get up" dos Underground Sound of Lisbon tivesse tido sequência? A resposta ficará para sempre guardada na sepultura das incertezas, mas não custa imaginar que a atenção hoje em dia dispensada a outros centros da música de dança que escapam ao domínio anglo-saxónico, como Paris, podia muito bem ter ocorrido em Lisboa há cinco anos. É verdade que o sucesso mundial que a dupla Tó Pereira (DJ Vibe) e Rui Silva (Doctor J) almejou com "So Get up" - com a preciosa ajuda na voz de Darin Pappas - teve consequências de ordem prática, como o facto de Portugal ter visto nascer uma nova cultura do entretenimento em que "disc-jockeys", produtores de música ou produtoras de festas se afirmaram. Mas, fica a sensação de que aquilo que foi conseguido ao nível do desenvolvimento de uma nova cultura hedonista, nunca teve a devida repercussão ao nível discográfico. A esperança não morreu (o regresso dos U.S.L. no ano passado e a afirmação de diferentes nomes como Alex FX, Paul Jays, Love Rec., Arkham Hi-Fi, N+C, Mr. Spock ou Morrice provam-no), mas, olhando para trás, não restam dúvidas de que "So Get up", para além de todas as portas que abriu, constituiu também uma oportunidade perdida. V.B.Tendo sido o primeiro projecto a assinar um álbum de hip-hop em Portugal, os DaWeasel cedo deram mostras de querer demarcar-se da militância retórica que caracterizou a segunda geração de africanos em Portugal, assente numa correcção política esteriotipada e num sentido de colectivismo por regra simplista. A sua produção, espelhada nos álbuns "More than 30 Motherf***s", "Dou-lhe com a Alma" e "3º Capítulo", orientou-se antes pela via de discurso vincadamente personalizado e elaboradamente pessimista, que rapidamente deixou para trás a idade da inocência que definiu a geração fundadora do rap em Portugal. Mais: no momento em que o público se habituava ainda ao rap português, já os Da Weasel lhe subvertiam as regras, ao mesmo tempo que patenteavam um domínio musical e uma qualidade de produção que nada ficava a dever aos seus homólogos estrangeiros. Recusaram a colagem a referências mais ou menos bem dissimuladas de lugares-comuns e ganharam um líder, Pacman, que é hoje uma referência incontornável no universo do hip-hop nacional. Preparem-se. A doninha está prestes a voltar com um novo álbum. T.L.P.A conquista recente do Prémio José Afonso, pelo álbum "Taco a Taco", não fez mais do que reconhecer a importância da obra de Amélia Muge enquanto herdeira daquele que foi, em Portugal, o arauto da insatisfação, do empenhamento ideológico e da inovação estética: José Afonso. Como o autor de "Cantigas do Maio", Amélia Muge não dispensa a interrogação dos propósitos e motivos que conduzem à criação musical, o que significa que o disco, mais do que produto de uma indústria, deverá ser o espelho da história - do criador e do tempo em que vive. Mas a esta necessidade de conceptualização correspondeu desde o álbum de estreia, "Múgicas" e, a seguir, em "Todos os Dias", essa outra necessidade de arriscar e pôr em causa o que se fez e pensou antes. Amélia Muge, para além do prodígio de força e expressividade que é a sua voz, possui esse outro talento, bastante mais raro: o fogo de uma alma em eterna demanda. Com ela a música tradicional e o legado de autores como José Afonso ou José Mário Branco ganhou verdadeiramente o direito de entrar no 5º Império. F.M.Quando apareceram no final dos anos 80, princípio dos 90, os Repórter Estrábico constituíram uma autêntica lufada de ar fresco na cena musical portuguesa. Nos álbuns "Uno Dos" (1991), "1Bigo" (1994), "Disco de Prata" (1996), no recente "Mouse Music" (1999) ou nos diversos discos de formato reduzido como "John Wayne" (1992) e "Repórter Estrábico vs Alex FX" (1995), o grupo do Porto definiu um território próprio, onde os materiais da cultura pop (a música, mas também os filmes, a BD ou a publicidade) são reavaliados segundo uma atitude distanciada, crítica e irónica. Ao meio musical português, sisudo e algo conservador, os Repórter Estrábico acrescentaram uma atitude humorada - onde o absurdo dos Monthy Phyton anda a par da provocação "chic" dos artistas pop -, mas é necessário não esquecer a música. Excelente música por sinal. As saídas do "performer" António Olaio e do compositor e guitarrista José Ferrão foram sentidas (principalmente a deste último) no seio do grupo, mas nem por isso as arquitecturas sonoras que devem algo aos Can, deixaram de assimilar as diversas conjunturas da música pop, sem que o grupo tenha perdido a sua identidade ao longo dos anos. V.B.Qual é a banda portuguesa mais bem sucedida no estrangeiro - Madredeus ou Moonspell? A resposta tem uma importância relativa, mas enquanto se debate a exportabilidade dos Silence 4 ou dos The Gift para mercados internacionais, é estranho que os Moonspell sejam mencionados apenas como uma curiosidade bizarra e algo inexplicável.Esta relativa indiferença surpreende. Num país geralmente obcecado com os seus êxitos "lá fora", que se orgulha patrioticamente dos seus Figos, Rui Costas, Madredeus ou Joaquim de Almeidas, os Moonspell continuam algo ignorados, um meio-segredo (ir)religiosamente acarinhado por um aguerrido e empenhado núcleo de convertidos.A explicação pode ter a ver com o estilo de música dos Moonspell - muito do grande público português não tem grande estima pelo death metal gótico. A banda de Fernando Ribeiro não poderá nunca ser uma embaixadora de Portugal como o são os Madredeus.O que é certo é que, no seu nicho de mercado, os Moonspell são importantes na Europa: os álbuns "Wolfheart", "Irreligious" e "Sin/Pecado" foram razoáveis êxitos em sítios tão díspares como a Polónia, a França ou a Itália. Talvez tenha chegado a altura de lhes dar mais atenção. P.R.