"Viagens-fantasma" já têm 21 acusações
Já chegam a 21 as acusações do Ministério Público relativas a viagens-fantasma. Nove foram formuladas durante as férias judiciais numa corrida contra o tempo para evitar as prescrições. Uma corrida que também passa pelo Parlamento, onde o levantamento de imunidades ainda não tem data marcada.
O número de deputados alegadamente envolvidos no caso das "viagens-fantasma" continua a crescer. Até ontem, o Ministério Público (MP) já tinha deduzido 21 acusações pela prática de burla agravada no âmbito deste processo. Nove destas 21 acusações foram mesmo formuladas durante o período das férias judiciais que se iniciaram no dia 15 de Julho e que ainda decorrem. Esta espécie de "batalha contra o tempo" do MP explica-se pelo facto de haver o risco de prescrição do procedimento criminal, receios que se confirmaram com a recente decisão de arquivamento do processo referente a Luís Filipe Menezes, proferida por um juiz do Tribunal da Boa-Hora no passado dia 27. E que levaram o MP a anunciar já a intenção de recorrer dessa decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, o que deverá ser feito na próxima semana.Recorde-se que, numa primeira fase das investigações, o MP tinha optado por averiguar apenas os casos que envolvessem montantes superiores a 350 contos, por configurarem o crime de burla agravada, cujo prazo de prescrição é de 10 anos.No caso de Menezes, a questão prende-se com a determinação da data em que se terá consumado a prática do alegado crime de burla agravada. O Ministério Público não irá deixar de sustentar que se trata de um crime continuado, que só se consumaria com o último acto relacionado com as "viagens-fantasma", em Janeiro de 1990, altura em que Menezes teria suspendido a conta-corrente aberta na agência de viagens Sinestur. O juiz que decidiu a favor do arquivamento do caso considerou que o procedimento criminal contra o dirigente do PSD estava já prescrito, por entender que o crime de que este foi acusado se teria consumado nos primeiros dias de Agosto de 1989, com o pagamento pelo Parlamento da última factura relativa às viagens em causa. Além destas duas interpretações, o Tribunal da Relação vai ser ainda confrontado com outros argumentos, quer da defesa quer do Ministério Público. A acusação deverá invocar a ilegalidade do despacho de arquivamento, por entender que a questão fora já apreciada por outro juiz, ao receber a acusação do MP e ordenar a notificação de Menezes.Quanto à defesa, a linha de argumentação vai no sentido de que os factos terão até prescrito muito antes. Por um lado, entende que é aplicável ao caso o Código Penal de 1982, onde não se prevê a notificação do arguido como um dos factores de interrupção dos prazos de prescrição. E, por outro, argumenta que não se trataria nunca de um caso de burla agravada, mas sim, eventualmente, de casos distintos de burla simples, para os quais o procedimento criminal prescreve ao fim de cinco anos.Independentemente da decisão que o Tribunal da Relação venha a tomar sobre a prescrição, subsiste ainda a questão do pedido cível formulado pelo Ministério Público, que exige o ressarcimento ao Estado dos 1400 contos de que Menezes alegadamente terá beneficiado de forma ilícita.A "corrida contra o tempo" do MP pode, contudo, não ser ganha. Isso é o que pensa pelo menos um dos deputados da comissão parlamentar de Ética, que esta semana começou, finalmente, a apreciar quatro dos seis casos de levantamento de imunidade parlamentar que estão pendentes na Assembleia da República relacionados com o caso das viagens."O Ministério Público meteu água", disse esse deputado, explicando que só optando pela acusação de burla agravada em vez de burla simples, o MP evita a prescrição dos casos. Contudo, defende que nos casos em questão, será fácil à defesa desmontar a acusação. "Burla agravada parece exagero", diz este deputado, para quem "o verdadeiro crime dos deputados é que são uns parolos que, podendo ir em primeira, vão sem segunda".Os quatro casos que andaram na comissão de Ética são relativos a três deputados do PSD e um do PS, respectivamente Carlos Encarnação, Roleira Marinho, Poças Santos e Osório Gomes. Por entregar a deputados relatores ficaram os casos de Miguel Relvas e Silva Marques, ambos do PSD, por ainda faltarem elementos aos processos. O PÚBLICO tentou obter esclarecimentos de Carlos Encarnação e de Miguel Relvas, mas ambos recusaram quaisquer comentários. "Estou de consciência tranquila", disse Relvas, cabeça de lista do PSD por Santarém, enquanto Encarnação, número dois na lista de Coimbra, se limitou a repetir: "Não falo nisso."Como a acusação é de burla agravada, a AR terá de levantar a imunidade, pois segundo a lei é obrigada a fazê-lo sempre que estejam em causa penas superiores a três anos. A dúvida é quando o fará. Os deputados nomeados pela comissão de Ética têm de fazer os relatórios em que dão o seu parecer. Esses relatórios terão depois de ser aprovados pelo plenário. E aí está outra dúvida: é preciso plenário, que já não reunirá antes da eleições, ou basta a comissão permanente, que pode ainda vir a reunir-se? Esta e outras questões fazem parte de um parecer enviado ao presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, que terá a palavra final.*com José Augusto Moreira, Eunice Lourenço e Helena Pereira