"Vinte minutos com tudo a voar!"
Depois da tempestade, Vila Nova de Famalicão faz contas aos estragos. A chuva, o granizo e o vento deixaram um rasto de destruição sobretudo na cidade. A Feira de Artesanato ficou quase desfeita, mas deverá reabrir já amanhã. A câmara prometeu compensar os artesãos e vai pedir apoio ao Governo. Os prejuízos atingem milhares de contos.
"Agora é pegar nos caquinhos, voltar para o 'atelier' e recomeçar tudo de novo. Não temos subsídios como os agricultores têm, quando há aquelas calamidades." O artesão profissional Pedro Riobom, oleiro de Santa Maria da Feira, não estava propriamente num momento feliz quando decidiu aceitar o convite insistente da Câmara de Vila Nova de Famalicão para que estivesse presente na edição deste ano da Feira de Artesanato. Tinha feito uma boa temporada em outros certames, já não dispunha de muitos artefactos em barro para venda e, por isso, não estava inclinado para participar na mostra famalicense. Mas não resistiu e lá acabou por aceitar o desafio, tendo montado o "stand" como outros 129 artesãos. A meio da tarde de anteontem, no aprazível recinto da antiga feira semanal, ultimavam-se os preparativos para a abertura do certame, que seria inaugurado pelas 18h00, pelo presidente da câmara local, Agostinho Fernandes. Estaria tudo bem se, cerca uma hora antes, um súbito temporal não se tivesse abatido sobre Famalicão. Num ápice, o céu ficou muito escuro, o vento aumentou de velocidade, começou a trovejar, a chover e cair granizo com muita intensidade."Foi tudo muito rápido. Uma saraivada de um momento para o outro e chapas pelo ar... O granizo era parecido com bolas de pinguepongue", descreveu ao PÚBLICO Riobom, cujo "stand" ficou totalmente destruído e a louça partida. "Eu estava aqui! Foram 20 minutos com tudo a voar!", exclamou Carla Oliveira, do secretariado da feira. "Vou fazer 60 anos e não me lembro de uma coisa destas em Famalicão", sublinhou Adelina Castro. "Com tanta gente que estava aqui, e com tanta chapa pelo ar, foi uma sorte ninguém ter sido atingido", observou Marília Seabra, artesã de Santo Tirso. Tudo o que era frágil não resistiu à ventania e à força da água - que subiu para níveis nunca vistos na terra. Daí que os estragos se tivessem concentrado na Feira de Artesanato. Mas, noutros pontos da cidade e nalgumas freguesias do concelho, também ficaram bastantes sinais de destruição: árvores arrancadas nos jardins que se abateram sobre automóveis; painéis de publicidade ou de obras de construção civil destruídos; ou toldos do comércio cortados pelo granizo como se tivessem sido rasgados por tesouradas. No degradado edifício da estação da CP, só por muita sorte não se registaram vítimas quando ruiu o tecto da sala de controlo dos comboios. No balanço global, só há o registo de algumas pessoas que sofreram ferimentos ligeiros, pelo que necessitaram de pequenos cuidados médicos. O vendaval também deixou marcas irreparáveis em muitos terrenos agrícolas, nomeadamente em vinhas. Depois da tempestade, nas áreas mais inundadas da cidade, a água sumiu pelas sarjetas entupidas muito lentamente, tendo as ruas e praças ficado cheias de vegetação misturada com terra removida e lixo, muito lixo. A água entrou com toda a força na loja alimentar Pingo Doce, rebentando com a porta principal. Na manhã de ontem, o parque de estacionamento do estabelecimento, que é pavimentado, estava transformado num lamaçal. Passados os momentos de muita aflição entre a população, um pouco por toda a cidade era tempo de apurar os estragos e de proceder à limpeza, num cenário pós-diluviano. Mas era na Feira de Artesanato que se lamentavam as maiores perdas. A organização já tinha sossegado os artesãos, assegurando a cobertura dos prejuízos e a abertura do certame no próximo sábado, às 18h00. A vereadora do Turismo, Ana Paula Costa, disse ao PÚBLICO que a câmara "vai sensibilizar" o secretário de Estado do Turismo, Vítor Neto, para que o Governo assuma uma compensação pelos prejuízos. Algo que se saberá na próxima terça-feira, quando o governante visitar a feira, como já estava previsto. Os artesãos, por seu turno, foram chamados a elencar a quantidade de peças destruídas, devendo hoje ser encontrado o valor total dos prejuízos. No entanto, Ana Paula Costa avançou ontem com um montante "na ordem dos cinco ou seis mil contos" só em artesanato inutilizado. Refira-se que a edilidade estimava gastar cerca de 25 mil contos na organização da feira, montante que, em parte, seria financiado pelos "cem escudos simbólicos" que custará cada entrada no recinto."A câmara teve uma postura correcta. Pediu às pessoas que não entrassem em loucuras e que apontassem um valor real dos prejuízos. Infelizmente, só não vai pagar o carinho que empregámos em cada peça que fazemos", reconheceu Pedro Riobom, que estima ter sido lesado em cerca de 160 contos. Mas, segundo apurou o PÚBLICO, há expositores com perdas na ordem das centenas de contos. Não é o caso, porém, do tapeceiro Alberto Roriz, de Landim, cujo "stand" saiu ileso do vendaval: "Ele escapou, mas eu estava a ver que nem escapava ele, nem escapava eu... Vi tudo a cair de um lado e do outro".Entretanto, ontem, a meio da tarde, ainda não estavam totalmente recuperados os atrasos na circulação ferroviária. Entre o Porto (Campanhã) e Vila Nova de Gaia, as agulhas eram mudadas manualmente, em consequência dos cortes de energia da tarde anterior. "Voltámos ao tempo em que não havia estes avanços tecnológicos", ilustrou ao PÚBLICO uma fonte da CP, acrescentando que o temporal afectou o sistema eléctrico e informático de sinalização, o que, durante cerca de 24 horas, provocou "atrasos enormes" na circulação, nas linhas do Minho, do Douro e Porto-Lisboa.