Viagens em quatro actos
O caso das viagens-fantasma começou em 1989 quando um inquérito interno da Assembleia da República detectou irregularidades nas viagens de António Coimbra, que ficaria conhecido pelo "deputado Batman". Já antes o Tribunal de Contas vinha alertando a AR para a existência de eventuais irregularidades nas viagens dos deputados.
Em 12 de Abril de 1986 o "Expresso" noticiava na primeira página que, numa deslocação ao México, deputados tinham trocado os bilhetes de avião em primeira classe por bilhetes de turística. Fontes parlamentares referiam ser essa uma prática corrente na Assembleia. Como era também corrente, os deputados apresentarem contas individuais de quilometragem em carro próprio quando, muitas vezes, se agrupavam aos três e quatro num único automóvel. O mesmo "Expresso" contactou então diversas agências de viagens, concluindo que, nalguns casos, a diferença entre o valor das passagens em primeira e turística era devolvida ao Parlamento. Noutros, passava a fazer parte de uma "conta-corrente" que os deputados dispunham na agência de viagens da qual eram clientes. Três anos depois, em 6 de Maio de 1989, o "Expresso" noticiava a abertura de um inquérito do Parlamento às viagens dos deputados. Um erro de contabilidade levou a que fosse detectado o pagamento a um deputado de ajudas de custo relativas a uma viagem que não fez a Estrasburgo. A averiguação era extensiva à agência de viagens Escalatur que apareceu a cobrar na AR um bilhete de avião que deveria ter sido utilizado pelo mesmo parlamentar. Coimbra, deputado do PSD, requisitou tantas deslocações à Assembleia que poderia ter dado uma volta ao mundo. Mas não deu. O dinheiro das três deslocações ao estrangeiro a que tinha direito por ano serviram foi para pagar viagens, telefonemas, refeições e alojamentos de familiares. As verbas destinadas às viagens foram cobradas à AR, mas colocadas numa conta-corrente da Sinestur, uma agência de viagens que entretanto faliu.Foi na sequência deste caso que Vítor Crespo emitiu um despacho que tentava colocar regras nas viagens dos deputados e tornava explícita a permissão para o desdobramento de bilhetes de primeira classe. Em Junho de 1996 o tribunal da Boa-Hora condenou António Coimbra a uma pena suspensa de três anos de prisão, dando por provado o crime de burla agravada. Mas as denúncias feitas durante o julgamento pelo deputado é que pareciam ir cair em saco roto, até por que ao longo do seu processo não foram feitas sequer investigações à documentação da Sinestur. Esses documentos seriam revelados "Expresso" em Julho de 96 e que já continham dados que agora constam da acusação a Luís Filipe Menezes. O processo utilizado era o mesmo de Coimbra e de outros deputados: requisição por atacado de dinheiro para viagens à AR, que era depositado numa conta-corrente. O mesmo jornal divulgava outras situações de uso irregular de dinheiros da AR para viagens. As denúncias de Coimbra e a revelação pelo "Expresso" dos documentos da Sinestur acabaram por levar o Ministério Público e a Assembleia a requererem auditorias privadas e do Tribunal de Contas (TC). O TC considerou que só tinha competência para fazer a auditoria a partir de 1988, pelo que a AR confiou à Coopers and Lybrand esse ano e os anteriores, recuando até 1980. Essas auditorias confirmaram a existência de burlas, mas a maioria dos casos, por serem de burla simples (abaixo dos 350 contos) estavam prescritos.Foi no decorrer destas auditorias que se notou a falta de documentos relativos às viagens dos deputados, tanto entre 85 e 88, como de 75 a 85. Apenas foram encontrados os recibos comprovativos de pagamento. Esses documentos terão sido destruídos por ordem de um funcionário, em 1989, quando parte dos serviços da AR passou do Palácio de São Bento para o edifício da Rua D. Carlos. Esse mesmo funcionário, ouvido no inquérito interno do Parlamento, disse que apenas tinha destruído cópias pessoais feitas por motivos de segurança. Também em 1997, o Tribunal de Contas fez uma auditoria às contas da AR em 94, na qual detectou que 23 deputados tinham gasto verbas indevidamente. Esses deputados tinham feito desdobramento de viagens, mas as duas viagens em classe turística ficavam mais baratas que uma só em primeira e a diferença não era devolvida. O TC também não concordava com o desdobramento de viagens, pelo que Almeida Santos viria a clarificar o desdobramento, regulando a reposição da diferença.A 7 de Maio de 1998, o plenário da AR aprovou, então, por unanimidade uma proposta de deliberação de Almeida Santos, fixando regras de controlo mais apertado. Esta deliberação mantém o direito de desdobramento de bilhetes de primeira classe desde que no programa oficial da deslocação esteja previsto programa para acompanhantes e do desdobramento não pode resultar custo superior para a AR. Na prática cria-se também uma agência de viagens em São Bento.