Livros para o caminho jacobeu

Uma das causas do crescimento do culto a São Tiago, em Compostela, foi o aparecimento, no século XII, do "Liber Sancti Jacobi". No fim do século XX, os livros sobre a peregrinação europeia multiplicam-se. Quem quiser pôr-se ao caminho, tem que se preparar. As ofertas são múltiplas.

A sua eloquência não é superada por ninguém, naquela discussão com saduceus e fariseus sobre a figura de Cristo. Por isso, a multidão que o rodeia enfurece-se e leva-o à presença de Herodes, para que seja sentenciado à morte. Tiago, filho de Zebedeu, um dos doze discípulos de Jesus Cristo, banhado então "no charco do seu rosado sangue, coroado com triunfal martírio, voa ao céu, laureado com imarcescíveis coroas de louros". Os seus discípulos apoderam-se depois furtivamente do corpo e transportam-no à praia, onde os aguarda um barca. Sete dias depois, o corpo de São Tiago aporta em Iria Flavia, na Galiza, onde a terra se finda. Foi com esta lenda que outro mito começou. Tiago o Maior terá sido realmente mandado matar por ordem de Herodes. Mas a história da trasladação do corpo de Jerusalém para a Galiza, a Finisterra, já não tem qualquer base documental. Ela vem, no entanto, contada no capítulo I do livro terceiro do "Liber Sancti Jacobi", o "Livro de São Tiago". Também conhecido por "Codex Calixtinus", do nome do Papa Calisto II, a quem é atribuída a sua autoria, o "Liber Sancti Jacobi" é um conjunto de mais de uma centena de textos sobre a devoção e a peregrinação a Compostela. O conjunto deverá ter sido escrito, de facto, por vários autores, entre os quais um tal Aymericus Picaudus (ou Aimerico Picaud) que, cerca do ano 1130, terá ido em peregrinação de Poitiers (França) até à catedral da Galiza. Picaudus decidiu fixar o relato dos sítios por onde passava e esse escrito será, em grande parte, o livro quinto do "Codex", conhecido como o Guia Medieval do Peregrino. O Papa Calisto II terá tido um importante papel na divulgação da devoção a Santiago e, por isso, o seu nome acabou por ficar ligado ao códice compostelano. O próprio livro tornou-se, com o tempo, uma das causas do crescimento da peregrinação a Compostela. Hoje, o fenómeno é o oposto: o aumento de peregrinos na cidade galega, aliado à proclamação do Ano Santo Jacobeu, tem provocado, nos últimos meses, na Galiza e em Espanha, uma autêntica explosão de obras sobre Santiago e os Caminhos.Entre livros sobre todos os temas e para todas as bolsas, há duas edições do "Codex", consideradas clássicas e ambas importantes: as traduções de A. Moralejo, C. Torres e J. Feo (que já tinha sido reeditada para o Xacobeo 93 e teve agora uma nova edição) e a de K. Herbers e Santos Noia. O êxito de Compostela na Idade Média ficou a dever muito à teia de caminhos que a Europa foi construindo até à cidade galega. O bispo Gelmírez é um dos artífices da expansão do culto a Santiago. Explica Xosé Eduardo López Pereira, em "Guia Medieval do Peregrino - Códice Calixtino, libro V" (Edicións Xerais de Galicia): Gelmírez queria dar dignidade patriarcal à sua catedral e encetou, por isso, um vasto programa de realizações políticas, culturais e religiosas para conseguir os seus objectivos. Guias actuais há muitos e o ano santo jacobeu deste ano foi pretexto para o aparecimento de diversos títulos. "El Camino de Santiago a Pie" (El País/Aguilar), com texto de Paco Nadal e fotos de Miguel Gener, apresenta o Caminho Aragonês e o Caminho Francês. Mapas, as dificuldades do caminho, monumentos, albergues, as distâncias parciais e totais, indicações para a viagem, lugares para comer e dormir são as propostas de um guia muito prático e graficamente atraente. O "Guia del Peregrino a Compostela", de Elías Valiña Sampedro (ed. Galaxia, fotos de Valiña e Manuel González Vicente) baseia-se na descrição do caminho feita no "Codex Calixtinus" e, por isso, as etapas apresentadas são maiores do que as da actualidade. Este guia inclui mapas (também do Caminho Navarro) e um capítulo dedicado apenas a notas histórico-culturais. Informação de hotéis, parques de campismo, albergues não comerciais de serviço aos peregrinos, lojas de bicicletas e das associações de amigos do caminho completam a obra, que inclui também alguns cantos de peregrinação."Los Caminos de Santiago", um guia Repsol, refere tudo o que há a saber, mas apenas sobre a Galiza: os diferentes caminhos que levam a Santiago, restaurantes, alojamentos, a gastronomia galega, contactos úteis e mapas de cidades e de estradas. Um ponto forte, importante nesta altura: o programa de todas as actividades do Xacobeo 99. "Caminhos Portugueses de Peregrinação a Santiago" é o título comum a dois volumes: "Itinerários Portugueses" e "Tramos Galegos", que resultaram da colaboração entre a Xunta e a Comissão de Coordenação da Região Norte. Na parte portuguesa, o livro inclui estudos temáticos sobre o acto de peregrinar (José Maria Cabral Ferreira), o culto de São Tiago em Portugal e no ex-Ultramnar (José Marques), a "invenção" de São Tiago (José Mattoso), e os caminhos portugueses para Compostela (Arlindo Ribeiro da Cunha), os caminhos medievais no Norte de Portugal (Carlos Ferreira de Almeida), além de outras colaborações e fotos de Luís Ferreira Alves. É um livro mais pesado que um guia normal, mas bem organizado, com mapas de cada etapa, que conta lendas e tradições, descrição do património e das histórias de cada região e uma lista de contactos úteis, além de uma vasta bibliografia. Num levantamento superficial, podem contabilizar-se mais umas duas dezenas de guias diferentes. Ainda em português, há "Por Caminhos de Santiago" (Carlos Gil e João Rodrigues, ed. D. Quixote). Em galego e castelhano, podem destacar-se "Camino de Santiago - Guia del Peregrino a pie, a caballo, en bicicleta y en coche" (Antonio Viñayo González, ed. Edilesa), e a "Guia Práctica do Camiño Francés" (Antón Pombo, Ed. Xerais de Galicia). Para acompanhar a peregrinação espiritual, foram publicados este ano: "Peregrinos a Santiago - Crónica y guia espiritual", de José Arlegui (ed. Edebé) e "Camino de Santiago - Viaje al interior de uno mismo" (José António García Monge e Juan A. Torres Prieto, ed. Desclée de Brouwer). A "História Cultural do Camiño de Santiago" (Francisco Singul, ed. Galaxia) estuda a relação do culto jacobeu com a arte, a arquitectura e a música. Completam o leque das publicações dos últimos meses álbuns fotográficos - ou não fosse o Caminho de Santiago pretexto para ver obras e paisagens preciosas - e livros de histórias e lendas. No primeiro campo, destacam-se: "Peregrinos" (Manuel G. Vicente, Ed. Xerais), com fotos a preto e branco, "La Flecha Amarilla" (fotos Xurxo Lobato, texto de Suso de Toro), "El Camino de Santiago Monumental" (ed. Planeta) e "El Camino de Santiago" (fotos de Xurxo Lobato, textos de Luís Carandell, López Alsina, Serafín Moralejo e J. María Yagues). No segundo, há de novo uma imensidade de títulos. Um dos mais importantes é "Ultreia", de Luís Carandell (ed. El País/Aguilar) que conta "histórias, lendas, graças e desgraças do Caminho de Santiago". Outra obra a realçar é "Caminaron a Santiago - Relatos de Peregrinaciones al 'Fin del Mundo'" (Klaus Herbers y Robert Plötz, ed. Xunta de Galicia). Nesta última obra, escreve-se: "Puseram-se a caminho do longínquo, viveram a experiência do estranho, do desconhecido, a permanência no lugar saciou a sua sede de saúde espiritual, mas os peregrinos 'dirigiam-se a Santiago' com distintas motivações , com proveniências diversas e em épocas distintas: era uma sociedade europeia a caminho."

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