Um arquitecto completamente novo
A Casa da Música, a obra emblemática do Porto 2001, já tem projecto de construção aprovado. O vencedor foi o arquitecto holandês Rem Koolhaas, considerado um dos mais prestigiados da actualidade. O júri não teve dúvidas quanto à qualidade do projecto. O único problema que subsiste é o do custo, que ultrapassa o orçamento previsto.
O arquitecto holandês Rem Koolhaas nasceu em 1944, na cidade de Roterdão, onde hoje tem o seu "atelier" de arquitectura - o famoso Office for Metropolitan Arquitecture (OMA). Mas antes de se estabelecer nesta cidade, Koolhaas teve um longo percurso nómada, com passagens pela Indonésia e EUA, num itinerário que nem sempre esteve ligado à sua prática de arquitecto.As suas biografias começam por dizer que Rem, enquanto criança, viveu na Indonésia entre 1952 e 1956, o que lhe proporcionou o contacto com um imaginário não europeu, confirmado pelos inúmeros trabalhos que tem desenvolvido no continente asiático. Antes de estudar arquitectura em Londres, na Arquitectural Association, Koolhaas passa por Amesterdão, onde trabalha como argumentista de cinema e jornalista. O seu percurso como teórico da arquitectura começa na capital inglesa, mas é quando se transfere para Nova Iorque, em 1972, com uma bolsa para o Institut for Architecture and Urban Studies, que escreve o seu primeiro manifesto, "Delirious New York, a Retroactive Manifesto for Manhattan" (1978). Esta obra tornou-se uma referência sobre a condição urbana das sociedades pós-industriais. Rem Koolhaas defende uma concepção absolutamente pragmática da cidade, contrária às visões nostálgicas dos ideais utópicos. Afirma a sua preferência por aquilo que denomina a "cultura metropolitana da congestão", própria das cidades asiáticas e americanas, em detrimento da tranquilidade histórica da cidade europeia.O arquitecto regressa à Europa, onde inicia a sua actividade no OMA, por si fundado, em Londres no ano de 1975, com os seus colegas Elia e Zoe Zenghelis e Madelom Vriesendorp. O OMA desenvolve uma metodologia própria, assente num compromisso entre a prática construtiva e a investigação especulativa. Em 1978, transfere-se para a Holanda, devido ao crescente número de encomendas neste país: tem então a oportunidade de desenvolver um projecto para a ampliação do Parlamento de Haia, com o qual seria premiado. As suas propostas arquitectónicas destacam-se pela polémica, e mesmo quando não são construídas tornam-se paradigmáticas. Disso são exemplo os projectos para o Complexo de Investigação de La Villette, a proposta urbana para Yokohama (1992), o Palácio dos Congressos em Agadir, Marrocos (1981), a Biblioteca Nacional em Paris (1989), cujo vencedor seria Dominique Perrault, um dos seus adversários no concurso para a Casa da Música.A novidade das suas concepções reside numa nova interpretação do edifício urbano, definido pelo crítico de arquitectura William Curtis como uma "estrutura transparente feita de peças ilusionisticamente suspensas no ar". As obras espelham as incertezas do universo da industrialização e os problemas levantados pela demografia, através da recorrência a elementos do racionalismo dos anos 50, à "collage" e justaposição de materiais e efeitos decorativos.Nesta pluralidade enquadra-se o edifício Kunsthal em Roterdão (1987-1992), que se destina a eventos culturais, com um auditório e três salas de exposição. Aqui, Koolhaas liga a nova paisagem urbana - a auto-estrada - ao espaço natural de um parque urbano. Ao mesmo tempo que renova os modelos tradicionais do espaço, revê os protótipos do Movimento Moderno, como a National Galery em Berlim, do germânico Mies van der Rohe, ou a Schröder House, de Rietveld. No Congrexpo (Centro de Congressos e Exposições), em Lille (1991) - com o seu curioso plano oval e as suas sinuosas fachadas em materiais baratos como chapa ondulada e plástico -, o arquitecto procura explorar novas possibilidades ao nível dos materiais e da economia da construção. Koolhaas, que não esqueceu o seu passado de argumentista, tem um particular interesse pelo cinema, que se traduz nas fachadas, por vezes preparadas para receberem projecções e informação electrónica. Os jogos rítmicos e cinéticos das fachadas do Educatorium, desenhado para a Universidade de Utrecht (1993-97), é exemplar a este nível. Há em Koolhaas uma consciente adesão ao "vulgar" e uma certa permeabilidade à cultura do consumo, que tem despertado os mais antagónicos debates. Contudo, a sua arquitectura tem exercido uma ampla influência, nomeadamente na mais recente geração de arquitectos, como no grupo holandês MVRDV. Para converter a arquitectura em laboratório de experimentação, foi fundamental a associação do OMA à firma de engenharia civil De Werger Group, de Roterdão, em 1995, que lhe permitiu constituir uma unidade de suporte técnico, na exploração de novas possibilidades construtivas.Dentro do programa inicialmente proposto foi criada, paralelamente, a Grosztadt Foundation, cabendo-lhe a promoção e divulgação de investigações, publicações e exposições - como a montagem da exposição "OMA - Rem Koolhaas and the place of public architecture", concebida pelo Museum of Modern Art, em 1994. Foi no âmbito desta fundação que Koolhaas desenvolveu o estudo "SMLXL", alusivo a "small, medium, large, extra-large", publicado em 1996 e realizado com a colaboração do gráfico Bruce Mau. Esta obra-manifesto explora a definição da cidade sem carácter ou identidade. Para Koolhaas, é ela que permite ao arquitecto libertar-se da memória: "Isto significa que podemos ser completamente novos, completamente vazios, completamente inarticulados, completamente inertes, completamente sem significado. Simplesmente reintroduz um vasto conjunto de possibilidades."