Beatificação dos pastorinhos formalizada ontem em Roma
No Vaticano, foi ontem lido o decreto que confirma a beatificação dos dois videntes de Fátima, Francisco e Jacinta. Ficou por dizer o que ainda não se sabia: quando e onde será a beatificação. Os responsáveis do santuário português torcem pela vinda do Papa a Fátima para proceder à cerimónia.
Jacinta Marto e Francisco Marto, os dois irmãos videntes de Fátima que já morreram, tiveram ontem formalizado o anúncio da sua beatificação, tornando-se assim nos beatos mais novos da história da Igreja - já que tinham 9 e 10 anos quando morream, entre 1919 e 1920. Mas o anúncio mais esperado - o de uma eventual viagem do Papa a Fátima, no próximo dia 13 de Outubro, para proceder à beatificação - não foi feito. A sessão de ontem no Vaticano limitou-se à leitura do decreto. Depois do documento ontem lido na Sala Clementina do Vaticano, ficou oficializada a notícia de que, pela primeira vez na história da Igreja Católica, duas crianças serão beatificadas. O arcebispo português D. José Saraiva Martins, presidente da Congregação para a Causa dos Santos, presente durante a leitura dos decretos, declarou ao PÚBLICO, no final da sessão, que contou com a presença do Papa João Paulo II: "Foram lidos um total de 18 decretos, entre eles o da beatificação de Francisco e Jacinta, em que o Papa exprime a sua decisão de elevar à honra dos altares duas crianças. Trata-se de um reconhecimento oficial que as crianças podem viver heroicamente as virtudes cristãs. Os pastorinhos são um exemplo para a jovem geração."O padre Luís Kondor, vice-postulador do processo de beatificação dos videntes, que também estava presente na cerimónia de leitura, foi mais longe na sua explicação: "Até hoje a Igreja estava convencida que as crianças não tinham dotes de evangelização. Os pastorinhos mostraram o contrário e a Igreja teve que rever a sua posição. O mais novo beato até hoje era o italiano Domingos Savio que morreu antes de completar 15 anos".A decisão do Papa, há já vários anos, admitindo a possibilidade de as crianças também poderem viver virtudes heroicas e, portanto, ser propostas à veneração dos fiéis, foi feita à medida para das duas crianças portuguesas. Em 1917, elas protagonizaram, com a sua prima Lúcia de Jesus, os acontecimentos que identificaram como aparições da Virgem (ver PÚBLICO de domingo). Entre Maio e Outubro, aos dias 13 de cada mês, a aparição revelou-lhes três segredos (dos quais são conhecidos uma visão do Inferno, e a necessidade da devoção ao Coração de Maria com o objectivo de o mundo ter paz e de a Rússia se converter), identificou-se como sendo Nossa Senhora do Rosário e provocou um "milagre do sol". Nessa última aparição, uma multidão calculada em 70 mil pessoas presenciou o que alguns contaram sendo uma dança do astro, que dava a sensação de ir cair na terra. O padre Kondor, que há 40 anos é responsável em Portugal pelo acompanhamento do processo, pensa que os pastorinhos podiam ter sido considerados mártires. "Francisco Marto morreu em 4 de Abril de 1919 antes de completar 11 anos. Logo após a sua morte, Jacinta foi ameaçada de ser queimada com azeite quente se não revelasse o segredo de Fátima. Aqueles que a ameaçavam mentiram-lhe, dizendo que Francisco havia morrido dentro de um caldeirão de óleo. Ela pensou que, apesar da tortura, o seu irmão não traíra a revelação. Portanto, ela também estava disposta a dar a vida para proteger uma santa promessa. Por esta causa, segundo alguns teólogos, Francisco e Jacinta poderiam ser mártires."De acordo com Luís Kondor, o reconhecimento oficial da mensagem de Fátima através da beatitude dos pastorinhos seria feito, mesmo sem a necessidade de apresentar o martírio das crianças. De facto, a cura cientificamente inexplicável de Maria Emília dos Santos, uma sexagenária de Leiria que começou a andar depois de ter passado 22 anos paralisada, levou este ano a comissão do Vaticano a reconhecer o milagre.Quanto à data e ao lugar da cerimónia de beatificação dos pastorinhos. "Tudo depende, como é obvio, da decisão do Santo Padre" disse o arcebispo Saverio, também presente na cerimónia, que decorreu ao fim da manhã de ontem. O padre Kondor, por sua vez, explicou ao PÚBLICO a importância de que ela decorra em 13 de Outubro próximo, no Santuário de Fátima. "Esta data representa o aniversário da última aparição de Fátima neste século. Os pastorinhos têm muitos devotos não só em Portugal, mas também em todo o mundo. Seria melhor que, em relação à logística, a cerimónia fosse feita em Fátima, pois a praça é maior do que São Pedro no Vaticano". Luís Kondor acrescentou que, no processo de beatificação, foi pedido o reconhecimento dos pastorinhos como portugueses para que a cerimónia seja feita em Portugal. Se fosse apontada como uma devoção mundial, a celebração seria feita certamente em Roma. Mas tudo depende, mesmo assim, da agenda do Papa nas vésperas do Jubileu e do seu estado de saúde.João Paulo II, é conhecido, tem Fátima no coração: o Papa atribuiu à Virgem de Fátima o facto de não ter morrido na sequência do atentado que o atingiu em 1981. Segundo o padre Kondor, ele já demonstrou publicamente os seus sentimentos de devoção. "Posso dizer que me encontrei pessoalmente com o Santo Padre e ele me disse que não se pode escrever a história deste século sem mencionar Fátima."*com António Marujo