Palácio de Valflores entregue ao esquecimento

Quando o Itinerário Complementar 2 foi construído, no ano passado, a Junta Autónoma de Estradas comprometeu-se a assinar um protocolo para a recuperação de um palácio do século XVI, em Santa Iria de Azóia. Agora, os seus responsáveis dizem que não têm nada a ver com o assunto, mas as outras entidades continuam à espera. E a degradação do edifício vai-se acentuando de dia para dia.

Dois anos e meio passados sobre a promessa de assinatura de um protocolo, entre a Câmara de Loures, o Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar) e a Junta Autónoma de Estradas (JAE), para a recuperação do Palácio de Valflores, situado na freguesia de Santa Iria de Azóia, nada foi feito. O monumento permanece num lamentável estado de abandono e degradação, correndo sérios riscos de ruína. Tudo se deve a uma inexplicável falta de diálogo entre as partes .Propriedade privada (da Sociedade Agrícola Casa Reynolds), o palácio, construído em 1558, está classificado como imóvel de interesse público, o que não impede que se mantenha num estado de pré-ruína, servindo como estábulo e armazém de utensílios da lavoura. É que os actuais proprietários confiaram a guarda a um caseiro, que transformou o local numa espécie de quinta agrícola, tendo sido feitas obras que desvirtuaram o imóvel, quer em termos de conservação, quer no que diz respeito à traça original.Com dois torreões ameados, o Palácio de Valflores está debruçado sobre um vale e tem vista privilegiada sobre o rio Tejo. No pátio, vêem-se restos de colunas e o edifício tem várias portas e janelas de molduras quinhentistas, sendo a fachada principal marcada por uma galeria de dez arcos abatidos sobre colunelos toscanos.Apesar do valor patrimonial reconhecido, quem ali entra depara com um cenário desolador, com lixo abundante, restos de utensílios agrícolas, fardos de palha e tractores, para além de uma clara adulteração do espaço arquitectónico. Nas imediações do edifício foram construídos diversos anexos em tijolo e cimento, com resguardos em zinco e chapa, com a finalidade de abrigar o gado.O palácio é já conhecido entre a população de Santa Iria de Azóia como o "palácio das abóboras", pois no parapeito da galeria, entre os arcos quinhentistas, é costume estarem alguns desses frutos de grandes dimensões, ali colocados pelo caseiro. Com a construção, em 1998, do Itinerário Complementar 2 (IC2) - variante da Estrada Nacional nº10 e cujos acessos passam mesmo em frente ao imóvel -, a JAE comprometeu-se, dado o impacte causado pela proximidade do eixo viário, a pagar a reabilitação do edifício. Assim, celebraria um protocolo com a Câmara de Loures e o Ippar, no qual se obrigava a adquirir o imóvel - ou a expropriá-lo, caso fosse necessário - e a financiar as obras de restauro e de reabilitação da área envolvente, tendo em vista a construção de um centro cultural.Já em Outubro do ano passado, (ver PÚBLICO de 30/10/98) o ex-presidente da autarquia, Demétrio Alves, alertou para o avançado estado de degradação do edifício e acusou a JAE de faltar ao prometido. Mas até agora nada mudou. O palácio permanece num estado pouco dignificante para o valor que possui, enquanto se instalou um clima de desconfiança entre as entidades que supostamente iriam firmar o protocolo de reabilitação do imóvel. O Ippar diz que o protocolo não foi assinado porque, desde Agosto de 1998, que esperam um contacto da JAE. "As últimas diligências desenvolvidas reportam ao Verão do ano passado, quando lhes enviámos um ofício, que ainda não obteve resposta. Por isso, está tudo parado, não sabemos de mais nada", afirma Manuel Lapão, o arquitecto do Ippar que tem o processo em mãos e que assegura que o Palácio Valflores tem "um valor paradigmático".Os responsáveis da JAE, porém, têm uma interpretação diferente das suas responsabilidades no processo, que consideram que não são nenhumas. António Lamas, o presidente do organismo estatal, diz que "há uma grande confusão, pois a JAE já não tem nada a ver com o assunto", porque, afirma, o imóvel não possui uma zona especial de protecção, onde se incluiria uma "área não edificável", o que obrigaria a entidade responsável pela construção da estrada a participar numa intervenção extraordinária."Além desse estatuto não estar atribuído ao imóvel, nem a família proprietária quer que o palácio seja expropriado nem a junta tem competências para tal", defende António Lamas, afirmando que não cabe à JAE proceder à recuperação de monumentos, "mas sim cumprir as funções para que foi criada". Sobre as expectativas criadas junto do Ippar e da autarquia, assegura que essas entidades "devem estar enganadas".Contactado pelo PÚBLICO, Vítor Fragoso, director do Departamento de Planeamento Estratégico da Câmara de Loures, mostrou-se surpreendido com a posição do presidente da JAE. "Se afirmam isso, lamentamo-lo profundamente. Não esperávamos uma atitude dessas. Aquilo é um imóvel classificado de interesse público e a proximidade da via impunha uma intervenção. De qualquer maneira, oficialmente, ainda não fomos informados de nada."Enquanto o problema não é resolvido, "a degradação acentua-se diariamente, com a agravante de ao lado passarem centenas de carros por dia", denuncia Ernesto Costa, presidente da Junta de Freguesia de Santa Iria de Azóia. Acrescenta que apenas sabe que o caseiro foi notificado pelos proprietários para abandonar o imóvel. O PÚBLICO tentou ouvi-los, mas todos esforços resultaram infrutíferos.

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