"A hierarquia católica abençoou os assassinos"
Só quer justiça. "Justiça é justiça. Sem adjectivos." A líder das Mães da Praça de Maio, da Argentina, luta há 22 anos para conhecer a verdade do que aconteceu a dois filhos e uma nora que lhe desapareceram. É o símbolo da luta de milhares de mães.
À cabeça, um lenço branco. Bordada, a inscrição: "Aparición con vida de los desaparecidos". Hebe Pastor de Bonafini, 71 anos, presidente da Associação das Mães da Praça de Maio, luta há 22 anos para que os poderes da Argentina lhe devolvam os dois filhos e a nora que a ditadura militar (1976-83) um dia lhe roubou. Todas as semanas, ela e outras mães manifestam-se na Praça de Maio, em Buenos Aires, a pedir justiça. Representam milhares de mulheres a quem sequestraram, roubaram, torturaram e mataram os filhos. Hoje, já nenhuma delas acredita que os filhos voltem com vida. Mas também recusam ficar com o dinheiro que o Estado lhes ofereceu. "A vida não pode valer dinheiro, a vida tem o valor da vida", diz Hebe Pastor. Actualmente, as Mães da Praça de Maio desenvolvem trabalho social em diversos bairros pobres, publicam um jornal mensal "que não tem publicidade porque é muito combativo" e abriram um café literário. De passagem por Braga, a caminho da Galiza, onde foi participar num festival de cultura e receber o prémio "Cultura Quente", de uma associação da região de Pontevedra, Hebe Pastor de Bonafini concedeu esta entrevista.HEBE PASTOR DE BONAFINI - Nós sentimos que a Praça é o grito de muitas mães, não apenas o nosso. Hoje assassinam muitos jovens nos bairros: por causa da droga, porque roubam, porque são marginais ou porque não interessa ao Governo que a juventude tenha um projecto. A única coisa que o actual Governo faz são prisões. Gasta-se três vezes mais em prisões que em escolas. Essa Praça é o grito da justiça: da prisão para os assassinos, da justiça social, do trabalho e da dignidade, de que a política também tem que ser feita pelos jovens como uma acção que nos liberta e não como a corrupção que nos mostram...Enfim, a Praça contém tudo isso. Marchamos meia hora cada quinta-feira. Não faltamos nunca, nunca. São umas 300 pessoas, mais ou menos, incluindo umas 60 ou 70 mães de Buenos Aires (há 15 filiais em todo o país) e, quando fazemos marchas grandes, vêm 60 mil, 80 mil pessoas. Nós sabíamos que não o iam prender, porque a juíza que o julgou é amiga íntima de Massera e é do mesmo partido. E não se põem os amigos na prisão. Puseram-no numa prisão do quartel, depois levaram-no para casa, depois parece que a mulher estava farta de o ter ali fechado, por ser um homem violento também com ela, e finalmente mandaram-no para uma quinta no campo. Os vizinhos repudiaram a presença dele, avisaram-nos e nós fomos lá, acompanhadas por jornalistas. E sabemos que há mais alguns. Videla também já saiu da prisão quatro ou cinco vezes, e duas das vezes detectámo-lo à saída de uma igreja e numa casa particular. Portanto, não estão presos. Isso é uma mentira. E como vêm aí as eleições, há que fazer de conta. É uma luta titânica. Hoje em dia, a vida não vale nada: destroem-na com a guerra, com a contaminação, com a perseguição. É como se se tivesse expulsado o homem e os pobres do sistema...Isto são coisas terríveis, que não podem ter perdão. E a Igreja não pode continuar a ter esta gente, que continua a dar a comunhão, a fazer baptismos, que perdoa os pecados.