Cerco ao Martim Moniz

Uma rusga na praça do Martim Moniz, redundou anteontem na detenção de 14 estrangeiros ilegais e na apreensão de 92 telemóveis. A operação, denominada "Caril", acontece depois de os comerciantes da zona terem entregue um abaixo-assinado a João Soares manifestando preocupação com o clima de insegurança.

Paulo Barros viu tudo desde o início. Estava no seu quiosque, situado bem no topo norte da praça, quando três carrinhas do corpo de intervenção da PSP estacionaram, discretamente, em frente ao Centro Comercial Martim Moniz. Grande parte dos agentes desceram então até ao Hotel Mundial, para cercarem a zona sul. Por esta altura, Paulo Barros já se tinha apercebido dos "paisanos" da PJ e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SIEF). "Começaram a apertar o cerco, e a pedir a identificação aos tipos com telemóveis. Depois, foi um rebuliço", conta. Muitos ofereceram resistência, obrigando a polícia a recorrer às algemas. A operação saldou-se na detenção de 14 estrangeiros ilegais e na apreensão de 92 telemóveis, 190 cartões telefónicos, 60 "ships", uma bateria e 500 escudos em dinheiro, disse ao PÚBLICO fonte da PSP. Foram também identificados mais 16 indivíduos.Meia dúzia de agentes da PSP permaneceram na praça até às 19h00. Ontem, o policiamento também foi superior ao normal e uma outra pessoa foi detida.Há muito que os lojistas pedem que se faça alguma coisa: os quiosques modernistas da Praça do Martim Moniz parecem não atrair clientela. Como se isso não bastasse, estabeleceu-se ali, o ano passado, um mercado paralelo de chamadas por telemóvel, dominado por asiáticos e africanos. A polícia, informada do que ali se passava, demorou a actuar. As duas primeiras rusgas foram um fracasso. O "gang dos telemóveis" manteve-se no local, sendo "uma dor de cabeça" para os que procuram vender velharias, artesanato, selos e outros artigos de coleccionismo. Em Janeiro, o SIEF fez uma rusga "totalmente desastrada", nas palavras de um dos comerciantes. Assim que os agentes apareceram, resguardados pela polícia de choque, os negociantes dos telemóveis fugiram. Passado um mês, a cena repetiu-se. Segundo a mesma fonte, "trouxeram uma carrinha com operacionais da polícia de choque: ainda não tinham posto um pé na praça, já os tipos fugiam que nem atletas". Segundo o PÚBLICO apurou estas intervenções foram feitas à revelia da Polícia Judiciária e terão dificultado a sua investigação, que decorria há mais de um ano. Há cerca de dez dias atrás, depois de ter recebido um abaixo-assinado de um grupo de comerciantes da praça, o presidente da Câmara de Lisboa fez chegar aos contestatários uma carta, supostamente já enviada a Armando Vara, onde reclama um reforço do policiamento da zona. Acontece que ao Ministério da Administração Interna não chegou carta alguma. E na Câmara de Lisboa ninguém soube informar o PÚBLICO sobre o seu paradeiro. Os comerciantes dizem que andam a brincar com eles.Na carta, João Soares reconhece que o processo de reabilitação do Martim Moniz falhou. E que a culpa é do "clima de insegurança" da zona. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa pede, por isso, "firmeza" por parte das forças policiais na vigilância daquela área, solicitando que se ponha assim termo "a esta situação de consequências imprevisíveis", que tem "impossibilitado por completo o processo de reabilitação urbana da zona do Martim Moniz". Soares reconhece o fundamento das queixas dos comerciantes e sublinha que "os problemas que às mesmas dão origem têm vindo progressivamente a agudizar-se". Apesar da operação de quinta-feira ter tido "algum sucesso", os proprietários dos quiosques e das lojas do Martim Moniz, estão pouco esperançosos que o "gang", que ali permanece, à luz do dia, vendendo chamadas por telemóvel para todo o mundo, desapareça. "Eles vão voltar. Amanhã, já cá estão outra vez", diz Paulo Barros. "A insegurança tem crescido nos últimos tempos, mesmo após as duas primeiras rusgas", refere, preocupado, João Nascimento, um dos líderes da Comissão de Lojistas do Martim Moniz, formada precisamente para mudar a má imagem daquela praça. O abaixo-assinado entregue à Câmara de Lisboa, há quinze dias atrás, subscrito por mais de 50 comerciantes daquela zona (desde o gerente do Hotel Mundial até ao vendedor de jornais da praça), dá conta de um negócio liderado por "indianos, paquistaneses, asiáticos e africanos", que se dedicam em exclusivo, "e com toda a tranquilidade que a indiferença das autoridades competentes lhes permite", a vender chamadas aos conterrâneos e a turistas. O texto fala em atitudes "hóstis e agressivas". E exemplifica: "No passado dia 8 de Maio, um grupo de africanos resolveu, por motivo que ignoramos, não pagar as chamadas que fizeram em telemóveis controlados por asiáticos. O que se seguiu foi algo que à muito esperávamos e temíamos. O conflito que se gerou entre os dois grupos étnicos (entre 50 e 60 indivíduos, no seu todo) estendeu-se por toda a praça, tendo-se verificado a invasão de dois quiosques para deles serem retirados ferros". Perante isto, os comerciantes avisam que a "paciência está a chegar ao fim" e receiam que qualquer dia se chegue ao "confronto directo".Apesar de todos os cerca de 50 quiosques da praça estarem já ocupados, a maior parte tem as portas fechadas durante todo o dia. A razão é simples - não há compradores. A estética não ajuda. "Parecem gaiolas", dizem alguns. José Nascimento acha que "o design deveria ser mais português, mais típico". Para mais, no Verão, o calor emanado do aço inox, material de que são feitos os quiosques, "dá para estrelar um ovo", garante José Nascimento. E no Inverno? "No Inverno faz um frio de rachar". As portadas também não são funcionais. Uma pessoa sozinha tem bastante dificuldade em conseguir abri-las. Alguns, mais perseverantes, como José Santiago, vendedor de todo o tipo de artigos de colecção, das moedas aos credifones, criticam os "colegas que abrem quando lhes apetece" e por isso fazem com que os clientes não vejam a zona como um centro de comércio. Muitos dos lojistas só se mantêm ali porque João Soares lhes tem perdoado o aluguer acordado de início. É que "passam-se dias sem se vender nada", e o presidente camarário resolveu esquecer a renda "até que a situação melhore", disse ao PÚBLICO o dono de um quiosque de artesanato. Acontece que, ano e meio após a conclusão da renovação da praça, tudo está na mesma. Os comerciantes, desesperados, ameaçam fazer uma manifestação.

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