As garantias do Totta
Afinal existem promessas por escrito. Na proposta de "resgate" do Totta & Açores ao Banesto, Champalimaud compromete-se a manter em mãos nacionais o banco português. E invoca o objectivo de tirar os espanhóis do Totta como argumento para ser dispensado de uma OPA geral. Com o negócio Mundial Confiança-BSCH, os espanhóis regressam não só ao Totta, mas também ao BPSM e Crédito Predial.
O industrial António Champalimaud comprometeu-se por escrito perante o Estado português a "manter" o Banco Totta e Açores (BTA) em "mãos nacionais", quando, em 1995, adquiriu 50 por cento do seu capital ao Banesto, que é o mesmo que dizer a Emilio Botín, hoje presidente do BSCH-Banco Santander Central Hispano. A promessa consta do requerimento, ao qual o PÚBLICO teve acesso, enviado por Champalimaud ao então ministro das Finanças, Eduardo Catroga, solicitando-lhe autorização para o negócio com isenção de lançar uma oferta pública de aquisição (OPA) da totalidade do capital do BTA. O compromisso de manter em mãos nacionais o BTA é um dos pontos no centro do diferendo que opõe hoje o Governo de António Guterres ao negócio entre o industrial e aquele grupo espanhol em torno da Mundial Confiança. "Com esta operação é desejo do requerente, expresso no texto do acordo, em contribuir para tornar eminentemente português o BTA, de onde resulta o compromisso - "que o passado do requerente por si só garante" - em manter em mãos nacionais essa instituição financeira portuguesa e em contribuir, através dela, para o desenvolvimento económico e o bem estar social do país", pode ler-se no documento enviado por António Champalimaud a Eduardo Catroga.Champalimaud solicitava autorização para adquirir acções do BTA representativas de até metade do capital do banco, ao preço global de 153 milhões de contos. O industrial fazia depender o negócio da isenção de lançamento de "qualquer tipo de OPA, quer para a transmissão inicial, quer para as transmissões subsequentes". Com data de entrada no gabinete do ministro a 10 de Janeiro de 1995, o documento tem seis páginas, e foi recebido pelo então chefe de gabinete de Catroga, J.D. Assunção Dias. Assunção Dias esteve depois à frente da Inspecção-Geral das Finanças e mais tarde no Conselho Fiscal do grupo Mundial Confiança, dominado por Champalimaud. O Governo de Cavaco Silva viria a autorizar a compra do controlo do Totta ao Banesto/Santander sem a obrigatoriedade de Champalimaud realizar uma oferta pública - penalizando os pequenos accionistas do Totta, que dominavam a outra metade do capital - para assegurar que o grupo se mantinha "em mãos nacionais". Por sua vez, segundo o PÚBLICO apurou, o texto do acordo celebrado entre o português e Emilio Botín, que pouco tempo antes adquirira o Banesto, então a atravessar uma profunda crise provocada pela gestão "ruinosa" de Mario Conde, é também claro sobre o domínio português. O banqueiro espanhol reconhece, a dada altura, "que é do interesse de António Champalimaud contribuir para tornar eminentemente português o BTA, adquirindo, directa ou indirectamente, 50 por cento do capital social do Banco". O teor do pedido de autorização de compra, agora divulgado pelo PÚBLICO, e assinado em 1995 por Champalimaud, serve de argumento para as autoridades portuguesas questionarem o negócio celebrado, a 7 deste mês, entre António Champalimaud e o BSCH, co-presidido por Emilio Botín. Mesmo que o industrial português afirme assegurar o controlo do terceiro maior grupo bancário luso, que tem uma quota de mercado de cerca de 18 por cento, pelo menos durante dois anos. É que foi a este mesmo banqueiro espanhol que há menos de quatro anos Champalimaud adquiriu o Totta, uma das instituições de crédito dominadas pela seguradora Mundial Confiança.Ao comprar agora uma posição de referência na seguradora portuguesa, Botín não só regressa ao Totta como toma posição no Banco Pinto e Sotto Mayor, no CPP e no Chemical. Dado que no acordo parassocial, enviado segunda-feira passada ao Governo socialista, se prevê não só a gestão conjunta das várias instituições mas ainda que sejam "partilhadas" as decisões estratégicas, o grupo espanhol, apesar de oficialmente se assumir como minoritário, será sempre determinante nas opções que a família Champalimaud venha a tomar. O mesmo se passará no caso inverso.Quando entrou no Totta, Champalimaud alegou ao Governo de Cavaco Silva que o seu envolvimento pessoal "garantia" a preservação dos interesses nacionais. E que se repunha "o princípio de limitar as aquisições por entidades estrangeiras estabelecido naquele diploma [D.L. nº170-B/90, de 26 de Maio], fazendo regressar a instituição ao controlo de investidores nacionais". No segundo acordo celebrado entre Champalimaud e Emilio Botín (BSCH), ficam em causa todas as garantias oficiais realizadas em 1995, no sentido de assegurar os interesses nacionais, tanto mais que o negócio consagra direitos de preferência de compra recíprocos caso Champalimaud ou o BSCH queiram vender, daqui a dois anos, as suas posições nas "holdings" que controlam a Mundial Confiança. Com efeito, no pedido de autorização de compra dos 50 por cento do Totta aos espanhóis, em 1995, o industrial declarava ser sua intenção fazer "regressar a controlo nacional o BTA." Prometia ainda "dotar o País de uma estrutura financeira com a dimensão indispensável à competição no quadro comunitário em que hoje a economia portuguesa tem de competir".O mesmo Champalimaud apresentava então a seu favor, no pedido de dispensa de OPA, a Lei Quadro das Privatizações (Lei nº11/90), particularmente no que respeita ao ponto três, que refere como objectivo "possibilitar uma ampla participação dos cidadãos portugueses na titularidade do capital das empresas, através de uma adequada dispersão do capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos subscritores".Adiantava ainda que, com a operação, "a dispersão do capital obtida com a privatização já realizada não é posta em causa". O documento garantia mesmo: "Muito pelo contrário, o requerente adquirirá tão só participações já concentradas (...), mantendo-se a dispersão existente relativamente ao capital adquirido". E Champalimaud comprometia-se a "não adquirir acções que se encontrem dispersas em investidores nacionais, mas acções sob controlo da entidade estrangeira Banesto". Actualmente, e depois de uma operação pública de troca entre o BPSM e o Totta, apenas 5,6 por cento deste banco se encontram dispersos pelos pequenos accionistas, controlando o Sotto 94,377 por cento do seu capital. Por sua vez, a Mundial Confiança tem 53 por cento do BPSM, sendo que a seguradora era, até há uma semana, dominada pelo industrial, directa e indirectamente, em 51 por cento.O PÚBLICO procurou obter comentários de António Champalimaud e de Eduardo Catroga sobre este assunto, mas sem qualquer resultado.