Porto, capital das dioxinas
A concentração de dioxinas no Porto está ao nível das metrópoles europeias mais poluídas ou de zonas onde há indústrias sem tratamento de gases. Ninguém sabia disto, até que as primeiras análises do programa de monitorização do ambiente feito pela Lipor revelaram concentrações bastante elevadas daquela substância. Na zona de Lisboa, a Valorsul também está a medir dioxinas, mas a situação não é preocupante.
A população do Porto respira níveis elevados de dioxinas - a substância tóxica e cancerígena que tem estado no topo da actualidade, devido ao caso da contaminação de frangos e outros alimentos na Bélgica. Na Rua 31 de Janeiro, no centro da cidade, qualquer cidadão inala as mesmas ou mais dioxinas do que se estivesse em Milão - uma das metrópoles mais poluídas da União Europeia - ou se morasse ao lado de uma importante fonte de contaminação na Alemanha ou na Holanda.Este retrato até agora desconhecido começa a ser revelado pelas medições realizadas no âmbito do programa de monitorização da qualidade do ambiente que está a ser feito pela Lipor - a empresa que trata dos lixos da sete concelhos da região do Porto. O programa da Lipor - que será apresentado hoje, num seminário na Exponor - pretende, nesta fase inicial, determinar qual é o estado do ambiente na região, antes da entrada em funcionamento da incineradora de resíduos sólidos urbanos que está a ser construída em Crestins, Maia, e que deverá estar totalmente operacional no final do ano. As primeiras análises sobre dioxinas foram realizadas no Verão do ano passado. As amostras foram recolhidas pelo Instituto de Ambiente e Desenvolvimento (IDAD), da Universidade de Aveiro, e enviadas para o laboratório alemão Ergo. Os resultados surpreenderam os próprios alemães, de tal modo que se sugeriu a duplicação do número de análises no Inverno.Os dados então recolhidos confirmaram o que se havia verificado no Verão: havia concentrações bastante altas de dioxinas tanto no centro do Porto, como na zona de implantação da incineradora. "Estávamos à espera de uma distinção, mas os valores são igualmente elevados nos dois sítios", afirma Miguel Coutinho, investigador do IDAD. Os valores chegaram a atingir quase 500 fentogramas de dioxinas por metro cúbico de ar. Em termos absolutos, é uma quantidade mínima, difícil de conceber - um fentograma é um milésimo da milionésima parte de um milionésimo de grama. Mas o facto de se medirem concentrações tão irrisórias é um sintoma da preocupação que existe sobre a elevada toxicidade das dioxinas - apesar das incertezas sobre alguns dos seus efeitos sobre a saúde humana, a longo prazo.Os resultados são bastante variáveis, mas confirmam a ocorrência de vários picos de concentração de dioxinas, entre os 200 e os 500 fentogramas por metro cúbico. Na Holanda, as áreas próximas de incineradoras de resíduos sólidos urbanos apresentam até 140 fentogramas de dioxinas por metro cúbico. Na Alemanha, nas cidades os valores variam entre 10 e 350 fentogramas. Segundo um estudo recente, em Seveso - localidade italiana onde houve, em 1976, o mais célebre acidente relacionado com dioxinas -, ainda existe no ar uma concentração média de 260 a 350 fentogramas. O mesmo estudo compara estes dados com a cidade de Milão, com uma média de 220 fentogramas e cujo máximo medido foi de 480 fentogramas. A elevada poluição com dioxinas no Porto e em Crestins é um problema para a incineradora da Lipor. Embora se estime que a emissão de dioxinas da incineradora seja mínima, "o acréscimo será sobre um referencial já alto", avalia Fernando Leite, administrador da Lipor. Se a situação fosse já conhecida antes, poderia ter até influenciado a escolha da localização da central da Lipor. Mas ao mesmo tempo, segundo Fernando Leite, "teria determinado a necessidade de algumas acções do Estado para corrigir situações anómalas de outras fontes de poluição".Na prática, porém, a situação existente no Porto não seria conhecida tão cedo, caso não estivesse a ser construída a incineradora. Até hoje, nunca houve nenhuma tentativa oficial para se fazer um retrato das dioxinas nas zonas urbanas e industriais em Portugal. "A preocupação com os poluentes orgânicos é maior agora", justifica Gabriela Borrego, subdirectora-geral do Ambiente. Além disso, segundo esta responsável, não se imaginava que haveria situações problemáticas no país - o que veio a ser contrariado pelos dados agora revelados. Outro factor importante é o custo das análises de dioxinas, entre os 150 e 200 contos por cada determinação.No lugar do Estado, são as empresas responsáveis pelas duas únicas incineradoras de lixos no país - a Lipor, no Porto, e a Valorsul, em Lisboa - que estão a fazer uma primeira aproximação à realidade desconhecida das dioxinas no ar em Portugal. Ambas estão obrigadas a realizar um rigoroso programa de monitorização ambiental, que inclui o rastreio às dioxinas, uma vez que as incineradoras são, potencialmente, uma das maiores fontes de emissão dessa substância. No Porto, sabe-se agora que a contribuição de outras fontes já existentes supera em muito o que a central da Lipor deve lançar para a atmosfera. Uma estimativa teórica feita pelo Instituto de Ambiente e Desenvolvimento aponta o dedo às incineradoras de resíduos hospitalares e às indústrias de metais não ferrosos. Num cenário conservador, todos os anos são emitidos oito gramas de dioxinas para o ar por ano na região, dos quais 57 por cento vêm das pequenas metalúrgicas e 40 por cento dos hospitais. Num quadro mais pessimista, estariam a produzir-se 31 gramas de dioxinas anualmente, com os rudimentares fornos de incineração dos hospitais a responderem por 85 por cento deste volume.Outras indústrias, o tráfego automóvel e o aeroporto também contribuiriam com uma pequena parcela. O facto de o local de amostragem no Porto - a Rua 31 de Janeiro - estar relativamente afastado do que se supõe serem as maiores de fontes de emissão de dioxinas ilustra bem como os poluentes atmosféricos podem ser transportados pelos ventos, exercendo a sua influência longe do seu local de origem.A concentração de dioxinas na zona do Porto continua a ser registada mensalmente, tanto no centro da cidade como na zona de implantação da incineradora. Depois desta pré-caracterização, prevê-se que as medições sejam trimestrais. Também está a ser analisada a concentração de dioxinas no solo, leite, ovos e no fígado das galinhas. Embora já haja alguns dados, eles ainda não são conclusivos, segundo Miguel Coutinho.