Kfor com ordem para avançar
A força de manutenção de paz para o Kosovo (Kfor) estava ontem à noite preparada para entrar na província da Jugoslávia, depois de o Conselho de Segurança das Nações Unidas ter aprovado a resolução sobre o plano de paz dos sete países mais industrializados mais a Rússia (G8), e de o Conselho Permanente da NATO ter dado ordem para avançar. De acordo com o plano, o território foi dividido em cinco zonas administrativas, controladas por outros tantos países. Só o papel da Rússia continua por definir. Moscovo, que admitiu não ter dinheiro para enviar um contingente, exige o controlo absoluto de uma zona do Kosovo, condição que a NATO não está disposta a aceitar.Ontem, representantes militares norte-americanos tentavam negociar em Moscovo uma forma para os russos desempenharem um papel no processo de pacificação do Kosovo. Segundo o dirigente da delegação russa, general Leonid Ivachov, há 2500 pára-quedistas russos prontos a ser deslocados para o Kosovo mas, frisou, "não poderão ser colocados sob o comando da NATO". É devido a este princípio, explicou o general, que a Rússia exige administrar, sob os auspícios das Nações Unidas (ONU), uma região. Essa reivindicação foi imediatamente rejeitada pelo subsecretário de Estado norte-americano, Strobe Talbott, que está em Moscovo, e pela secretária de Estado, Madeleine Albright, que, em Washington, foi peremptória: não haverá sector russo pois isso levanta um sério risco de se materializar uam divisão no Kosovo (a presença dos russos era esperada com particular interese pela população sérvia do Kosovo, que vê nos aliados de Moscovo uma fonte de segurança).A reunião ente russos e norte-americanos foi interrompida para que Leonid Ivachov conversasse com representantes suecos, neutrais. Depois desse encontro, o general russo mudou de discurso, deixando de falar num sector russo e começando a referir-se a "uma zona especial de responsabilidade". Até ao final do dia de ontem, a mudança de discurso não tinha impressionado os norte-americanos. Mas não é só a questão semântica que está a pôr em causa a participação russa no processo de paz no terreno. Depois de ter anunciado o envio de dez mil homens para o Kosovo, o Kremlin começou a falar de dois mil, no máximo 2500. Como explicou o primeiro-ministro, Serguei Stepachin, as Forças Armadas russas estão "num estado catastrófico" e não há dinheiro para manter a operação - 150 milhões de dólares por ano segundo o Governo, 300 milhões segundo fontes militares ouvidas pelos jornais russos de ontem. Segundo analistas ouvidos pela Reuters, um dos motivos porque a Rússia pretende representar a ONU no Kosovo é que, desta forma, seria esta organização a financiar parte da operação. Ainda assim, os cofres do Kremlin teriam que contribuir com uma grande fatia, de que neste momento não dispõe. Apesar de todos estes entraves, os enviados norte-americanos em Moscovo afirmaram que ainda é possível encontrar-se uma estrutura para a participação da Rússia na operação.A Kfor é composta por 50 mil homens de mais de 30 países (da NATO e seus parceiros). As primeiras forças a entrar no Kosovo foram ser as britânicas (13 mil homens) e as francesas. Os britânicos, cuja porta para o Kosovo foi a Macedónia (onde ontem se concentravam 18.500 militares), vão ocupar Pristina, a capital kosovar onde estará instalado o comando da Kfor (o general pára-quedista britânico Michael Jackson será o líder supremo no terreno). "Não posso garantir que não se registem perdas humanas", afirmou o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, referindo-se ao perigo das minas, 800 mil só na zona fronteiriça com a Albânia segundo cálculos ocidentais. Já Michael Jackson foi muito cauteloso nas declarações que fez aos jornalistas - quando questionado se a Kfor iria auxiliar os investigadores que vão procurar criminosos de guerra no Kosovo, limitou-se a dizer que a sua missão é ajudar, incondicionalmente, todas as organizações que estejam no terreno.A NATO decidiu ainda abrir um segundo corredor de entrada, através da Albânia, por onde deverão passar, no sábado, tropas alemãs em direcção a Prizren, no sudoeste do Kosovo, onde existem os maiores receios de vazio de poder. A Kfor vai ter poderes ilimitados na sua função de manutenção de paz. Para já, a prioridade é formar um governo militar para esta província da Sérvia e esse governo (leia-se comando) terá autoridade "para fazer tudo o que for necessário e apropriado, incluindo o uso da força"para realizar o seu trabalho, conforme afirmou ao "Washington Post" uma fonte militar. A formação de uma polícia internacional e de unidades locais de policiamento é uma das prioridades da parte civil deste plano.Outras unidades são esperadas hoje, que serão acompanhadas por jornalistas. Mais de 600 pediram uma creditação junto da NATO, mas a Aliança Atlântica deixou claro que não permitirá que esta operação se torne mediática e se repita o cenário de 1992 na Somália - quando as forças norte-americanas desembarcaram, por mar, as câmaras de tv, montadas na praia, transmitiram a operação em directo. As forças sérvias comçaram ontem de manhã a retirar do Kosovo e, segundo o seu comando, o plano será cumprido sem falhas nos onze dias previstos pelo plano de paz. Segundo testemunhou o enviado da Reuters, centenas de carros de combate começaram a rodar pelas estradas em direcção a outros pontos da Sérvia. E, apesar de os soldados enfrentarem os jornalistas com o sinal da vitória - que na Sérvia se faz com três dedos -, havia lágrimas no rosto de muitos deles. Para os sérvios, foi a derrota. Para os aliados da NATO, só agora a verdadeira batalha vai começar - terão que reconstruir o Kosovo, fazer regressar os refugiados, tornar-se polícias, administradores e operários de construção.