Regresso a Sarajevo
"Bem-Vindo a Sarajevo" é um filme sobre jornalistas, sobre repórteres de guerra na capital bósnia em tempos de cerco, em tempos de conflito civil. A história de um jornalista da equipa da ITN num hotel sem electricidade, o famoso Holliday Inn, muito danificado pelos bombardeamentos por se encontrar quase junto à linha da frente. Da rotina dos jornalistas numa cidade em guerra, das noites de tédio, dos intermináveis jogos de cartas ou conversas de sedução e circunstância, com a vida por um fio. Com o desejo de viver a vida a cada segundo, e com a expectativa de partir, à primeira informação, para mais uma reportagem, para registar mais sangue, mais vítimas, mais dor. Um filme sobre os segredos nocturnos da cidade sitiada, das relações muito particulares entre repórteres em situação de guerra, e também do circo de políticos e de organizações humanitárias envolvidos na crise. As primeiras imagens a preto e branco são da conquista de Vukovar pelos sérvios da Croácia e pelos restos do exército federal em Novembro de 1991. Uma cidade destruída e soldados triunfantes a passearem-se por ruínas entre colunas de refugiados. Depois, o filme propriamente dito. A cores, a Sarajevo de antes da guerra, a cidade que organizou os Jogos Olímpicos de Inverno de 1984, a alegre capital da Bósnia-Herzegovina multiétnica. A cores, um casamento sérvio abruptamente interrompido após o disparo de um atirador furtivo ("snipper") muçulmano que matou a mãe da noiva, em Março de 1992. O pretexto para o início quase imediato da guerra civil. A cores. É também um filme sobre as relações entre os jornalistas na cidade sitiada pelas tropas de Radovan Karadzic (a legendagem do nome está incorrecta) e a sua população. Das particulares relações de amizade entre o protagonista com o motorista Risto, que será abatido por um "snipper" no seu quarto. Quase no fim da película, no reencontro com o seu amigo inglês na capital, Risto estava mais calejado e frio: "O cerco é Sarajevo. Já matei. É terapêutico." Um filme que pode ser "gratuito", que não é sobre a guerra civil na Bósnia mas sobre o jornalismo de guerra. Com imagens de guerra, entre a realidade e a ficção. Uma "epopeia trágica" centrada na obsessão de fazer passar as imagens do horror por todos os meios. "Notícias como entretenimento, odeio", diz um deles. Outro chega a definir-se a si e aos seus camaradas como"abutres atarefados", pouco antes de partirem em reportagem quando chega a notícia da queda de um morteiro que provoca mortos, feridos, sangue. "Greg, filma o pão, as hortaliças, o olho deste homem...", diz o repórter para o "cameraman". É um filme onde também se aflora o dilema sobre quem deve assumir o protagonismo: a situação por si própria, ou o jornalista que a relata. Informar, ou assumir o protagonismo?Michael, o jornalista desta história, estabelece uma relação de afectividade com uma miúda de um orfanato, situado na linha da frente. E perde por isso algumas histórias com forte impacto mediático como os famosos "campos de detenção". Um jornalista "em campanha", comprometido - apenas é fornecida a perspectiva do interior de Sarajevo, onde os jornalistas também estão cercados, também são alvos. Os sérvios, a população sérvia, que sofreu igualmente, está quase ausente. E neste filme também se referem as preocupações do Governo muçulmano em impedir a saída da população da cidade, o seu principal trunfo político...Realçam-se as declarações desconjuntadas dos políticos, as visitas de Mitterrand ou de Butros-Ghali à cidade sitiada pelas tropas de Karadzic e Ratko Mladic. "Não esperem que se faça algo, para já não é possível...", dizem dirigentes políticos ocidentais. Fez-se mais tarde, com o acordo de Dayton. É um filme-documentário, que toma partido pela população que sofre e morre. E o jornalista consegue "salvar" Emira através de uma "cunha", leva-a para Londres, para a sua família, e a criança é bem recebida. O regresso à "normalidade" para Emira, a sua conversa telefónica com a mãe que está viva em Sarajevo, mas a rapariga já não fala "bósnio", apenas se lhe dirige em inglês. E, quando as crianças estão a ser transportadas de autocarro de Sarajevo para Split após inúmeras complicações burocráticas, surgem por fim sérvios, os "tchetniks" que cercavam a capital bósnia. Um deles gadelhudo, agressivo, descontrolado. Interceptam o autocarro, "raptam" crianças com nomes sérvios ortodoxos, arrastam-nas de forma violenta e, quando partem na sua carrinha militar, erguem os três dedos em triunfo: "Viva a Sérvia!"Um filme comprometido que fornece um registo da mais violenta guerra civil na Europa desde 1945. Antes do início de um conflito semelhante, no Kosovo, que entretanto se generalizou.