O fim de "Nino" Vieira
Ao fim de 11 meses de tenaz resistência, o reinado de "Nino" Vieira chegou ao fim, com um refúgio inglório na residência do embaixador de Portugal em Bissau, depois de aparentemente recusado pelos franceses em quem ele mais confiava. A Junta Militar de Ansumane Mané dirigirá transitoriamente o país, até que os deputados se reúnam para empossar na chefia do Estado o actual Presidente da Assembleia Nacional, Malan Bacai Sanhá. Este conta já com o beneplácito do Senegal. Quanto a "Nino", poderá seguir hoje para Lisboa, no mesmo avião em que Portugal deverá levar a Bissau o primeiro-ministro Francisco Fadul, que os acontecimentos surpreenderam na Europa.
Dezenas de mortos foi o balanço das últimas 18 horas de João Bernardo Vieira no poder, ao fim de 18 anos e meio de uma atribulada Presidência que não deixou saudades à maioria dos cidadãos da Guiné-Bissau.Trinta vítimas num centro de formação profissional mantido pela Igreja Católica no Alto Bandim, subúrbios de Bissau e mais algumas dezenas noutras zonas enlutaram um povo que, no entanto, saiu para a rua a festejar a espécie de pesadelo que foi, para muitos, o último ano de "Nino" Vieira na Presidência da República. Nesta última fase da guerra, iniciada quinta-feira ao fim da tarde, depois de o chefe de Estado ter recusado desarmar o batalhão presidencial, as forças da Junta voltaram elas próprias a armar-se e tomaram de assalto a sede do poder, o velho palácio dos governadores coloniais, perante a impassividade da Ecomog, força de intervenção da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO).Incapazes de resistir por mais tempo, os poucos militares leais a "Nino" renderam-se ontem ao princípio da tarde enquanto ele tentou procurar refúgio no Centro Cultural Francês. Aqui funcionava provisoriamente, desde o Verão passado, a embaixada da França, devido à destruição das primeiras instalações.Face à aparente recusa de Paris em lhe conceder asilo político - ele que tantas vezes se acolhera à sombra da França -, o Presidente acolheu-se nas instalações residenciais da diocese de Bissau e daí negociou a ida para a residência do embaixador de Portugal, num carro com bandeira branca. Elementos da Junta estiveram nas instalações diplomáticas de Portugal e é possível que João Bernardo Vieira siga hoje mesmo para Lisboa, num aparelho da Força Aérea Portuguesa que deverá trazer a Bissau o primeiro-ministro Francisco Fadul (Ver texto abaixo). Não se sabe ao certo se estará interessado num exílio em Portugal, mas também já se aventou a hipótese de ir para Moçambique.Com ele está a mulher, Isabel Romano Vieira, enquanto na residência episcopal se encontram dois dos seus conselheiros, Avito José da Silva e Cipriano Cassamá, não havendo conhecimento de nenhuma destacada figura entre as baixas desta semana.Foi numa viatura com bandeira branca hasteada que o Presidente chegou ao portão da residência do embaixador António Dias, na rua de Lisboa, a alguns minutos do seu palácio, que entretanto era saqueado pela população, tendo sido ateado fogo em algumas das divisões do primeiro andar.Para já, a Junta Militar constituída em Junho do ano passado assumiu plenos poderes, enquanto a Assembleia Nacional não se reúne, até segunda-feira, para oficializar a previsível tomada de posse do seu Presidente como chefe de Estado interino, até à realização de eleições gerais, que porventura não serão possíveis antes do fim deste ano.Entretanto, a Rádio Voz da Junta Militar (ex-Bombolom) é a única a emitir, uma vez que as tropas de Mané neutralizaram a Rádio Nacional, que já funcionava aliás com pouco potência. E televisão na Guiné-Bissau é coisa que não existe há 11 meses, desde o desencadear do levantamento contra "Nino" Vieira. A emissora dos militares falou de "ferozes combates" durante a noite de quinta-feira e a manhã de ontem, tendo morrido muitos "aguentas", os jovens que o Presidente da República mandara formar à pressa na República da Guiné (Conacri), numa última tentativa para ainda se aguentar no poder, depois da retirada dos militares senegaleses que em princípio a ajudaram face à rebelião.Enquanto isto, tendo constado que o Presidente se teria alojado no Centro Cultural Francês, também ele foi saqueado e incendiado. Os funcionários diplomáticos que lá se encontravam, assim como os comandos franceses, num total de 30 pessoas, pediram asilo nas instalações diplomáticas portuguesas, as únicas que a população de Bissau estaria na disposição de respeitar. Oficiais da Junta Militar imploraram a Portugal que recebesse os franceses, de modo a que nada lhes acontecesse, perante a fúria da multidão, que ao longo dos últimos 11 meses por diversas vezes acusou Paris e Dacar de estarem a ajudar "Nino" Vieira a manter-se no poder, contra a vontade de praticamente todo o povo.A meio da tarde de ontem, o ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Hubert Védrine, telefonou ao seu homólogo português, Jaime Gama, para lhe agradecer o asilo recebido na Rua de Lisboa, por onde tem passado grande parte da vida guineense nestes últimos 16 anos. Ao mesmo tempo, em Évora, o primeiro-ministro António Guterres admitia a disponibilidade portuguesa para conceder asilo político ao segundo Presidente da Guiné-Bissau, caso ele o solicite, como o fez o seu antecessor, Luís Cabral, que está a viver na zona de Lisboa.Uma vez "Nino" fora de Bissau, Francisco Fadul deverá remodelar o Governo de Transição, substituindo possivelmente alguns dos ministros designados pelo Presidente agora deposto. *Com Jorge Heitor