O melhor bluegrass do planeta

Ainda com o céu encoberto pela presença dos Death in June em Portugal, a folk volta a brilhar através das nuvens, deixando ver o rosto de um anjo. "Le Jardin de L'Ange", o jardim dos anjos, é o mais recente álbum a solo de Eric Montbel, dos Lo Jai, depois de "Chabretas, les Cornemuses à Miroirs du Limousin" e "Ulysse". Executante de váras modalidades de gaita-de-foles ("cornemuse"), mas também, neste caso, de flauta e órgão de foles, Montbel subintitulou este seu trabalho, "Noëls, Cantiques, Miracles & Merveilles", uma colecção de instrumentais e temas vocalizados das regiões de Nivernais, Périgorde e Provença, em que a religiosidade se casa com um sentido estético apurado e uma dose equilibrada de erudição. A entrada, muito Lo Jai, com "D'où vient-tu betrgère?" evolui com subtileza para uma música de carácter religioso, acentuado por um par de vocalizações da soprano Marie Rigaud e pelo órgão de igreja. Sylvie Berger, pelo contrário em temas como "D'où vient-tu betrgère?", "Saint Pierre qui porte la croix" ou "le jour de Pâques fleuries", faz lembrar a saudosa Marie Yacoub. Contando com a presença de Renat Jurie (vocalista convidado em dois temas) e com outro músico dos Lo Jai, Guy Bertrand (voz, sanfona, flautas e clarinete de bambu), "Le Jardin de L'Ange" combina, de forma admirável, o sagrado e o profano, indo, decerto, corresponder às expectativas, quer dos apreciadores de folk, quer dos de música antiga. (Al Sur, distri. Megamúsica, 9).

O melhor country-rocker da actualidade, Steve Earle, o homem preso por pose de narcóticos e pelos seus seis casamentos, não pára de nos surpreender. Desde que regressou dos anos de sombra, praticamente só nos deixa obras-primas, seja "Train A Comin'" de 1985, o "I Feel Alright" de 1996 ou o "El Corazón" de 1997. Desta vez, com "The Mountain", Steve Earle presta homenagem ao bluegrass e especialmente a Bill Monroe, reunindo-se para isso com um naipe de músicos de excepção e uma das melhores bandas de bluegrass da actualidade: The Del Mcoury Band. Todos os temas, compostos em exclusividade por Steve Earle, são-nos apresentados de bandeja na perfeição acústica que só uma banda como os The Del Mcoury podem dar. Ouça-se "Texas Eagle", com que o álbum abre, e perceba-se como o que podia ser um tema de country-rock rasgado se transforma maravilhosamente em bluegrass através da perfeição cristalina do bandolim de Ronnie McCoury, do violino diabólico de Jason Carter e do banjo sem falhas de Rob McCoury. Steve Earle, esse, canta, com o mesmo tom de desafio sulista de sempre, por muito que a roupagem musical o pareça colocar nas montanhas da Virginia. Em "Carrie Brown", Steve reinventa as velhas "murder ballads" das montanhas, como se tivesse vivido nos Apalaches no tempo da Depressão. Em "I'm still in love with you", Steve partilha uma balada de partir o coração com a voz pura de Iris de Ment e em "Graveyard shift" explica musicalmente porque no fundo blues, bluegrass, country, folk, é tudo a mesma coisa, partindo tudo daquele território único que é o "deep South" (Sul profundo). "Harlan man" é country rock à Steve Earle tocado com instrumentos de bluegrass, dando ao tema uma intensidade sonora só possível com um bando de músicos como os da The Del Mcoury. "The mountain" é um hino sentido à vida das montanhas e aos Apalaches e "Connemara breakdown" o bluegrass em toda a sua fantasia. Quem gosta do lamento do dobro ouça "Leroy's Dustbowl blues", onde este coexiste a uma velocidade impressionante com os restantes instrumentos. Magnífico. "Pilgrim", que Earle cantou no funeral do baixista Roy Huskey, é tristíssima mas bela - ouça-se lá ao fundo as vozes de Emmylou Harris, Gillian Welch, Kathy Chiavola. Desde que saiu da prisão, Steve Earle tem-nos deixado alguns dos melhores álbuns da música popular norte-americana actual, aquela que não passa na televisão. Como escreveu uma vez Steve Earle: "Como eu odeio a MTV..." (9)E-Squared, distrib. Valentim de CarvalhoCom a banda sonora do filme "The Horse Whisperer", Robert Redford pretendeu homenagear a vida livre e solitária dos "cowboys" nos grandes espaços do Oeste americano, a vida no rancho, mais concretamente num dos estados mais selvagens e impolutos dos Estados Unidos, o Montana. Tratando-se de um objectivo a atingir com a colaboração de 12 diferentes artistas country, é notável a homogeneidade do projecto, mesmo quando entra em cena um outro elemento inesperado, como é o acordeão muito cajun de Sip Edwards em "Cattle call". Allison Moorer, por seu lado, canta uma das mais belas baladas country do ano passado, "A soft place to fall", enquanto Lucinda Williams traz para a banda sonora um velho e belíssimo tema romântico do seu reportório: "Still I long for your kiss". Flutuamos depois pelas ondas retro de "Dream river" e a voz de crooner de Raul Malo e uma das mais atormentadas vozes femininas dos últimos tempos, Gillian Welch, canta a desolação da fuga em "Leaving train". Verdadeiros hinos à vida nas Montanhas Rochosas são "Cowboy love song", de Don Edwards, acompanhado delicadamente pelo som precioso do dobro de Norman Blake e o bandolim de Rich O'Brien e "Me and the eagle", um grito à liberdade das montanhas da autoria de Steve Earle: "I've traveled around I've seen city lights but nothin' that shined like the big sky at night."O álbum termina tão bem como começa, com a velha balada tradicional "Red River Valley", cantada pelo "cowboy" cantor texano George Strait. Esta é talvez a melhor banda sonora country desde "Um Mundo Perfeito" de Clint Eastwood. (8)MCA, distri. MCA O sucesso do último álbum- "Industry and Thrift"- da menos ortodoxa de todas as bandas de bluegrass, o trio Bad Livers, levou à reedição da sua primeira obra, "Dust on the Bible", de 1991, uma colecção de temas de gospel em fundo bluegrass que até agora só estava disponível em cassete. Para os fãs dos Bad Livers, habituados ao bluegrass pouco tradicional da banda, entre o primeiro e o punk, este disco pode surpreender. Produzido em casa de Danny Barnes num gravador de quatro pistas alugado numa loja de Austin, Texas, "Dust on the Bible" não poderia soar mais genuíno, entre o trombone de Mark Rubin, que já é imagem de marca do trio, e o banjo de Barnes. Muitos dos temas foram aprendidos por Barnes na Igreja de Belton, no Texas, onde cresceu. O disco nunca foi gravado com intenções comerciais, mas sim como uma prenda de Natal, distribuída aos amigos em cassete. Acontece que, quando, em 92, a banda começou a tornar-se conhecida, a gravação era a única que o trio tinha para oferecer aos A&R das editoras. O sucesso actual dos Bad Livers, que levou à sua reedição em 98, permite perceber o background de uma banda inovadora num estilo musical habitualmente conservador e preso às raízes mais do que antever o caminho progressista que envolveria a banda daí para a frente. Excelente a fusão de temas gospel com o som bluegrass dos Bad Livers. (7)

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