O risco da alucinação colectiva
Baixar as expectativas que os militantes criaram em torno do seu nome, será a primeira missão de Durão Barroso. O futuro líder do PSD quer preparar o partido para "cair na realidade" do difícil combate que é vencer as eleições legislativas. Sem adversários, com a eleição garantida, mobilizar o partido pondo água na fervura, são os principais objectivos de Barroso para o Congresso do PSD que hoje começa em Coimbra. Ontem, ao final da noite, ainda não se sabia se Marcelo vai hoje à sessão inaugural. E se fala. Leonor Beleza, a sua primeira vice-presidente, é que não está para aí virada...
Sem adversários, Durão Barroso enfrenta no Congresso do PSD um risco que o poderá neutralizar a prazo: as expectativas inflacionadas. Num partido que teve dificuldades em conviver com o calvário oposicionista, Durão aparece como o "salvador da pátria" a mês e meio das europeias e a menos de seis meses das legislativas. Também aqui o mito da herança cavaquista - que em quatro meses conquistou o partido e chegou ao Governo - poderá ser arrasador para o futuro líder. O PÚBLICO soube que uma das preocupações barrosistas é evitar uma eventual alucinação colectiva, que faça o PSD sonhar que num passe de mágica consegue o regresso rápido ao governo."Pôr água na fervura" deverá ser, assim, um dos eixos dos discursos que Durão Barroso fará no Congresso, de modo a moderar as "perigosíssimas expectativas" (no dizer de um seu colaborador) que lhe estão adjacentes. Durão deverá assim explicar às massas que visualizem o retorno ao poder no próximo futuro que "não é o super-homem", que o partido lhe chegou às mãos num momento péssimo, que a vitória é difícil e não se sabe se é "nossa"... Lidar com as expectativas exacerbadas é quase tão difícil como com o unanimismo reinante, que em muitos casos é meramente táctico. Alberto João Jardim disse alto o que muitos falam baixinho: declarou o seu apoio a Barroso, mas exigiu-lhe a vitória nas legislativas, proclamando que "sem vitória, abre-se uma crise". Durão vê assim o feitiço virar-se contra o feiticeiro - estava à espera que o partido julgasse Marcelo nas urnas, mas por uma terrível ironia do destino, o julgamento que está marcado para Outubro é o seu.Ao unanimismo não é alheio o facto de ser Durão Barroso a produzir e realizar a lista de deputados, afinal, a mesma razão que levou muitos militantes a não afrontarem Marcelo e a AD. O "aparelho" que sofre com as proclamadas intenções do futuro líder de "decidir sozinho" levou um abanão com a escolha de Pacheco Pereira para cabeça-de-lista ao Parlamento Europeu (era precisamente Pacheco o maior teórico anti-aparelho à solta), mas conformou-se, até porque Durão contentou uma fatia substancial dos barões regionais, a começar em Valentim Loureiro e a acabar nos Açores. E tudo indica que seja na linha de "mudar, mas devagar" que Durão Barroso vá trabalhar até às legislativas. Durão Barroso instalou-se no Hotel Tivoli, rodeado dos seus homens de confiança, que, naturalmente, estarão na primeira linha dos comandos do novo PSD. Nuno Morais Sarmento (o braço-direito de Durão, que tem a seu cargo a difícil tarefa de fazer as listas), António Capucho (o secretário-geral demitido por Marcelo), António Neto da Silva (ex-secretário de Estado de Cavaco Silva e amigo pessoal do futuro líder), José Luís Arnaut, Fernando Reis (presidente da câmara de Barcelos) José Correia (antigo chefe de gabinete nos tempos do ministério dos Negócios Estrangeiros), Miguel Relvas (presidente da distrital de Santarém, que se aproximou do barrosismo no congresso de Tavira), Feliciano Barreiras Duarte (presidente da Assembleia Municipal do Bombarral, que liderou a luta contra as portagens do Oeste), Henrique Freitas (jurista no grupo parlamentar do PSD). Dias Loureiro (que recusa ter funções executivas, podendo assumir a presidência de um órgão mais simbólico, como o Conselho Nacional ou a Mesa do Congresso) e Eurico de Melo (idem, aspas) vão ser outros dos mais próximos interlocutores do líder que sairá do Congresso de Coimbra. Mas, apesar da aproximação a Barroso, o antigo ministro da Administração Interna optou por ficar no Hotel da Quinta das Lágrimas, do seu amigo José Miguel Júdice. Mira Amaral (que também esteve com Durão no congresso que o opôs a Fernando Nogueira) também deverá ser "captado" para a nova direcção.Mas no Tivoli vai ser ainda possível encontrar alguns dos principais "resistentes" - chame-se-lhe assim, com aspas, tal é o unanimismo que rodeia o nome de Barroso - ao futuro líder. Pedro Passos Coelho e Pedro Pinto, dois ex-líderes da JSD, que se preparam para apresentar uma lista ao Conselho Nacional e redigiram uma moção ao Congresso, também vão ficar instalados no mesmo hotel. As últimas horas do "marcelismo" foram idênticas às primeiras, quando Marcelo Rebelo de Sousa chegava a dar três conferências de imprensa num dia. Só que, ao contrário dos primeiros tempos "frenéticos" de Marcelo à frente do PSD, a sensação dominante desta direcção era a da indecisão. A comissão permanente, reunida quarta-feira, por exemplo, não sabia ainda se Marcelo Rebelo de Sousa se iria deslocar hoje ao Pavilhão da Académica de Coimbra, para participar na sessão inaugural do Congresso. E muito menos se falaria.Elaborando num cenário em que Marcelo estaria ausente, a direcção inclinou-se para que fosse Leonor Beleza, primeira-vice-presidente ainda em funções, a discursar aos militantes "laranja", hoje à tarde, no início do Congresso. No entanto, um colaborador de Beleza garantia ontem ao PÚBLICO que Beleza não discursaria. Outro elemento da comissão permanente do PSD, por outro lado, sublinhava que só hoje é que se saberia se Marcelo iria ou não ao Congresso, à sessão inicial. O líder demissionário do PSD já prometeu estar presente. Como Cavaco Silva, que não quer perder a passagem de testemunho de Marcelo para Barroso, seu delfim, e Francisco Pinto Balsemão, outro ex-líder do partido.Aparentemente, a ainda direcção de Marcelo estava dividida. De um lado, os que consideravam que por ter apresentando os seus argumentos na conferência de imprensa da ruptura da AD, não precisava de se explicar agora ao Congresso. Ao fazê-lo estaria, de certa forma, a estragar a festa de coroação de Barroso, sobretudo se falasse à hora dos directos televisivos. Do outro lado, estariam os que consideravam que Marcelo não deveria deixar de se justificar no mesmo palco partidário que lhe deu dois terços dos votos para fazer a sua AD.