Torne-se perito

A oportunidade de Durão Barroso

Durão Barroso é um enigma. Não por se lhe desconhecer a carreira e as ideias políticas. Não por possuir misteriosos traços de carácter. Mas por ser difícil explicar a sua extraordinária empatia com o actual PSD e com o seu eleitorado. E até com a opinião pública. Como se tivesse um especial magnetismo pessoal e político.Aquando do Congresso do Coliseu, que perdeu contra Fernando Nogueira, já era o preferido em todas sondagens para a liderança do PSD. Agora, mal anunciou a sua candidatura ao lugar deixado vago por Marcelo Rebelo de Sousa, o PSD subiu nas sondagens, a sua popularidade cresceu em todos os barómetros e - o que impressiona ainda mais - de um momento para o outro criou-se a ideia de que fazia falta um "novo Cavaco". Durão Barroso, claro. Nos jornais começaram a surgir artigos a elogiar o seu estilo vigoroso (mesmo quando dava sinais de hesitação) e a sua vontade de fazer rupturas (mesmo quando conciliava). Aonde há pouco se teciam loas ao diálogo guterrista, surgiram rápidos aplausos à determinação barrosista. Não basta olhar para o passado político de Durão Barroso para explicar tal empatia. Não basta recordar a sua passagem pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros ou o seu papel na negociação dos acordos de Bicesse, entre o MPLA e a UNITA. Não basta invocar a forma clara como não trocou de ideias apenas para acompanhar o líder do momento - razão porque ficou em minoria em dois congressos. Não basta apreciar a sua imagem urbana ou lembrar o seu verbo claro. Tudo isto não chega. Até porque se poderiam colocar alguns contras no outro prato da balança: não é grande orador, não tem um discurso populista, tem uma imagem algo elitista, não disse "presente" no momento mais difícil do PSD, aparece muito ligado a Cavaco, são poucos os "barrosistas" dentro do próprio partido. Porquê, então, o fenómeno?Quando, há quatro anos, José Miguel Júdice decidiu apoiar Fernando Nogueira contra Durão Barroso disse que o fazia porque entendia que, nessa altura, o PSD necessidade de um pouco de humanidade, de um líder capaz de sorrir e de se mostrar mais próximo das pessoas, de um líder menos hirto e menos frio, mais afável. Podemos discutir se Fernando Nogueira era a pessoa certa para desempenhar esse papel - não pelo seu lado humano, que preenchia os requisitos, mas por causa da sua imagem pública -, mas numa coisa José Miguel Júdice não se enganou: esses eram tempos em que o eleitorado pedia mais doçura na política, tempos pouco próprios para homens providenciais. Julgo que uma boa parte do sucesso imediato de Durão Barroso se deve ao facto de hoje já não vivermos em 1995 - e de o estado de espírito do eleitorado começar a mudar. Na política é assim: há ciclos. Depois dos dez anos de cavaquismo, os portugueses estavam saturados da forma solitária e crua como este geria o país. Preferiram o sorriso e o diálogo de Guterres. Quatro anos depois o ciclo ainda não se inverteu - é por isso que o PS é superfavorito para as próximas eleições -, mas surgem sinais de que, pelo menos, já há quem volte a desejar políticos mais afirmativos. Ou mais duros, se preferirmos. A ideia é: falta quem mande. E quem pode mandar é Durão Barroso. Algumas das reportagens que publicámos nos últimos dias mostram até que ponto o PSD se revê, de novo, num líder deste tipo. Até que ponto o PSD estava saturado de Marcelo, que em muitos aspectos era um duplo do seu amigo Guterres. E até que ponto alguma opinião publicada vai pedindo a vinda dos homens providenciais de que nem queria ouvir falar há quatro anos. Talvez Durão Barroso não valha tanto como a imagem que dele se tem. Talvez seja mais Barroso do que Durão, mais indeciso do que determinado, mais negociante do que inflexível. Mas, para já, não parece, e é com essa realidade da ilusão que se faz a política e se constroem os retratos que o cidadão comum faz dos políticos. Por isso é que Durão pode ser providencial para o PSD e perigoso para o PS. Mesmo que, para já, perca as europeias e as legislativas. O maior trunfo de Durão é, com efeito, a sua imagem pública e, sobretudo, a ideia de que faria um governo com estilo e políticas realmente alternativas. Ele contrasta com Guterres. Os que gostam de Durão não gostam de Guterres, e vice-versa. Ele também não tenta imitar Guterres, não procura ser mais populista e mais "à esquerda". Ele percebeu que não será por apresentar mais políticas sociais, por fazer mais promessas de emprego ou por garantir reformas mais elevadas que um dia derrotará Guterres. Ele percebeu que derrotará Guterres quando convencer os portugueses que é melhor ter um estilo de Governo diferente, mesmo que as políticas económicas e sociais continuem a ser muito iguais (no fundo, foi isso que Guterres fez sem o dizer). Aliás na política moderna, nestes tempos de tutela europeia e de mundialização, de uniformização de políticas, em muitas áreas o que faz a diferença entre a esquerda e a direita é precisamente o estilo - pelo que imitar estilos quando se quer ser alternativa é fatal. Daí a oportunidade de Durão Barroso. O seu estilo parece ser outro - e ele cultiva-o. Em Outubro talvez seja demasiado cedo para ganhar, mas para já a sua simples aparição voltou a dar alguma emoção à corrida eleitoral. Mas se souber esperar - e se o PSD, partido tradicionalmente inquieto, apressado e autofágico, também souber esperar - ele terá por certo outra oportunidade quando o ciclo político mudar. O que sucede sempre em democracia, mais tarde ou mais cedo.

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