Grândola contra privatização de praia de Tróia
O acesso à praia da Soltróia, na península de Tróia, passou a ser condicionado para viaturas estranhas ao empreendimento. A medida, tomada unilateralmente pela associação de proprietários de uma urbanização turística, é contestada pela Câmara de Grândola e pela GNR de Setúbal. É que está em causa um espaço público.
A Aprosol (Associação de Proprietários em Tróia) resolveu limitar o acesso de veículos ao empreendimento da Soltróia, condicionando a utilização de uma praia das imediações. A medida, para a Câmara de Grândola, viola o contrato de concessão de um espaço público municipal. A GNR de Setúbal garante que a iniciativa carece de legalidade e que as pessoas podem solicitar auxilio às autoridades policiais para entrar na urbanização.Em finais de Março, a Aprosol, cuja assembleia geral é presidida pelo general Garcia dos Santos, passou a condicionar o acesso de veículos à Soltróia. Quem quiser banhar-se nas águas e apanhar banhos de sol na praia junto ao empreendimento tem de ultrapassar algumas barreiras. Uma placa colocada à entrada, com a inscrição "Acesso e circulação disciplinados", pode dissuadir quem não tiver uma propriedade no local. E uma cancela, fechada entre as 8h00 e as 19h00, impede mesmo a entrada de viaturas. Quer por o porteiro não ver o dístico colado no vidro do automóvel usado pelos proprietários, quer por o parque de estacionamento estar cheio. Ou por outra qualquer razão.Segundo explicou ao PÚBLICO Luís Pereira, gestor do empreendimento, "ninguém proíbe o acesso das pessoas à praia". Mas o acesso de veículos é condicionado. Isto porque, justificou, "havendo estacionamento para cem carros, se vierem cento e cinquenta os moradores vão ter carros estranhos à porta". Durante a semana o movimento é pouco. Todavia, "ao fim-de-semana é preciso controlar a quantidade de veículos que entram, porque não há capacidade para muito"."Isto é a entrada de um empreendimento e as pessoas se quiserem podem entrar a pé", defendeu o mesmo elemento da Aprosol, argumentando que a medida visa defender os interesses dos proprietários, porquanto se "as pessoas compram casa e chegam ao fim-de-semana e não têm sossego talvez não valha a pena". A Aprosol possui 63 mil contos para a limpeza, jardinagem, segurança e outros serviços. E Luís Pereira diz que, entre outras situações, já foram vistas pessoas a fazer piqueniques em relvados de propriedades privadas.Os seiscentos metros de praia, ao longo dos 200 hectares da urbanização, representam um por cento da costa do concelho de Grândola (são 60 quilómetros). Mas isso não invalida o seu carácter público, e o livre acesso, por exemplo, ao apoio de praia do Soltróia Club, com restaurante, piscina e passadiço de madeira sobre as dunas, comparticipado em perto de 50 mil contos pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. "As pessoas têm tanto direito de andar ali como na Avenida da Liberdade, em Lisboa", salientou o major Luís Moura, que comanda o grupo de Setúbal da GNR, acrescentando que os responsáveis da Soltróia "não têm qualquer legitimidade" para impedir o acesso de pessoas e veículos "a um sítio que é público".Já no ano passado, foram participados às autoridades judiciais dois casos de pessoas impedidas de entrar na Soltróia. Uma prática que era adoptada só nos meses de Verão. Hayder Al-Khedery, proprietário que lançou a Soltróia, citado pelo "Expresso", garantiu que durante a sua gestão "ninguém foi impedido de entrar" e que a Câmara de Grândola "tem de tomar uma atitude firme" para evitar que os proprietários das fases seguintes da urbanização se apoderem de uma faixa costeira que abrangerá 500 hectares.Já este ano, a GNR tomou conhecimento de dois motociclistas a quem obrigaram a deixar as motos à entrada. No entanto, não quiseram apresentar queixas formais. Segundo o major Luís Moura, "a GNR estará atenta" para fazer prevalecer a vontade de automobilistas que sejam impedidos de entrar na urbanização. Para tanto, bastará um contacto para os postos de Tróia (mais perto) ou da Comporta. O desrespeito à ordem de acesso incorre em crime de desobediência. Aliás, pela mesma razão, no Verão passado a Torralta desistiu da intenção de condicionar o acesso de automóveis ao seu complexo turístico. A GNR está também a seguir a existência de segurança privada numa zona pública, como é a Soltróia."O acordo que a Câmara de Grândola tem com a Soltróia não prevê cortar o acesso à praia", afirmou, por seu lado, Joaquim Gonçalves, assessor do presidente da autarquia, considerando que, ao impedir a entrada de viaturas no empreendimento, "a Soltróia está a violar o contrato de concessão". Firmado em 18 de Março último, o contrato entrega à Aprosol a gestão dos espaços verdes, lagos, equipamentos de lazer, arruamentos, caminhos pedonais e parques de estacionamento que servem a urbanização - "e constituem domínio público municipal". Por isso, a autarquia solicitou já uma reunião com a associação, prevista para as próximas semanas, com vista a esclarecer a situação. E fazer com que a legalidade saia do papel...