Um espaço de vida e magia
Este ano, o cromeleque dos Almendres foi o cenário de uma festa do equinócio e da chegada da Primavera. Muitos visitantes cruzaram-se com as pedras do monumento que talvez tenham assinalado certas posições do Sol e o início das estações há milhares de anos. Ouviram falar de monumentos megalíticos e de astronomia e acabaram por ver as brincadeiras de um grupo de saltimbancos ingleses.
As primeiras pedras do cromeleque dos Almendres, a 12 quilómetros de Évora, foram erguidas há cerca de sete mil anos. A pesada tarefa, já que alguns menires deste conjunto megalítico ultrapassam o homem actual em altura, foi progressiva. Teve várias formas e funções sociais e religiosas, como a celebração das estações em comunidades de pastores e agricultores.Os homens do Neolítico ("Homo sapiens sapiens", como nós) construíram o cromeleque por fases, a partir dos finais do VI milénio a.C., ou início do seguinte, até ao início do III milénio a.C. Primeiro, no Neolítico Antigo, segundo a reconstituição do arqueólogo e arquitecto Mário Varela Gomes, foi erigido o recinto mais pequenos, composto por três círculos concêntricos de menires de menores dimensões: o maior mede 18,8 metros de diâmetro, o menor 11,4 metros. Surgiu depois, durante o Neolítico Médio, o segundo recinto: formado por duas elipses concêntricas e irregulares, traçadas por menires de grandes dimensões. A elipse exterior mede 43,6 metros segundo o eixo maior, e 32 metros no eixo menor. No Neolítico Final, como mostra os desenhos publicados, as duas estruturas ter-se-ão degradado e perdido muitas pedras até chegar aos dias de hoje.Identificado em 1964 por Henrique Leonor Pina, o cromeleque dos Almendres tem hoje uma importância mundial. "A quantidade de menires, a dimensão do monumento e o facto de haver muitos menires decorados com gravuras rupestres não são habituais no complexo megalítico europeu", diz Varela Gomes. "É o maior da Península Ibérica e um dos maiores da Europa."Embora ainda não seja muito clara a função dos cromeleques, Luís Raposo, director do Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, fala na hipótese de as pedras servirem para marcar um espaço sagrado. "A ideia prevalecente é de que os menires estavam ligados à delimitação do território - uma delimitação espiritual, simbólica, mágica. Os menires e cromeleques eram delimitadores: aquele era um território mágico ou aonde os homens se deslocavam para cerimónias mágicas." Sendo comunidades ligadas ao ciclo da vida, a criação de um espaço sagrado acaba por remeter para o movimento de astros como o Sol e a Lua, usados para calcular as sucessivas estações e a altura de deitar à terra as sementes. Como não conseguiam compreender os movimentos dos astros no céu, nem as estações ou os ciclos de vida, o inexplicável ganhava uma carga mágica. "É altamente provável que as religiões estivessem ligadas aos astros. Havia o mistério da fertilidade. Não conseguiam explicar como uma planta dava outra planta ou como um animal crescia dentro do ventre, mas achavam que havia forças mágicas", refere Luís Raposo, acrescentando: "Não podemos afirmar com rigor, mas é razoável pensar que nos cromeleques se faziam cerimónias de observação de carácter astronómico, em função de movimentos astrais em certos momentos do ano."O equinócio, que significa a chegada da Primavera no hemisfério norte, poderá ter sido um desses momentos. E, eventualmente, as tribos assinalavam certas épocas do ano recorrendo ao alinhamento entre as pedras e ao lugar onde o Sol desaparecia no horizonte nos equinócios, embora este assunto seja objecto de leituras várias. Seja como for, o cromeleque dos Almendres foi construído segundo uma orientação nascente-poente, como se pode ver na planta do monumento."Os cromeleques não são espaços de morte. São espaços de vida. Por isso, a forma fálica dos menires", diz, por sua vez, Varela Gomes, que escavou os Almendres nos anos 80. O contraponto dos cromeleques são as antas, estes sim monumentos funerários colectivos.O que Varela Gomes lamenta é que o cromeleque dos Almendres, classificado como imóvel de interesse público em 1974, não tenha vigilância contínua e continue inserido numa propriedade privada. "Não faz sentido um monumento daqueles estar na posse de um privado. Nunca houve interesse do Estado em comprá-lo."