A vida é bela em duas frentes
Há cartazes espalhados por todos os transportes públicos de Roma a gritar "Força Roberto!", e há uma grande expectativa em Itália sobre "A Vida é Bela" nomeado para sete Óscares da Academia. É um recorde, já que até hoje os filmes estrangeiros mais nomeados, "Das Boot", de Wolfgang Petersen, e "Fanny e Alexandre", de Ingmar Bergman, tiveram seis nomeações. Para além disso, Benigni acumula as nomeações de intérprete, realizador e argumentista, o que o põe num grupo restrito onde estão Orson Welles ("O Mundo a Seus Pés", 1941), Woody Allen ("Annie Hall", 1977) e Warren Beatty ("O Céu Pode Esperar", 1978, e "Reds", 1981). E é a segunda vez, depois de "Z- A Orgia do Poder", de Costa Gavras (1969), que um filme estrangeiro é nomeado também na categoria de Melhor Filme.Se as notícias que chegam de Los Angeles - por exemplo, através do diário "La Repubblica" - dizem que são fracas as hipóteses de "A Vida é Bela" receber o Óscar do melhor filme face ao poder de "A Paixão de Shakespeare" ou de "O Resgate do Soldado Ryan", não há memória em Hollywood de um filme estrangeiro tocar a comunidade cinematográfica como tocou o de Benigni. No mercado americano já ultrapassou 30 milhões de dólares, o que é inédito para um filme estrangeiro. E a pensar nos Óscares, a Miramax, que distribuiu o filme, estabeleceu uma brutal ofensiva mediática que envolveu a publicação na revista "Variety" de um comunicado em que se dizia que o filme de Benigni era uma das três obras que o Vaticano aconselhava aos fiéis - as outras são "O Evangelho Segundo São Mateus", de Pasolini, e "A Lista de Schindler". Este "media hype" tem originado debates nos meios cinematográficos americanos sobre a pouca visibilidade que o cinema europeu tem na América - "Por cada 'A Vida é Bela' quantos filmes europeus maravilhosos é que não são vistos nos Estados Unidos?", perguntava a programadora da nova sala da Brooklyn Academy, em Nova Iorque, dedicada ao cinema estrangeiro e independente. E tornará mais empolgante o anúncio do prémio na categoria de melhor filme estrangeiro - introduzida na competição em 1956, o ano em que venceu "La Strada", de Federico Fellini - momento que os telespectadores americanos geralmente escolhem para ir ao frigorífico ou fazer "zapping".Em Itália há expectativa popular mas também cepticismo entre críticos e cineastas, já que o filme não despertou unanimidade. "O Óscar poderá dar um empurrão ao cinema italiano mas há anos atrás, com 'Cinema Paraíso', as coisas não se modificaram", lembra Edoardo Bruno, director do Festival de Cinema de Roma e da revista "Filmecritica". Há mesmo quem arrase, como aconteceu na semana passada num colóquio em Roma promovido pela revista "Filmecritica" que reuniu a comunidade cinematográfica num debate intitulado "Novos espaços: da edição ao cinema"."O filme é mau porque não tem um olhar moral e porque é de uma grande pobreza estética", disse Franco Maresco, realizador siciliano, autor de "Il Zio di Brooklyn" e de "Totò que viveu duas vezes" (um filme polémico exibido o ano passado no II Festival Gay e Lésbico, no Fórum Lisboa). "Embora Benigni como actor seja brilhante", concorda. "Faz lembrar Chaplin, recorda a comédia italiana dos anos 30, um cinema de puro divertimento", observou, por seu lado, Edoardo Bruno. Mas sobre a II Guerra Mundial e o Holocausto, continuaram os críticos, "já antes Billy Wilder tinha ironizado, com 'Stalag 17', e a diferença é imensa. Mas isso era quando Hollywood era sinónimo de democracia, de civilização. Agora não. Nos Estados Unidos o tema do holocausto já enoja. Eles não sabem do que falam, porque realmente é algo que não lhes toca. Tudo se banalizou em Hollywood, até o Holocausto".Reina, de qualquer forma, uma certa unanimidade sobre os efeitos da atribuição de um Óscar a uma película italiana. Embora, como diz Edoardo Bruno, "não é o Óscar para Benigni que vai mudar a actual situação do cinema italiano". Em vez do Óscar, o crítico preferia ver o fim do monópolio da produção-distribuição-exibição em Itália, actualmente nas mãos de dois grandes impérios - Cechi-Gori e Berlusconi -, e a abertura do financiamento ao cinema independente.Nas salas italianas "A Vida é Bela" prossegue a sua carreira triunfal. Foi reposto nos ecrãs e na última semana foi mesmo um dos dez filmes mais vistos pelos romanos. Na terra natal de Benigni um escultor já tem pronta uma estátua de bronze com quatro metros de altura para celebrar o Óscar a Roberto.