Era o amigo íntimo de Borges
Foi um mestre das Letras latino-americanas, um perfeccionista do fantástico, amigo íntimo de Jorge Luis Borges, autor de uma pequena obra-prima intitulada "A Invenção de Morel". Morreu aos 85 anos, em Buenos Aires, sua cidade natal.
O escritor argentino Adolfo Bioy Casares, o grande amigo de Jorge Luis Borges, um mestre e um dos mais importantes escritores latino-americanos de sempre, morreu na segunda-feira, em Buenos Aires. Tinha 85 anos. O seu belíssimo romance "A Invenção de Morel", um livro perfeito como Borges o classificava, foi considerado pela crítica como "uma obra-prima de inspiração fantástica".Borges escreve no prólogo da edição portuguesa: "Discuti com o autor os pormenores do enredo, reli-o; não me pareceu uma imprecisão ou uma hipérbole classificá-lo de perfeito". E mais adiante, Borges diz: "Casares desdobra uma odisseia de prodígio, que não parece admitir outra chave senão a alucinação ou o símbolo, e acaba por os decifrar completamente por meio de um único postulado, fantástico mas não sobrenatural"."A Invenção de Morel" é um livro incompreensivelmente pouco conhecido dos leitores portugueses, que a editora Antígona publicou em 1984, numa tradução de Miguel Serras Pereira e Maria Teresa Sá, a partir da edição da Emecé Editores, de Buenos Aires, datada de 1968. Para o editor português, Luís Oliveira, trata-se simplesmente do "único romance cinematográfico conhecido, baseado em imagens abstractas, uma história de amor cujas respostas são dadas por uma máquina, que é a máquina do cinema". É de facto uma história de amor sem personagens, uma história de amor marcada pela construção alucinada de uma figura feminina, mitificada numa espécie de jogos de espelhos, uma paixão inatingível e ao mesmo tempo uma história de aventuras que se situa na fronteira da realidade, um exemplo acabado do fantástico, vindo de uma linha - aperfeiçoando-a-, onde podíamos situar, por exemplo, Poe ou Hoffmann, onde também vive o próprio Borges. Foi, aliás, com Jorge Luis Borges (falecido em 1986), que conheceu em 1932, que Casares escreveu novelas policiais e concebeu uma antologia de literatura fantástica. Com ele escreveu vários livros assinando com pseudónimo, nomeadamente com o de Bustos Domecq de que é exemplo a recolha de contos "Seis Problemas para Don Isidro Parodi" de 1943."Sempre tentei fugir do fantástico, mas ele agarrava-me de imediato", dizia Bioy Casares, autor que foi contemplado em 1991 com o Prémio Cervantes, a mais alta distinção literária de língua espanhola.Adolfo Bioy Casares nasceu a15 de Setembro de 1914 em Buenos Aires e foi desde criança apaixonado pela literatura. Escreve a sua primeira novela aos 11 anos, "Iris y Margarita", para uma prima por quem estava perdidamente enamorado. Desde essa altura nunca mais parou de publicar. Entre 1927 e 1939 editou seis livros, mas "muito fracos" na opinião dele. Foi Borges e a escritora Silvina Ocampo quem convenceu Casares a abandonar os estudos e a dedicar-se exclusivamente à literatura. Em 1940 casa com aquela escritora, precisamente no ano em que edita pela primeira vez "A Invenção de Morel" e que marcou a sua consagração.Da sua vasta obra destacam-se os livros "O Perjúrio da Neve" (1944), "Diário da Guerra dos Porcos" (1969), "Histórias de Amor" (1973) "O Herói das Mulheres" (1979) ou "Histórias Desmesuradas" (1986). Em português estão publicados, além de "A Invenção de Morel", os livros "Plano de Evasão" (1945) e "Dormir ao Sol" (1973), ambos editados pela Estampa. Bioy Casares escreve no final da sua "Invenção de Morel": "A minha alma não passou, ainda, para a imagem; se não, eu teria morrido, teria (talvez) deixado de ver Faustine, para estar com ela numa visão que ninguém recolherá". Hoje, o velho Bioy já encontrou certamente Faustine, em qualquer lugar, numa visão finalmente reconstituída. E merece-o.